Há uma forma mais inteligente de eliminar o Hamas (opinião)

CNN , Opinião de Robert A. Pape
1 nov 2023, 11:30
Palestinianos fogem após ataque aéreo israelita à mesquita de Sousi, na cidade de Gaza, a 9 de outubro de 2023. Mahmud Hams/AFP/Getty Images

NOTA DO EDITOR | Robert A. Pape é professor de ciência política e diretor do Projeto sobre Segurança e Ameaças da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. É autor de vários livros sobre poder aéreo e terrorismo, incluindo "Bombing to Win: Air Power and Coercion in War". As opiniões expressas neste comentário são da sua inteira responsabilidade

É pouco provável que a estratégia de Israel para derrotar o Hamas - destruir as suas capacidades militares e políticas ao ponto de o grupo terrorista nunca mais poder lançar grandes ataques contra civis israelitas - funcione.

Na verdade, é provável que Israel já esteja a produzir mais terroristas do que os que está a matar.

Para derrotar grupos terroristas como o Hamas, é importante separar os terroristas da população local de onde surgiram. Caso contrário, a atual geração de terroristas pode ser morta, para ser substituída por uma nova e maior geração de terroristas no futuro. (Isto é descrito pelos especialistas como "matemática da contrainsurreição").

Embora o princípio - de separar o grupo terrorista da população em geral - seja simples, é incrivelmente difícil de concretizar na prática.

É por isso que Israel e os Estados Unidos têm levado a cabo grandes operações militares que mataram um grande número de terroristas a curto prazo - mas que acabaram por conduzir ao aparecimento de muitos mais terroristas, muitas vezes numa questão de meses.

Este padrão aconteceu exatamente no passado quando:

1) Israel invadiu o sul do Líbano com cerca de 78.000 tropas de combate e quase 3.000 tanques e veículos blindados em junho de 1982.

O objetivo era esmagar os terroristas da OLP, e Israel obteve um sucesso significativo a curto prazo. No entanto, esta operação militar levou à criação do Hezbollah em julho de 1982, a um vasto apoio local ao Hezbollah, a vagas de ataques suicidas e, em última análise, à retirada do exército israelita de grande parte do sul do Líbano em 1985 e ao crescimento do Hezbollah desde então.

Fila de veículos blindados israelitas e respetivas tripulações aguardam nos arredores de Beirute, no verão de 1982. Maz Nash/AP

2) Israel manteve uma forte ocupação militar em Gaza e na Cisjordânia desde o início dos anos 90 até 2005.

Estas operações conseguiram matar muitos terroristas do Hamas e de outros grupos palestinianos, mas também desencadearam um vasto apoio local aos grupos terroristas e campanhas maciças de ataques suicidas contra israelitas, que só pararam quando as forças militares israelitas partiram. Longe de estar derrotado, o Hamas venceu as eleições palestinianas de 2006.

Apoiantes do Hamas, com as bandeiras verdes do movimento islamista, participam num comício na cidade de Gaza, antes das eleições parlamentares palestinianas de 2006. Mohammed Abed/AFP/Getty Images

3) Israel lançou uma ofensiva terrestre no Líbano em julho-agosto de 2006.

Embora o objetivo fosse destruir completamente os líderes e combatentes do Hezbollah para que este nunca mais pudesse raptar soldados israelitas e lançar mísseis contra cidades israelitas, a ofensiva israelita falhou e, como resultado, o Hezbollah está hoje muito mais forte.

Jovens libaneses no topo de uma colina com vista para a cidade de Beirute observam o fumo que sai de um depósito de combustível no Aeroporto Internacional de Beirute, atingido por um ataque aéreo israelita, em 2006. Ben Curtis/AP

4) Os Estados Unidos invadiram e ocuparam o Iraque em 2003 com 150.000 tropas de combate.

As forças americanas derrotaram por completo o exército de Saddam Hussein em seis semanas. No entanto, estas operações militares pesadas levaram à maior campanha terrorista suicida dos tempos modernos, a uma grande guerra civil no Iraque e, finalmente, à ascensão do ISIS, o autoproclamado Estado Islâmico.

