"Mãe reza por nós". Antes de ser levada pelo Hamas, este foi o último pedido de Daniela à mãe

1 nov 2023, 08:00
Daniela

Daniela tem 19 anos e é música. Está refém do Hamas há quase um mês. “O que mais me custa é que não sei como está a minha filha”, diz Orly, a mãe que se questiona todos os dias em que condições estará a sua filha. Orly mal dorme e pouco come, mas foi capaz de reunir forças para ajudar outras famílias, que tal como a dela, não sabem dos seus entes queridos

“Até este momento, não tinha nenhum sinal de vida dela, foi a partir deste ponto, que tivemos a esperança de que ela estivesse viva”. Entre sirenes e abrigos, Orly ficou sem notícias da filha que estava perto de Gaza. Até que através de um vídeo no Telegram, reconheceu o cabelo apanhado da filha, que ia sentada no chão de um carro com membros do Hamas.

Daniela, de 19 anos, foi levada por militantes do Hamas que invadiram o kibbutz onde se encontrava. Orly, a sua mãe, diz que não consegue dormir ou comer, mas que tem tentado estar ativa e ajudar outras famílias de reféns.

A mãe descreveu, à CNN Portugal, o momento em que se apercebeu da gravidade da situação. Na madrugada do dia 7 de outubro, quando o ataque começou estava com o resto da família em Petah Tikva, perto de Telavive, Israel. Assim que ouviu os primeiros mísseis, pelas 6h30, ligou para Daniela, que se encontrava na área de Nachal Oz, um kibbutz a sul do país, perto da fronteira com Gaza. “Assumi que também teriam atacado naquela zona. Por isso, tentei chegar a ela pelo whatsapp”. 

Já eram 7h00 quando Daniela respondeu que ouviu tiros e bombardeamentos. Para Orly eram apenas foguetes, “tudo ia passar”. “Nos primeiros momentos, não pensei que fosse algo muito especial. Como se não fosse algo tão grande como era”, partilhou a mãe. Foi quando enviou uma mensagem à filha a perguntar se estava bem e num lugar seguro, que se apercebeu da gravidade da situação.

“Estás a brincar comigo”, respondeu Daniela por mensagem. Seguido de “Mãe, por favor, reza por nós”. Imediatamente, Orly percebeu que algo de muito grave estava a acontecer. Tentou ligar para a filha, mas sem sucesso. “Foi nesse momento que o pânico e medo se instalaram”, recorda a mãe. 

Daniela, 19 anos (DR)

Foi um dia longo e sem notícias, descreve. “Durante todo o sábado, não sabíamos o que se estava a passar. Tentámos comunicar com o exército para saber se alguém sabia o que se estava a passar. Mas sem sucesso”. Só mais tarde é que o exército conseguiu assumir o controlo naquela zona e Orly continuava sem receber nenhuma informação oficial. 

A minha filha continuava a não atender o telefone. Já imaginava o pior. Alguém ia bater à minha porta e trazer o pior anúncio que ia receber”, partilha a mãe, que já assumia a morte da filha. 

No entanto, aconteceu o oposto, chegou a esperança. “Bateram-me à porta. Era o namorado de Daniela”. Orly conta que o rapaz trazia um vídeo que os militantes do Hamas publicaram no Telegram. “É a Daniela”, dizia o namorado, que encontrou o vídeo online. “No vídeo estão três raparigas sentadas na parte de trás de um carro, mas quando vimos este vídeo muito devagar, vimos que havia mais uma rapariga sentada no chão”, relata a mãe.

Apesar do que se vê da quarta rapariga ser a parte de trás da cabeça, um pequeno rabo-de-cavalo, a mãe acredita que é a sua filha. “Até este momento não tinha nenhum sinal de vida dela, foi a partir deste ponto, que tivemos a esperança de que ela estivesse viva”. Orly conta que foi nesta altura que se encheu de esperança e explica que é normal que as autoridades não tivessem reconhecido a sua filha. “Eles provavelmente não a conseguiram reconhecer. Mas nós, enquanto família, sabemos e sentimos que ela é a rapariga do vídeo”, diz. 

