Ucranianos sobre as forças russas: "Viviam como porcos"

CNN , Rebecca Wright, Sam Kiley, Olha Konovalova e Peter Rudden
13 set 2022, 19:22
Um homem passa de bicicleta junto a um veículo de artilharia autopropulsor russo abandonado em Izium

EXCLUSIVO CNN Internacional em Izium, cidade recapturada pela Ucrânia após meses de ocupação russa

Carros de combate e camiões ardidos, todos com o símbolo “Z” da Rússia, cobrem as bermas da estrada, destruídos e vermelhos devido à ferrugem recente. Uma ponte caída está coberta de sinais que alertam para as minas terrestres. Mais à frente, o que resta de um carro está perto de um posto de abastecimento destruído, rodeado pelos destroços dos bombardeamentos.

Estes são os sinais da vitória ucraniana e, por enquanto, de uma debandada russa.

Como a CNN foi a primeira equipa de televisão internacional a entrar em Izium desde que a cidade foi recapturada pelos ucranianos, no passado sábado, a equipa encontrou uma cidade que acabava de acordar para a nova realidade. Que os seis meses de ocupação tinham terminado.

Izium agora foi “libertada”, juntamente com quase toda a região de Kharkiv, disse uma fonte militar ucraniana à CNN. A cidade é uma enorme perda estratégica para os militares russos, que a usaram como base e rota de reabastecimento para as suas forças no leste da Ucrânia, e é um testemunho da velocidade e da escala da contraofensiva ucraniana no nordeste.

Em coordenação com uma ofensiva paralela a sul, a Ucrânia recuperou um total de 6000 quilómetros quadrados de território, disse o presidente Volodymyr Zelensky na segunda-feira. A Rússia afirmou que a retirada das suas tropas da região foi “tática”, com o objetivo de concentrar recursos na área do Donbass.

Em Izium, os trabalhos ainda decorrem para tornar o centro da cidade completamente seguro. Os ucranianos tentam capturar alguns soldados russos ainda escondidos e qualquer pessoa que tenha trabalhado com eles durante a ocupação. A cidade também continua num completo apagão de informações, sem sinais de telefone ou dados - uma tática usada pelos russos nos territórios ocupados.

Segundo o que testemunhou a equipa da CNN, a população local está aliviada por ver a cidade de volta às mãos ucranianas.

Embora as ruas de Izium estivessem em grande parte silenciosas, de vez em quando, os moradores aventuravam-se para fora das suas casas e acenavam para os veículos da CNN ou para os camiões militares que passavam, e apertavam a mão a qualquer soldado ucraniano que encontrassem.

Um homem passa de bicicleta junto a um veículo de artilharia autopropulsor russo abandonado em Izium. Rebecca Wright/CNN

Mas, ao mesmo tempo, o medo dos russos ainda mantém a cidade refém. A maioria dos moradores interpelados pela CNN estava com muito medo de falar à vontade sobre o que tinha acontecido nos últimos meses.

Um casal na casa dos 50 anos concordou em conversar, usando apenas os nomes próprios.

Têm estado a comemorar a vitória ucraniana na cidade toda, disse Valeriy, apelidando-a de “bálsamo para a alma”.

“Rezámos a Deus para sermos libertados sem que houvesse luta nem sangue. E assim aconteceu”, disse.

O som distante dos bombardeamentos é um lembrete constante de que, apesar dos ganhos impressionantes nesta contraofensiva, ainda não ganharam a guerra - e muitas regiões da Ucrânia ainda estão ao alcance do arsenal das armas pesadas da Rússia.

Mas, lentamente, os ucranianos estão a trabalhar para que Izium e os outros territórios recapturados voltem a ser algo próximo do normal.

Durante a visita da CNN, um grupo de soldados ucranianos subiu de forma triunfal para cima de um tanque ainda a fumegar. Com uma alegria óbvia, rapidamente o atrelaram a um veículo de artilharia autopropulsor russo, abandonado intacto durante a retirada dos russos. Esta peça de artilharia está entre as mais poderosas do arsenal da Rússia e será reaproveitada para a contraofensiva ucraniana.

Quando questionado sobre se foi uma luta difícil para recuperar a cidade, o motorista do carro blindado respondeu: “Nem por isso.”

Os ucranianos ganharam uma enorme quantidade de armamento nestas batalhas a nordeste, já que muitos soldados russos sacrificaram os veículos intactos para conseguirem escapar com vida.

Dentro do abandonado centro de comando russo

Um dos confrontos finais na batalha por Izium, segundo os militares ucranianos, aconteceu numa antiga escola que estava a ser usada como base das tropas russas. Os russos cercaram o edifício com trincheiras profundas, sacos de areia e veículos blindados.

