Porque a Ucrânia enfrenta grandes obstáculos para usar os F-16 - não basta saber pilotá-los

CNN , Análise de Brad Lendon
22 mai 2023, 11:41
Um caça F-16 Fighting Falcon prepara-se para aterrar no aeródromo militar dos EUA em Spangdahlem, na Alemanha. Harald Tittel/dpa/Reuters

A demanda da Ucrânia por caças F-16 norte-americanos recebeu um grande impulso no fim de semana, depois de o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ter dado o seu aval à formação dos pilotos de Kiev para que os possam pilotar.

As afirmações de Biden na cimeira com os líderes do G7 no Japão surgiram dias depois de Reino Unido e Países Baixos terem dito que estavam a formar uma "coligação internacional" para ajudar a Ucrânia a adquirir os F-16, numa altura em que esta procura melhorar as suas defesas contra os ataques aéreos russos.

Os F-16 seriam uma atualização dos aviões da era soviética que fazem parte da frota da Ucrânia. O presidente Volodymyr Zelensky saudou a decisão de Biden, afirmando num tweet que "isto irá melhorar muito o [nosso] exército no céu".

Mas os analistas alertaram para o facto de os jatos não serem a cura para todos os males e terem vulnerabilidades que Moscovo conhece bem e pode explorar.

De facto, um piloto de F-16 no ativo disse à CNN que as expectativas podem ser demasiado elevadas.

"Quanto à sua pergunta sobre o F-16 ser um fator de diferença, não é", afirmou o piloto, que pediu anonimato por não estar autorizado a falar sobre o assunto.

Eis o que precisa de saber sobre o F-16.

O caça mais ativo do mundo

Os F-16 são aviões a jato monomotores e multifunções, o que significa que podem ser usados em missões ar-ar ou de ataque ao solo.

A Força Aérea dos EUA chama ao F-16, que voou pela primeira vez na década de 1970, um "sistema de armas de alto desempenho e custo relativamente baixo".

Milhares de jatos foram construídos ao longo de décadas e centenas foram exportados para todo o mundo.

De acordo com o diretório da Flight Global das Forças Aéreas Mundiais, quase 2.200 F-16 estão ativos em todo o mundo, o que faz deste o avião de combate mais popular em todo o mundo, com 15% da frota mundial.

Os F-16 destinados à Ucrânia serão versões mais antigas que têm estado nas frotas dos aliados dos EUA, especialmente na Europa Ocidental.

Segundo os analistas, os F-16 que a Ucrânia irá receber não são os mais antigos, mas sim aviões que foram submetidos ao que se designa por "atualizações intermédias", o que significa que foram melhorados em termos de aviónica e software.

A Ucrânia diz que precisa de cerca de 200 F-16, pelo que o número é aceitável.

"Há um excedente de F-16 nos países ocidentais, oferecendo disponibilidade imediata e uma logística bem estabelecida", apontou Robert Hopkins, autor de aviação militar e antigo piloto da Força Aérea dos EUA.

"Existem outras aeronaves mais capazes do que o F-16, mas são em menor número e não estão disponíveis para transferência", acrescentou Hopkins.

Esses aviões mais capazes são provavelmente aqueles de que habitualmente se ouve falar, os F-35 e os F/A-18 fabricados nos EUA ou os Rafale franceses, por exemplo.

Mas há outros que são menos conhecidos.

"Tecnicamente, o melhor avião seria o Grippen sueco, devido às suas capacidades de combate, à capacidade de operar a partir de bases complicadas e à facilidade de manutenção", explica Peter Layton, membro do Griffith Asia Institute e antigo oficial da Real Força Aérea Australiana. "No entanto, a sua taxa de produção anual é baixa e não há nenhum disponível no mercado."

Layton dá os Países Baixos como um excelente exemplo de como o F-16 pode ser a resposta mais fácil para a Ucrânia.

"Os holandeses têm cerca de 40 F-16 à disposição. Estes aviões têm sido progressivamente atualizados, possuem radares e aviónica relativamente modernos e podem utilizar armas avançadas", sublinhou Layton.

Manter os F-16 no céu

Caças F-16. AP

Os analistas dizem que o grande número de F-16 ativos em todo o mundo significa que têm uma logística estabelecida e um bom número de peças sobressalentes disponíveis - componentes importantes para manter os jatos aptos para o combate.

Mas também referem que, para um caça moderno como o F-16, a formação do pessoal de manutenção pode demorar mais tempo do que a formação dos pilotos.

"Penso que é possível ensinar um piloto ucraniano a pilotar um F-16 em três meses", perspetivou Layton.

Mas "a formação do pessoal de manutenção pode levar meses ou anos, dependendo do nível de proficiência pretendido", de acordo com um relatório de março do Congressional Research Service (CRS), serviço de investigação do congresso, sobre as possíveis transferências de F-16.