Fuzileiro norte-americano retira uma fotografia de Saddam Hussein numa escola em Al-Kut, Iraque, 2003. Chris Hondros/Getty Images

Estará a história a repetir-se em Gaza?

Em Gaza, este padrão trágico já está provavelmente a acontecer. Neste momento, estamos a assistir não à separação entre o Hamas e a população local, mas à crescente integração dos dois, com um provável aumento do recrutamento para o Hamas.

A ordem israelita para que 1,1 milhões de palestinianos - a população do norte de Gaza - se desloquem para sul não vai criar uma separação significativa entre os terroristas e a população.

Muitos milhares não podem deslocar-se porque são demasiado jovens, demasiado velhos, ou demasiado doentes ou feridos e dependem de cuidados especializados e de hospitais. Por conseguinte, não é possível retirar toda a população civil do norte de Gaza. Mesmo que a população civil se deslocasse, muitos combatentes do Hamas iriam simplesmente com eles.

Além disso, o Hamas ordenou aos civis que não retirassem. Uma vez que o Hamas e a população civil continuam fortemente integrados, não é de surpreender que as operações israelitas para matar os terroristas do Hamas tenham provocado a morte de mais de 8.000 civis, segundo o Ministério da Saúde palestiniano em Ramallah, citando fontes da Faixa de Gaza controlada pelo Hamas. Quase todos têm familiares que, provavelmente, já estão a ser recrutados pelo Hamas em grande número.

Devemos esperar que o Hamas esteja a ficar mais forte, e não mais fraco, a cada dia que passa.

Então, o que é que funciona?

Para derrotar os grupos terroristas, é crucial levar a cabo longas campanhas de pressão seletiva, ao longo de anos, e não apenas um mês (ou dois, ou três) de operações terrestres, e combinar operações militares com soluções políticas desde o início.

De facto, o próprio esforço para acabar com os terroristas em apenas um mês ou dois, militarmente, sem ter em conta o resultado político - como Israel parece estar a fazer agora - é o que acaba por produzir mais terroristas do que os que mata.

A única forma de causar danos duradouros aos terroristas é combinar, tipicamente numa longa campanha de anos, ataques seletivos sustentados contra terroristas identificados com operações políticas que criem fissuras entre os terroristas e as populações locais de onde provêm.

Israel está a estabelecer comparações com a derrota do ISIS, mas é importante lembrar que as forças terrestres muçulmanas fizeram uma enorme diferença ao aplicar pressão militar contra o ISIS no Iraque e na Síria, ao longo de anos, de uma forma que não galvanizou a população local para os substituir, permitindo que as populações locais governassem efetivamente a área livre de terroristas.

A campanha que derrotou o ISIS juntou operações militares e políticas praticamente desde o início.

No futuro, Israel precisa de um novo conceito estratégico para derrotar o Hamas. A única maneira viável de separar o Hamas da população local é politicamente.

A visão estratégica de Israel tem sido a de entrar em força militarmente primeiro e depois resolver o processo político. Mas é provável que isso integre cada vez mais o Hamas e a população local e que produza ainda mais terroristas.

Além disso, Israel não parece ter um plano político para o período após a eliminação do Hamas. Desde 2006, o Hamas tem sido o único governo em Gaza. Israel afirma que não quer governar Gaza, mas Gaza terá de ser governada, e Israel ainda não explicou como será a Gaza pós-Hamas.

O que é que impedirá o Hamas 2.0 de preencher o vazio de poder? Dada a ausência de alternativas políticas sérias ao Hamas, porque é que os palestinianos hão-de abandonar o Hamas?

Há uma alternativa: agora, e não mais tarde, iniciar o processo político com vista à criação de um Estado palestiniano e criar uma alternativa política viável ao Hamas para os palestinianos.

Isto poderia, com o tempo, separar cada vez mais o Hamas da população local, conduzindo assim a um êxito significativo. Devem ser os palestinianos a decidir quem lidera Gaza.

Esta nova conceção estratégica é a melhor forma de derrotar o Hamas, proteger a população de Israel e fazer avançar os interesses da América na região.

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