NOTA DO EDITOR | Robert A. Pape é professor de ciência política e diretor do Projeto sobre Segurança e Ameaças da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. É autor de vários livros sobre poder aéreo e terrorismo, incluindo "Bombing to Win: Air Power and Coercion in War". As opiniões expressas neste comentário são da sua inteira responsabilidade
É pouco provável que a estratégia de Israel para derrotar o Hamas - destruir as suas capacidades militares e políticas ao ponto de o grupo terrorista nunca mais poder lançar grandes ataques contra civis israelitas - funcione.
Na verdade, é provável que Israel já esteja a produzir mais terroristas do que os que está a matar.
Para derrotar grupos terroristas como o Hamas, é importante separar os terroristas da população local de onde surgiram. Caso contrário, a atual geração de terroristas pode ser morta, para ser substituída por uma nova e maior geração de terroristas no futuro. (Isto é descrito pelos especialistas como "matemática da contrainsurreição").
Embora o princípio - de separar o grupo terrorista da população em geral - seja simples, é incrivelmente difícil de concretizar na prática.
É por isso que Israel e os Estados Unidos têm levado a cabo grandes operações militares que mataram um grande número de terroristas a curto prazo - mas que acabaram por conduzir ao aparecimento de muitos mais terroristas, muitas vezes numa questão de meses.
Este padrão aconteceu exatamente no passado quando:
1) Israel invadiu o sul do Líbano com cerca de 78.000 tropas de combate e quase 3.000 tanques e veículos blindados em junho de 1982.
O objetivo era esmagar os terroristas da OLP, e Israel obteve um sucesso significativo a curto prazo. No entanto, esta operação militar levou à criação do Hezbollah em julho de 1982, a um vasto apoio local ao Hezbollah, a vagas de ataques suicidas e, em última análise, à retirada do exército israelita de grande parte do sul do Líbano em 1985 e ao crescimento do Hezbollah desde então.
2) Israel manteve uma forte ocupação militar em Gaza e na Cisjordânia desde o início dos anos 90 até 2005.
Estas operações conseguiram matar muitos terroristas do Hamas e de outros grupos palestinianos, mas também desencadearam um vasto apoio local aos grupos terroristas e campanhas maciças de ataques suicidas contra israelitas, que só pararam quando as forças militares israelitas partiram. Longe de estar derrotado, o Hamas venceu as eleições palestinianas de 2006.
3) Israel lançou uma ofensiva terrestre no Líbano em julho-agosto de 2006.
Embora o objetivo fosse destruir completamente os líderes e combatentes do Hezbollah para que este nunca mais pudesse raptar soldados israelitas e lançar mísseis contra cidades israelitas, a ofensiva israelita falhou e, como resultado, o Hezbollah está hoje muito mais forte.
4) Os Estados Unidos invadiram e ocuparam o Iraque em 2003 com 150.000 tropas de combate.
As forças americanas derrotaram por completo o exército de Saddam Hussein em seis semanas. No entanto, estas operações militares pesadas levaram à maior campanha terrorista suicida dos tempos modernos, a uma grande guerra civil no Iraque e, finalmente, à ascensão do ISIS, o autoproclamado Estado Islâmico.
Estará a história a repetir-se em Gaza?
Em Gaza, este padrão trágico já está provavelmente a acontecer. Neste momento, estamos a assistir não à separação entre o Hamas e a população local, mas à crescente integração dos dois, com um provável aumento do recrutamento para o Hamas.
A ordem israelita para que 1,1 milhões de palestinianos - a população do norte de Gaza - se desloquem para sul não vai criar uma separação significativa entre os terroristas e a população.
Muitos milhares não podem deslocar-se porque são demasiado jovens, demasiado velhos, ou demasiado doentes ou feridos e dependem de cuidados especializados e de hospitais. Por conseguinte, não é possível retirar toda a população civil do norte de Gaza. Mesmo que a população civil se deslocasse, muitos combatentes do Hamas iriam simplesmente com eles.
Além disso, o Hamas ordenou aos civis que não retirassem. Uma vez que o Hamas e a população civil continuam fortemente integrados, não é de surpreender que as operações israelitas para matar os terroristas do Hamas tenham provocado a morte de mais de 8.000 civis, segundo o Ministério da Saúde palestiniano em Ramallah, citando fontes da Faixa de Gaza controlada pelo Hamas. Quase todos têm familiares que, provavelmente, já estão a ser recrutados pelo Hamas em grande número.
Devemos esperar que o Hamas esteja a ficar mais forte, e não mais fraco, a cada dia que passa.
Então, o que é que funciona?
Para derrotar os grupos terroristas, é crucial levar a cabo longas campanhas de pressão seletiva, ao longo de anos, e não apenas um mês (ou dois, ou três) de operações terrestres, e combinar operações militares com soluções políticas desde o início.
De facto, o próprio esforço para acabar com os terroristas em apenas um mês ou dois, militarmente, sem ter em conta o resultado político - como Israel parece estar a fazer agora - é o que acaba por produzir mais terroristas do que os que mata.
A única forma de causar danos duradouros aos terroristas é combinar, tipicamente numa longa campanha de anos, ataques seletivos sustentados contra terroristas identificados com operações políticas que criem fissuras entre os terroristas e as populações locais de onde provêm.
Israel está a estabelecer comparações com a derrota do ISIS, mas é importante lembrar que as forças terrestres muçulmanas fizeram uma enorme diferença ao aplicar pressão militar contra o ISIS no Iraque e na Síria, ao longo de anos, de uma forma que não galvanizou a população local para os substituir, permitindo que as populações locais governassem efetivamente a área livre de terroristas.
A campanha que derrotou o ISIS juntou operações militares e políticas praticamente desde o início.
No futuro, Israel precisa de um novo conceito estratégico para derrotar o Hamas. A única maneira viável de separar o Hamas da população local é politicamente.
A visão estratégica de Israel tem sido a de entrar em força militarmente primeiro e depois resolver o processo político. Mas é provável que isso integre cada vez mais o Hamas e a população local e que produza ainda mais terroristas.
Além disso, Israel não parece ter um plano político para o período após a eliminação do Hamas. Desde 2006, o Hamas tem sido o único governo em Gaza. Israel afirma que não quer governar Gaza, mas Gaza terá de ser governada, e Israel ainda não explicou como será a Gaza pós-Hamas.
O que é que impedirá o Hamas 2.0 de preencher o vazio de poder? Dada a ausência de alternativas políticas sérias ao Hamas, porque é que os palestinianos hão-de abandonar o Hamas?
Há uma alternativa: agora, e não mais tarde, iniciar o processo político com vista à criação de um Estado palestiniano e criar uma alternativa política viável ao Hamas para os palestinianos.
Isto poderia, com o tempo, separar cada vez mais o Hamas da população local, conduzindo assim a um êxito significativo. Devem ser os palestinianos a decidir quem lidera Gaza.
Esta nova conceção estratégica é a melhor forma de derrotar o Hamas, proteger a população de Israel e fazer avançar os interesses da América na região.