Xi e Putin dão as boas-vindas a uma "nova era" em que Taiwan e Ucrânia correm perigo e a Europa vai ter de fazer escolhas

16 mai, 21:00

Um inimigo em comum aproxima as duas potências (que têm disputas marcadas no futuro) e arrasta a União Europeia para "um período de escolhas" onde não há boas respostas

Poucos dias depois de indicar ao parlamento a nova composição do seu governo, com algumas alterações de peso, como a nomeação de um economista para o cargo de ministro da Defesa, Vladimir Putin foi à China para uma visita de dois dias - que ainda vai a meio -, naquela que é a sua primeira visita ao estrangeiro desde a reeleição. A “parceria sem limites” entre Pequim e Moscovo apresenta-se cada vez mais como um desafio para os EUA, mas obriga a União Europeia a ter de fazer uma escolha e não há opções boas.

“Este encontro termina com a ficção de que a China se mantém abertamente ambígua em relação à guerra na Ucrânia. A China já escolheu politicamente um dos lados e, por isso, critica abertamente os argumentos utilizados pelo Ocidente na Ucrânia”, afirma o professor Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais, que acrescenta que esta posição vai obrigar a Europa a “fazer escolhas”.

O líder russo, que se fez acompanhar por algumas das principais figuras da Defesa, foi recebido com pompa e circunstância para aquela que é a sua primeira visita ao estrangeiro desde a sua reeleição. Um comunicado conjunto publicado pouco depois fala do alinhamento entre os dois países em vários setores, da energia ao comércio e a passar pela guerra na Ucrânia, Taiwan e o conflito no Médio Oriente. É o aprofundar de uma relação que desde 2022 existe “sem limites”, nascida pela necessidade que ambos os países veem em combater o seu “inimigo comum”, os Estados Unidos da América.

O documento é claro, com os dois países a comprometerem-se a trabalhar juntos para combater “a destrutiva e hostil” pressão norte-americana, assinando diversos acordos de cooperação na área militar, mas não só.

“Do ponto de vista de Pequim, existe uma cooperação sem perguntas. Há vantagens para ambos os lados e vão querer demonstrar um alinhamento total entre as duas ordens. Eles são aliados porque têm um inimigo em comum”, defende o professor José Filipe Pinto, especialista em Relações Internacionais.

Apesar de a China se ter posicionado como país neutral no que toca à invasão russa da Ucrânia, o executivo de Xi Jinping tem sido um pilar fundamental do apoio diplomático, económico e até tecnológico a Moscovo. Em fevereiro de 2023, propôs um acordo de paz que consiste em 12 pontos que permitiria à Rússia manter as suas conquistas territoriais.

De acordo com o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, a guerra da Ucrânia está a ser um dos principais temas discutidos com as autoridades chinesas, sublinhando que a China tem “a posição absolutamente correta” da situação e quer oferecer garantias de segurança a todos os envolvidos. Mas os especialistas acreditam que a proposta chinesa, que pode vir a garantir à Rússia formalizar a anexação da Crimeia, pode vir a ser utilizada para justificar uma futura tentativa de anexação de Taiwan.

“Se a Rússia conseguir normalizar a Crimeia, a China consegue justificar a anexação de Taiwan. Devemos olhar para isto com cautela, porque estamos a assistir à transformação estratégica de dois atores”, defende Tiago André Lopes.

O cenário atual é particularmente sensível uma vez que, no campo de batalha, a Rússia voltou a ganhar a iniciativa no terreno e Kiev ainda continua com falta de munições, equipamentos e soldados. Ao mesmo tempo, mais de 50 países vão estar presentes na Suíça para uma cimeira para discutir o processo de paz no conflito - Portugal também vai ter uma delegação e Volodymyr Zelensky até agradeceu a Luís Montenegro por isso. A China foi um dos países convidados, mas não confirmou a sua presença.

Para José Filipe Pinto, Vladimir Putin foi a Pequim precisamente para garantir o apoio diplomático e para que a China não compareça nesta conferência. O especialista defende que para o presidente russo o apoio chinês ao esforço de guerra não basta. Por isso, Putin foi buscar à China a garantia de que a sua posição em relação ao conflito não sofreu alterações face à pressão norte-americana e europeia.

“Moscovo quer garantias da continuação do apoio”, frisa, mas garante que esta parceria tem limites no longo prazo e que existem futuros pontos de discórdia entre os dois países, particularmente na Ásia Central. “Num segundo momento, vão entrar em conflito, não só por causa da Ásia central, mas também por causa da relação com a União Europeia”.

