Oleksandr Syrskyi, o "leopardo da neve" nascido na Rússia que chega para mudar a guerra da Ucrânia

8 fev, 22:00

Como muitos militares ucranianos, tem treino militar soviético. Ficou famoso por liderar a defensiva de Kiev e a reconquista de Kharkiv

Desde 2019 que lidera as forças terrestres do exército da Ucrânia, tendo ganhado protagonismo logo no início da invasão da Rússia. Primeiro porque foi por ele que delineou a estratégia defensiva de Kiev. Em menos de duas semanas o exército russo estava às portas da capital ucraniana, mas, sob a liderança de Oleksandr Syrskyi, as forças de defesa conseguiram empurrar os russos para trás várias centenas de quilómetros.

Era o primeiro de dois feitos relevantes do novo comandante das Forças Armadas, que também foi decisivo nas operações de reconquista de terreno em Kharkiv, região que chegou a ser praticamente toda dominada pela Rússia, mas que há vários meses regressou para o lado ucraniano.

Aí está Oleksandr Syrskyi, coronel-general que chega para substituir o general Valerii Zaluzhnyi e mudar o rumo e estratégia do exército, numa altura em que novos desafios exigem novas abordagens, de acordo com o governo ucraniano.

Nascido na Rússia para lutar

Como a maioria daqueles que lideram o exército ucraniano, Syrskyi nasceu na então União Soviética, da qual a Ucrânia fez parte até ao seu desmantelamento, em 1991. Só que o novo comandante do exército nasceu em território que ainda hoje é russo, concretamente na região de Vladimir, que faz fronteira com Moscovo, em julho de 1965.

Como muitos militares da sua geração, a maioria a combater atualmente no terreno, Syrskyi também estudou em Moscovo, na Escola dos Altos Comandos Militares, tendo sido acompanhado por alguns colegas que hoje são comandantes no lado inimigo.

Graduado em 1986, foi ainda nessa década que decidiu ir viver para a Ucrânia, onde serviu cinco anos no corpo de artilharia da União Soviética. E a escola ficou lá: vários analistas militares referem que Syrskyi tem caraterísticas e táticas militares semelhantes às dos treinos soviéticos.

Oleksandr Syrskyi fotografado a dar instruções às tropas de Soledar, onde ocorreram violentos combates em janeiro de 2023 (Associated Press)

"Leopardo da neve"

Ganhou peso no exército em 2019, à frente das forças terrestres, mas a luta contra a Rússia é anterior.

Nos anos 2000 comandou a 72ª brigada mecanizada do exército ucraniano com base em Bila Tserkva, uma centena de quilómetros a sul de Kiev. Foi promovido a general em 2009 e em 2013 participou no desenvolvimento da cooperação com a NATO.

Em 2014, logo após a “revolução de Maidan”, a Rússia anexou a península da Crimeia e inicia-se a guerra civil no leste do país após a sublevação dos separatistas russófonos locais. Syrsky torna-se então num dos chefes das operações para impedir Moscovo de assumir o controlo total do Donbass, onde separatistas pró-russos declararam a independência das regiões de Donetsk e Lugansk.

Nestas novas funções, coordenou designadamente a difícil retirada da cidade de Debaltseve, um importante nó ferroviário, no início de 2015, onde os ucranianos enfrentavam forças mais numerosas.

Dois anos mais tarde, nova promoção: Syrsky torna-se comandante de todas as operações no leste, onde a linha da frente se estabilizou. A guerra evolui para um conflito de baixa intensidade, e permanece nessa região até à invasão em larga escala ordenada pelo presidente russo Vladimir Putin em 24 de fevereiro de 2022.

Alguns dos seus feitos valeram-lhe a alcunha de “leopardo da neve”.

A sua preponderância foi subindo e as maiores vitórias da Ucrânia desde 2022 têm, em grande parte, o seu cunho. Foi Syrskyi quem liderou a defesa de Kiev, quando as tropas russas ameaçavam tomar todo o país, num cenário que parecia bem real.

Isso mesmo valeu-lhe o estatuto de Herói da Ucrânia, a maior honra do país. Estávamos em abril de 2022, havia dois meses de guerra.

Mas não foi só em Kiev. Mais para este, em Kharkiv, onde fica a segunda maior cidade da Ucrânia, com o mesmo nome, o agora coronel-general engendrou o plano que possibilitou a expulsão das tropas russas de uma zona onde tentam voltar a todo o custo, mas, até ver, sem sucesso.

Foi uma contraofensiva relâmpago e totalmente planeada por Syrskyi, que permitiu recuperar terreno a este e sudeste da região, incluindo na própria cidade de Kharkiv.

O fim do Grupo Wagner

Talvez seja exagerado dizer que foi a Ucrânia a acabar com o Grupo Wagner. Afinal, foi a insurreição liderada por Yevgeny Prigozhin – que acabaria morto num estranho acidente de avião na Rússia - contra o Kremlin que espoletou o quebrar de relações entre o exército privado e o presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Mas se essa relação se quebrou, em grande parte se deve à estoica resistência ucraniana em Bakhmut, a pequena cidade que durante meses foi o centro da guerra, e que acabou por cair para a Rússia, mas não sem infligir grandes danos no exército inimigo e, lá está, no grupo paramilitar.

É que foi pela dificuldade em conseguir conquistar Bakhmut que estalou o verniz entre Prigozhin e o Kremlin. De mansinho, o líder dos Wagner foi dizendo que estava mesmo difícil conseguir conquistar terreno.

Analistas militares consultados pela agência Reuters referem que parte desse desgaste se deveu à estratégia ucraniana, então liderada por Syrskyi, mesmo que as tropas de Kiev também tenham sofrido grandes perdas.

Oleksandr Syrskyi recebe Volodymyr Zelensky durante uma visita presidencial a Izium, em Kharkiv (AP)

Chegar para mudar

Agora o objetivo é olhar para a frente. Syrskyi chega para substituir um respeitado, mas desgastado, Valerii Zaluzhnyi.

O ponto é a mudança de rumo e de estratégia, perante os desafios novos que 2024 traz, segundo o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

A prioridade do novo comandante das Forças Armadas é levantar o moral daqueles que estão a combater no terreno, numa altura em que o bloqueio de ajuda militar nos Estados Unidos ameaça as tropas ucranianas.

É que do terreno, Syrskyi sabe tudo: é frequentemente visto na linha da frente e dorme apenas quatro horas e meia por dia. Para descansar? Vai ao ginásio. Para relaxar conta com a mulher e os dois filhos.

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