"Decapitar o Hamas implica substituir a liderança": quem governará Gaza se Israel ganhar a guerra?

25 out 2023, 08:00
Faixa de Gaza (AP)

Há três hipóteses em cima da mesa, mas nenhuma delas é favorável a todas as partes. O conflito no Médio Oriente parece cada vez mais longe de estar resolvido e começam a surgir dúvidas sobre quem vai governar o território se Israel cumprir com a sua palavra e eliminar o Hamas

Quando os combatentes do Hamas irromperam pelo território israelita, a 7 de outubro, matando e raptando centenas de civis indiscriminadamente, o governo israelita prometeu uma resposta como nunca tinham dado, com o ministro da Defesa a garantir que "em breve" estariam dentro de Gaza. Mais de duas semanas depois, ainda não é certo quando Israel vai avançar com a proclamada operação terrestre para eliminar o Hamas.

Se a promessa de Israel efetivamente se concretizar, quem governará Gaza? Esta é a questão que provavelmente estará a ecoar nos gabinetes do governo israelita, acredita Diana Soller, especialista em Relações Internacionais. As autoridades israelitas têm vindo a afirmar que esta não é a sua preocupação imediata, mas a verdade é que é uma questão inevitável e tem de ser ponderada, assume a investigadora.

"Há uma coisa que Israel tem de ter consciência e que os EUA não tiveram no Iraque [quando derrubaram o regime de Saddam Hussein, em 2003]: o desmantelamento do Hamas implica a criação de outra ordem interna. Israel tem de começar imediatamente a pensar qual vai ser a ordem substituta do Hamas. Não pode acontecer o que aconteceu no Iraque", explica à CNN Portugal Diana Soller, recordando as longas campanhas insurgentes que eclodiram no Iraque após a invasão norte-americana.

Partindo desse exemplo, Telavive tem de entender que "decapitar uma liderança implica uma substituição dessa liderança", acrescenta a especialista, frisando que "o desmantelamento do Hamas sem substituição é o pior cenário possível para toda a gente".

Se Israel efetivamente conseguir eliminar o Hamas, como promete, três cenários podem estar em cima da mesa para a governação da Faixa de Gaza - mas nenhuma solução é positiva, admite Diana Soller.

Uma das hipóteses, segundo a investigadora, passa por um acordo entre Israel e a Autoridade Palestiniana - que governa a Cisjordânia - assente no pressuposto de que esta "toma conta dos destinos da Faixa de Gaza". Esta é talvez "a melhor" hipótese de todas, indica Diana Soller, ainda que a Autoridade Palestiniana esteja "muito enfraquecida" e que por isso se levantem dúvidas quanto à "sua capacidade para governar a Faixa de Gaza, um território que precisa de tudo".

"Em momentos normais, sem guerra, a Faixa de Gaza precisa de 100 camiões de ajuda humanitária por dia. Portanto, quem quer que pegue na Faixa de Gaza vai ter um problema gravíssimo", aponta.

Esta é também "a hipótese mais viável" para o professor de Relações Internacionais da Universidade Portucalense, Tiago André Lopes, que sugere uma "reformulação da Autoridade Palestiniana com a substituição do líder, Mahmoud Abbas, que foi eleito em 2005 e que, por isso, seria fácil de substituir, quer por via de uma eleição ou de um golpe".

Tiago André Lopes sugere como seu substituto o ministro dos Negócios Estrangeiros da Autoridade Palestiniana, Riad Malki, que tem sido apontando como "um dos nomes mais viáveis para liderar a causa palestiniana".

Apesar de ser a solução mais favorável para os dois especialistas, esta não seria uma opção fácil de concretizar, admite Tiago André Lopes, argumentando que a gestão da Faixa de Gaza teria de estar assente num "processo negocial com um calendário apertado", estabelecendo-se objetivos concretos e "condicionado a ajuda humanitária a metas diplomáticas".

Além disso, acrescenta o professor, neste caso, Israel teria sempre de fazer "cedências territoriais", conferindo à Faixa de Gaza "um elevado grau de autonomia" e reconhecimento do Estado da Palestina.

Gaza sob controlo de Israel? "Uma péssima ideia"

Uma outra solução, de acordo com Diana Soller, seria o próprio governo israelita assumir o controlo de Gaza. "Mas isso parece uma péssima ideia, porque Israel nunca terá legitimidade para governar a Palestina, vai sempre ser visto como o invasor, o “settler colonialist" [colonialista de um povo], que é a forma como Israel muitas vezes é visto pela comunidade académica", observa.

Tiago André Lopes lembra que se Israel se quisesse "apropriar" da Faixa de Gaza "seria à revelia do direito internacional", tendo em conta a resolução da ONU de 1948 que estabelecia uma divisão da Palestina em dois Estados judeus e árabes.

A terceira hipótese, acrescenta a investigadora, seria uma governação temporária da Faixa de Gaza por parte de uma entidade internacional, como as Nações Unidas. "Mas os palestinianos nunca vão aceitar ser governados por uma entidade exterior", ressalva Diana Soller.

Neste cenário, o professor Tiago André Lopes chama a atenção para os países vizinhos, nomeadamente o Líbano, a Síria, o Egito e a Jordânia, que, diz, dificilmente aceitariam a gestão da Faixa de Gaza por um ator externo.

O peso das contrapartidas sugere que não será fácil encontrar uma solução que agrade a todas as partes e, por isso, o futuro deste conflito é imprevisível.

"Não sabemos quanto tempo é que este conflito vai durar. As guerras que Israel enfrentou até hoje foram sempre muito curtas, de dias ou semanas. Mas essas foram guerras intra-Estado. Esta é contra um grupo terrorista que ocupa uma faixa de território que não tem estatuto jurídico internacional, pelo menos para as grandes potências internacionais. Além disso, o Hamas não parece ter um particular interesse de proteção dos seus civis, o que cria um ambiente de guerra completamente diferente de todos os que Israel viveu até hoje, faz com que seja imprevisível o que vai acontecer nos próximos tempos", argumenta Diana Soller.

 

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