O que motiva o braço-de-ferro entre Governo e PS no IRS? Diferenças começam nos 37 cêntimos. "Nem dá para um café"

22 mai, 07:00
Luís Montenegro (PSD) e Pedro Nuno Santos (PS) no Parlamento (Lusa/Tiago Petinga)

Números que mostram que aquilo que separa o Governo e os socialistas no IRS é algo que, no final do mês, teria um impacto muito reduzido no orçamento das famílias. Veja as simulações

A proposta reformulada do Governo para o IRS vai hoje a votação na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. E submete-se assim ao teste parlamentar sem consenso entre o PS e os partidos que constituem o Governo, o PSD e o CDS-PP.

Mesmo com cedências de parte a parte, o braço-de-ferro mantém-se. Qual é o valor dessa divergência? E quanto pesaria ela no seu bolso? Pouco, muito pouco. As diferenças mensais entre as duas propostas são mínimas: começam nos 37 cêntimos. “Nem dá para um café”, compara o fiscalista Luís Nascimento.

É o que mostram as simulações feitas para a CNN Portugal pela consultora ILYA, que compara diretamente a proposta socialista que deu entrada na Assembleia da República e a versão reformulada apresentada pelo Governo.

No caso de um solteiro sem filhos, as diferenças entre propostas começam nos 37 cêntimos para um rendimento bruto mensal de 950 euros. Já um contribuinte com um salário bruto de 1.200 euros veria a proposta socialista dar-lhe mais 2,80 euros ao final do mês. “Daria para três cafés, dependendo do sítio onde se toma o café”, junta Luís Nascimento.

Simulações para solteiro sem filhos

(Fonte: ILYA)

Simulação para casados sem filhos

(Fonte: ILYA)

Para um casal sem filhos com um rendimento bruto mensal de três mil euros, a divergência entre propostas é de 5,60 euros por mês.

As tabelas acima acabam por confirmar outra tendência: é nos rendimentos mais baixos que a proposta socialista é mais benéfica. Já nos rendimentos mais altos, os moldes do Governo do PSD/CDS-PP acabam por trazer poupanças maiores aos contribuintes.

E é exatamente aí que está o cisma entre as duas partes: os socialistas querem a distribuição focada até ao sexto escalão. Os social-democratas não abdicam de mexer a partir daí, sobretudo no sétimo e oitavo escalões, considerando que estes também são classe média.

Mas uma coisa é certa: seja qual for a proposta que ultrapasse o imbróglio, há poupanças para os contribuintes de todos os escalões.

Um braço-de-ferro que, às vezes, não vale um café

Há um braço-de-ferro em curso neste tema. Apesar das cedências do Governo, aproximando-se das vontades socialistas, a medição de forças continua.  Os socialistas já avisaram que vão manter a sua proposta. E o Chega aconselhou o executivo a não sujeitar já o novo texto a votação. “Não queremos atrasar mais este processo”, justificou o líder parlamentar do PSD Hugo Soares.

“Já está tudo muito perto. A única questão que não aceitamos é que metade dos 348 milhões de euros sejam gastos com os 10% que têm mais salário”, argumentou o deputado socialista António Mendonça Mendes.

Ainda assim, as diferenças ao final do mês entre a proposta inicialmente entregue pelo PS – disponível no site da Assembleia da República – e a nova versão apresentada ontem pelo grupo parlamentar do PSD, avisa o fiscalista Luís Nascimento da ILYA, em muitos casos, acabam por não ter grande impacto nos orçamentos familiares.

“Aquilo que estamos a discutir neste momento, esse braço-de-ferro hercúleo, diria que na vida real dos contribuintes tem uma expressão pouquíssimo relevante”, explica à CNN Portugal.

O especialista destaca ainda que a comparação entre a proposta do PS e aquilo que foi aprovado pelo antigo executivo socialista, atualmente em vigor, “revela que o grupo parlamentar acha que há margem para ir mais além” neste imposto. E vinca que, enquanto o PS considera que há margem para reduzir o IRS “nos escalões mais baixos”, os partidos do Governo apontam para uma diminuição “mais espaçada”, com impacto nos escalões mais altos.

À CNN Portugal, Luís Nascimento refere que existem dificuldades em fazer comparações diretas entre as propostas, o que pode ter algum efeito de distorção nas simulações obtidas. Isto porque a proposta do PS “altera taxas e escalões” e a do executivo, “que só mexe nas taxas”. Ainda assim, os resultados obtidos permitem obter uma conclusão clara: proporcionalmente, o impacto é mínimo nos rendimentos.

Veja-se este exemplo. Para um casal sem filhos com um rendimento bruto mensal de 50 mil euros, aquilo que separa o Governo e o PS é uma poupança mensal de quase 80 euros.

(Getty Images)

Um calendário para acompanhar

A versão reformulada do Governo para o IRS vai hoje a votação na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. Mas o que é que isso implica na discussão que já estava em curso? Em último caso, fica tudo como antes. E vai ser preciso esperar até 31 de maio.

Isto porque as propostas sobre o IRS anteriormente aprovadas na comissão, incluindo a socialista, terão de esperar até 31 de maio para alterações na especialidade. Só depois poderão ser votadas. Se o Chega se alinhar com esta visão, há a possibilidade de que sejam as alterações socialistas a fazer efeito nos bolsos dos portugueses.

Se a nova proposta do Governo for aprovada hoje, ela volta ao plenário para votação final na sexta-feira. Contudo, se for chumbada, só resta um caminho ao executivo: voltar à estaca zero e recuperar a proposta inicial - a mesma cujo prazo de 15 dias para alterações na especialidade foi já ultrapassado.

Todo este processo de mexidas de IRS tem sido marcado por sucessivas polémicas, depois de ter sido revelado que a maior parte do contributo para a redução vinha, afinal, do executivo de António Costa. A equipa de Montenegro acenou depois com uma descida adicional de 463 milhões: 348 milhões por via das retenções na fonte e 115 milhões no próximo ano quando forem feitos os acertos na liquidação.

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