O edifício foi destruído e as pilhas de tijolos vermelhos e radiadores misturam-se com os vidros partidos das janelas e a madeira que caiu do telhado. Ao lado do edifício encontra-se a carcaça de um camião vermelho tombado que, de lado, mostra a letra “Z” das forças russas.

A antiga escola que foi usada como base para as tropas russas em Izium está agora em ruínas. Rebecca Wright/CNN

Mais à frente na estrada está o edifício que aquelas tropas tentavam proteger: o centro de comando russo, escondido num bunker subterrâneo por baixo de uma fábrica abandonada.

Fileiras de secretárias da escola alinhavam-se na sombria cave, com os cargos escritos em etiquetas brancas - incluindo os comandantes da defesa aérea, da artilharia, das informações e da segurança do Estado, além de outros títulos de escalão mais baixo, como “oficial de serviço”. Ali perto, as tropas ucranianas ainda estão a encontrar armadilhas que foram deixadas para proteger o covil - incluindo um fio preso a uma granada.

Pilhas de munições encontradas perto de um bunker que os russos usavam como centro de comando em Izium. Rebecca Wright/CNN
As camas improvisadas do dormitório usado ​​pelas forças russas no bunker subterrâneo. Rebecca Wright/CNN

Outra sombria sala de betão, em frente ao centro de comando, servia como dormitório, com velhas portas de madeira colocadas horizontalmente em cima de pilhas de tijolos ou bidões, para criar camas improvisadas. As tropas em retirada parecem ter saído à pressa, uma vez que há roupas, pastas de dentes e papéis espalhados pelo chão e em cima das camas.

Um soldado ucraniano mostrou à CNN o telefone verde de disco que as tropas tinham deixado para trás. “Tecnologia russa!”, troçou ele em inglês.

À superfície, os russos também deixaram pilhas de munições.

Juntamente com a perda de armamento e a retirada humilhante captada em vários vídeos e partilhada nas redes sociais, um oficial disse à CNN que a Ucrânia fez um grande número de prisioneiros de guerra russos.

Os soldados ucranianos sentiam-se vitoriosos em espírito, enquanto conduziam pela cidade, acenando dos seus tanques e camiões recém-adquiridos, muitos deles com o “Z” já tapado com tinta.

Uma ponte destruída perto de Izium. Rebecca Wright/CNN

“Quem viemos libertar?”

Valeriy, o residente de Izium, disse que os moradores da cidade estavam zangados com os russos por causa do seu comportamento.

“Onde não havia pessoas, (os russos) roubaram tudo”, disse Valeriy. “Viviam como porcos. Entrámos numa casa e os porcos vivem melhor.”

Valeriy disse que os combates em Izium começaram a 4 de março, quando oito rockets Grad caíram perto da casa dele, o que foi “assustador”, mas felizmente não os atingiu diretamente. A casa da vizinha foi destruída por um dos rockets, mas a mulher sobreviveu sem um arranhão.

Valeriy disse que as tropas russas que chegaram à cidade no início da guerra rapidamente perceberam que a justificação do presidente russo Vladimir Putin para a invasão - a “desnazificação” da Ucrânia - era uma mentira.

Valeriy, residente de Izium, na fotografia com a esposa, disse à CNN que os moradores estavam zangados com os russos por causa do seu comportamento. Rebecca Wright/CNN

“Um artilheiro (russo) chegou e disse-me: ‘Salvámo-lo dos nazis’”, disse Valeriy. “E eu disse-lhe: 'Mostra-me um nazi.'”

Valeriy disse que conversou com os jovens soldados, em russo, e tentou fazê-los ver que estavam a destruir as relações outrora próximas entre ucranianos e russos, especialmente nesta região do país que fica tão perto da fronteira.

“Eu disse-lhes que eles tinham destruído a casa de um homem que era da região de Kursk (na Rússia)”, disse Valeriy. “Aqui, toda a gente tem família em Belgorod (na Rússia) e noutras cidades.”

Ele disse que, a dada altura, as forças de reconhecimento russas falaram com ele e perguntaram: “Quem viemos libertar?”

Essa confusão e um sentimento de desilusão entre as tropas russas foi, provavelmente, um fator importante na retirada desta região, na semana passada.

Mas o mais perigoso para Putin é que o sistema de comando e controlo do seu exército entrou em colapso na província de Kharkiv. Esses oficiais de alta-patente fugiram do bunker, enquanto os soldados abandonaram o armamento pesado durante a fuga.

As forças ucranianas vão tentar mantê-los em fuga e esperam que, talvez um dia, eles regressem a Moscovo com a história do que aconteceu em Kharkiv, e exijam responsabilidades aos seus líderes.

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