Assim que a família de Daniela soube que ela era uma das reféns do Hamas, entraram em ação, tentaram procurar toda a informação que conseguissem e envolveram-se nos centros de ajuda às famílias em Telavive. “A nossa vida foi interrompida, não trabalhamos, mal durmo e nem tenho vontade de comer”, partilha a mãe que diz ter esperança de que Israel consiga ultrapassar esta situação. 

Orly soube antes das autoridades que a filha tinha sido levada. Quando as autoridades lhe disseram que a filha era dada como desaparecida, já sabia que Daniela tinha sido levada pelo Hamas. “Só na quarta-feira, quatro dias depois do ataque, é que confirmaram que a Daniela era uma das reféns”. “Isso já eu sabia”, conta a mãe, desconfiada do que as autoridades israelitas sabem. “Acho que eles têm informação que nos escondem”.

Desde que as autoridades israelitas informaram Orly que a sua filha é uma das 200 pessoas reféns do grupo, a família tem tido um acompanhamento especial de uma oficial do governo que faz a ponte com as autoridades.

“Nem consigo pensar no conflito em termos gerais, estou focada na minha filha”, confessa a mãe que está desesperada por reaver Daniela. No início do conflito, Orly conta que estava em estado de choque. “Nem consegui sair de casa”. Agora, reuniu forças para ajudar outras famílias que, tal como a dela, não sabem da situação dos seus familiares. 

“Embora tenha sido chocante para nós, não podíamos ignorar todas as imagens que tínhamos visto na televisão sobre as várias pessoas e famílias inteiras que foram mortas naquele sábado”. Orly conta que ver que não são a única família nesta situação ajuda-os a ter força e esperança. O centro de ajuda às famílias está aberto 24 horas, vão passando vários voluntários que ajudam as famílias a chegar aos meios de comunicação, geram compromissos com embaixadores em todo o mundo e fazem atividades de apoio, explica. 

Na semana passada, o representante do governo para a situação dos reféns, Gal Yirsh, foi ao centro falar com as famílias. “Disse-nos que estão a fazer tudo o que podem para recuperar as nossas famílias”. Apesar de Gal Yirsh não ter revelado grande informação, Orly conta que saiu da reunião com um bom pressentimento.

Nem todas as famílias se sentem prontas a partilhar a situação dos seus familiares reféns. Mas Orly está motivada a falar com os meios de comunicação social para garantir que o mundo compreenda que o seu objetivo é trazer a filha de volta. “O objetivo principal é trazer de volta todos os reféns. Não importa se são cidadãos israelitas ou cidadãos estrangeiros”, diz a mãe à CNN Portugal. Tem também como objetivo expor a situação de Daniela para que sejam tomadas ações imediatas. Para Orly, "a solução seria que a Cruz Vermelha entrasse em Gaza para ver a situação dos reféns". “Há pessoas doentes, há pessoas idosas, há crianças de nove meses. E, há também a minha filha”, diz Orly. 

“O que mais me custa é que não sei como está a minha filha”. É a maior questão dos familiares de reféns: quais são as condições em que se encontram? Orly diz que não se sente bem ao deitar-se na sua cama, quando a filha provavelmente não tem sítio para dormir. “Eles comem, eles dormem, eles bebem, foram feridos?”, questiona-se. Estas são alguns das milhares de perguntas que passam pela cabeça de uma mãe nesta situação.

Mas há ainda outro tipo de questões que Orly diz que considera. “Estão todos vivos? Será que está ao pé de pessoas mortas? Estará debaixo da terra? Vê luz?”. A mãe diz que qualquer notícia do outro lado ajudaria. 

O pai de Daniela é muito religioso e lida com a situação da filha de um modo espiritual. “Ele reza muito e fortalece-se com as orações”. “Já a minha outra filha, de 15 anos, não parou de chorar nos dois primeiros dias”, conta Orly. 

Na verdade, a filha chama-se Daniel, mas depois de ter sido levada pelo Hamas, o rabino da comunidade adicionou a letra ‘a’ no fim do nome dela. Daniela. Em hebraico a letra ‘a’ representa deus. 

דניאלה

Daniela é música e acabou de começar a sua carreira. Desde os 10 anos que toca piano. “Uma das suas canções favoritas é o dueto de Idan Reichel e Ana Moura, a cantora portuguesa”, lembra Orly. 

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