Acompanhado por cinco ministros, a presidente do Banco Central, o CEO da agência de Energia Nuclear, os CEO's de alguns dos principais bancos russos e de companhias energéticas, Vladimir Putin encontrou-se esta terça-feira com Xi Jinping para celebrarem o que dizem ser “uma nova era” numa parceria económica que promete abalar o mundo.

A composição da delegação russa indica a importância que esta tem para ambos os países. Para Moscovo, a China tem sido um verdadeiro “balão de oxigénio” para que a economia russa sobreviva ao impacto das sanções impostas pelo Ocidente. No início da guerra, a Rússia ficou sem acesso a algumas das principais tecnologias ocidentais utilizadas para a extração de matérias-primas e para a produção de equipamentos militares.

“A China está a tirar partido, mas não ao ponto de colocar em causa a economia russa. Pequim vai ser um balão de oxigénio para economia russa, mas controlado. A China vai continuar a usar a Rússia como forma de atingir indiretamente os EUA”, insiste José Filipe Pinto.

A China, que dias antes da invasão à Ucrânia assinou um acordo de cooperação sem limites com a Rússia, foi rápida a preencher esse vazio. Desde então, as relações económicas entre os dois países “explodiram”, apesar da pressão das sanções ocidentais. O comércio entre os dois países atingiu os 240 mil milhões de dólares (cerca de 220 mil milhões de euros) em 2023, um aumento de 26% face ao ano anterior.

A Rússia viu na China o parceiro ideal para comprar maquinaria pesada, microprocessadores, telemóveis, veículos, entre outros produtos necessários para a economia civil. Por outro lado, a China tem sido pragmática o suficiente para aproveitar o impacto das sanções aplicadas pelo ocidente ao setor petrolífero russo, comprando milhares de milhões de dólares de produtos energéticos a um preço de saldo.

“A Rússia vai ver-se obrigada a fornecer gás natural e o petróleo a preços muito acessíveis à China. A China vai procurar que a fatura do gás russo seja cada vez mais baixa. É provável que os termos de troca sejam mais favoráveis a Pequim do que a Moscovo”, explica o professor catedrático.

Apesar de Pequim insistir que não tem fornecido armamento à Rússia, tem vendido muitos dos componentes de “duplo uso” necessários para desenvolver ou compor produtos de natureza militar. Esta realidade valeu a repreensão do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, durante uma visita à China. "A Rússia teria dificuldade de suster o ataque na Ucrânia sem o apoio da China", acusou o líder da diplomacia americana.

Mas esta realidade torna o gigante asiático o parceiro mais importante da Rússia, que não só compra as matérias-primas que a Europa deixou de comprar, como fornece aquilo que a Europa deixou de fornecer.

“Vladimir Putin entregou a pasta da Defesa a um economista. Isto significa que quer a economia russa resista a uma economia de guerra. Por isso é que Putin levou uma delegação muito forte do ponto de vista económico e tecnológico. Todos sabemos que a União Soviética colapsou quando o esforço de guerra foi superior ao do que a economia podia suportar”, explica José Filipe Pinto.

Este cenário coloca a União Europeia numa posição difícil. Ao mesmo tempo que continua a ajudar “enquanto for preciso a Ucrânia”, os países europeus têm num dos seus principais parceiros comerciais uma máquina que mantém viva a economia russa. E isso faz com que cada vez mais países europeus equacionem a possibilidade de sancionar instituições bancárias e empresas chinesas.

Estas medidas teriam um forte impacto na economia chinesa, que é bastante focada nas exportações, mas também na própria União Europeia, que tem na China um dos seus principais mercados, levando a um aumento do custo de vida. Os especialistas ouvidos pela CNN Portugal defendem que a União Europeia deve ser realista e olhar para a sua própria posição, criando uma política de Defesa comum de forma a deixar de “ser tão condicionada” pelos Estados Unidos.

“A Europa vai ter de fazer escolhas. Se quiser ser autónoma, vai ter de tomar a posição francesa e neerlandesa, e cortar relações comerciais com a China, o que vai levar a um encarecimento do custo de vida. Ou então mantemos o comércio com a China e perdemos autonomia e capacidade de sermos assertivos. Estamos no período das escolhas e não há boas opções”, garante Tiago André Lopes.

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