Mesmo depois de frequentar até 133 dias de aulas, um técnico de manutenção da Força Aérea dos EUA precisa de um ano de experiência no local de trabalho para se tornar totalmente qualificado, indica o relatório do CRS.

E, de acordo com o documento, pode haver outro problema: os F-16 precisam de muita manutenção, isto é, 16 horas por hora de voo.

Quanto à formação dos pilotos, Layton e o piloto de F-16 no ativo que falou com a CNN sob anonimato consideram que três meses de formação são para o básico - pôr o avião no ar, mante-lo no ar e aterrar em segurança. No entanto, as funções de combate tornam-se muito mais complexas.

Os F-16 são fáceis de aprender a pilotar, mas a sua utilização eficaz num "ambiente de ameaça dinâmica" pode levar anos, segundo o piloto.

"Aprender a pilotar um F-16 é apenas uma parte da batalha. Os pilotos americanos aprendem primeiro a voar, depois aprendem a comandar dois F-16, depois quatro F-16. Trata-se de um processo de vários anos, e isto apenas para a unidade tática básica de emprego", sublinhou o piloto de F-16.

Layton disse que os atuais pilotos de caças a jato da Ucrânia provaram ser hábeis e poderiam "aprender no terreno" com os F-16 se se limitassem à defesa aérea, abatendo aviões ou mísseis russos intrusos, a curto prazo.

"A minha lógica cai por terra se tentarmos ensinar-lhes o ataque terrestre a baixa altitude, noturno e em todas as condições meteorológicas, utilizando sistemas de infravermelhos e bombas guiadas, o que levaria mais tempo", antecipou Layton.

Como é que se escondem os F-16?

Depois, há a questão de saber onde é que os F-16 ucranianos ficariam.

"Os F-16 dão-se melhor em pistas longas e limpas. Poderão ter dificuldades nas pistas mais acidentadas, antigas pistas soviéticas, dispersas pela Ucrânia", escreveram os analistas da RAND Corp. John Hoehn e William Courtney num blogue no início deste mês.

"Para receber aviões ocidentais, a Ucrânia poderá ter de repavimentar e potencialmente alargar várias pistas, um processo que a Rússia provavelmente detetaria. Se apenas alguns aeródromos fossem adequados e estivessem em locais conhecidos, os ataques russos concentrados poderiam impedir os F-16 ucranianos de voar", escreveram.

Partindo do princípio de que a Ucrânia consegue ultrapassar os obstáculos logísticos e de manutenção e encontrar pistas seguras a partir das quais os F-16 possam voar, os analistas afirmam que ainda precisam do armamento adequado para serem eficazes contra os principais caças que a Rússia está a utilizar, como o Su-25 e o MiG-31.

"As vantagens da transferência de caças ocidentais avançados na procura de superioridade aérea só se concretizam se forem acompanhadas de grandes quantidades de munições de fabrico ocidental", consta no relatório do CRS.

Os armamentos ocidentais avançados para os F-16 seriam dispendiosos.

Por exemplo, um único míssil ar-ar avançado de médio alcance (AMRAAM) custa cerca de 1,2 milhões de dólares (1,1 milhões de euros), diz o CRS, acrescentando que demora cerca de dois anos a fabricar um.

Os EUA poderiam fornecer AMRAAM e outras armas a partir das suas reservas, mas com os longos períodos de fabrico correm o risco de as suas próprias reservas se esgotarem, se necessário, num conflito que envolva diretamente as forças americanas, alerta o CRS.

A guerra política e o futuro

Apesar de todas as possíveis desvantagens dos F-16, Hopkins afirmou que está a ser travada uma guerra política e que são necessárias vitórias nesse espaço de batalha.

Levar os F-16 para a Ucrânia demonstraria "uma poderosa colaboração política e diplomática entre vários países ocidentais (e especialmente da NATO)", disse.

Mas, para Layton, a Ucrânia também precisa de ter uma visão de longo prazo.

Kiev não vai conseguir arranjar substitutos para os seus atuais aviões da era soviética à medida que estes se desgastam ou se perdem em combate, observou.

"Com o tempo, não haverá uma força aérea ucraniana eficaz em combate. A Ucrânia precisa de novos aviões para as futuras tarefas de defesa aérea", argumentou.

A transição para uma frota de fabrico ocidental faz agora todo o sentido, disse.

Mas a guerra na Ucrânia não mostra sinais de acabar em breve e o atual piloto de F-16 não acredita que os aviões apressem o seu fim.

"Dar F-16 aos ucranianos será um impulso moral e acrescentará alguma capacidade de combate limitada, nada mais", considerou o piloto.

"Poderão fazer alguns ataques durante o próximo ano e obter algumas vitórias, mas nenhum avião mudará o curso da guerra."

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