Os Países Baixos dizem que "não há tabus" e abriram a possibilidade de enviar caças F-16, os aviões que podem ser utilizados para “caçar” outros aviões, como também para destruir alvos terrestres
Primeiro foram as armas antitanque, seguiu-se a artilharia e os lançadores de foguetes de longo alcance e depois vieram os tanques. Agora, Kiev já vive de olhos postos na mais urgente necessidade militar: o envio de aviões de combate que lhe permita ganhar, de uma vez por todas, controlo sobre os seus céus.
“É o próximo passo. A partir do momento em que a Ucrânia receber estes aviões, terá aviões em tudo semelhantes, ou até mesmo superiores, aos SU-35 da Federação Russa. Isto pode permitir à Ucrânia garantir superioridade aérea”, antecipou o major-general Isidro de Morais Pereira.
Os Países Baixos abriram a possibilidade de enviar caças F-16 para a Ucrânia e vários países já enviaram helicópteros, inclusive Portugal, que enviou seis Kamov de combate a incêndios. “A guerra está a passar por diferentes fases que pedem equipamentos diferentes e material diferente”, sublinhou o ministro dos Negócios Estrangeiros neerlandês, Wopke Hoekstra.
“A Holanda têm-nos surpreendido de forma muito positiva no apoio à Ucrânia. Primeiro enviou uma bateria antiaérea Patriot e agora foi o primeiro a dizer que está à disposição para enviar caças F-16. Estão claramente a dizer que não há tabus”, sublinhou Isidro de Morais Pereira.
Estes aviões são consideravelmente superiores tecnologicamente em comparação com as aeronaves de fabrico soviético que a Ucrânia e a Rússia operam. Os F-16 Fighting Falcon, de fabrico norte-americano, são leves e muito ágeis.
Um F-16 é melhor que um MiG-29
Inicialmente criados para dominar os céus no combate com outros aviões, acabou por ser atualizado, garantindo a capacidade de ser utilizado em apoio à infantaria e a destruir alvos terrestre. Tanto pode ser usado para “caçar” e combater outros aviões, como também pode ser utilizado para destruir alvos terrestres e apoiar ofensivas da infantaria e dos carros de combate.
“Há possibilidade de receberem, mas não creio que faça grande diferença. Um F-16 é um avião substancialmente melhor do que os MiG-29 soviéticos, mas seria preciso uma grande quantidade para fazer a diferença. Enviar aviões para a Ucrânia é uma fantasia”, considerou o major-general Agostinho Costa.
O facto de a Rússia ter um dos mais potentes sistemas antiaéreos do mundo também pode pesar na hora de equacionar o envio deste armamento para a Ucrânia. Tanto os S-400 como os S-500 fazem com que a Ucrânia ainda tenha de operar com muita cautela no seu próprio espaço aéreo.
No entanto, Agostinho Costa não considera que o envio de caças seja o “ultrapassar de uma linha vermelha”, uma vez que todas as que tinham sido anunciadas anteriormente pelo Kremlin foram ultrapassadas. “Já não digo que existam linhas vermelhas. Estamos a entrar num patamar que me parece que não existem limites. O próximo limite é ter lá forças militares da NATO a combater”, frisou.
Ramstein 'discutiu' envio de aviões
A CNN Portugal confirmou que na reunião de Ramstein a possibilidade de envio destes aviões foi colocada em cima da mesa pelos Estados Unidos. “Os Estados Unidos já disseram que não se oporão aos países que quiserem oferecer caças F-16 à Ucrânia. E este foi um dos temas da reunião de Ramstein: a entrega de aviões de quarta geração”, revelou Isidro de Morais Pereira.
Um dos fatores que joga a favor do F-16 como o principal caça a ser utilizado na Ucrânia é o número de aeronaves disponíveis na Europa, que ronda as mil. Nove países, incluindo Portugal.
Os F-16 portugueses, 23 no total, foram adquiridos em várias etapas ao longo dos anos, com o primeiro lote a ser entregue em 2004.
Bélgica, Dinamarca, Grécia, Países Baixos, Noruega, Espanha, Turquia e Polónia são alguns dos principais operadores europeus. Mas o envio de armamento aéreo para a Ucrânia não se deve ficar pelo modelo F-16. Outros países, como a Suécia ou a França, têm outros modelos produzidos internamente como o Gripen ou o Rafale.
O outro favorito: o A-10, "um canhão com asas"
Existem mais aviões capazes de desempenhar a função desejada em cenário de guerra. Entre eles existe um claro favorito: o A-10 Thunderbolt, um temível avião conhecido por ter um canhão “assustador” com um som muito característico, criado para destruir carros de combate soviéticos. Porém, o desempenho destes aviões no combate contra outros aviões torna os F-16 no candidato favorito das chefias militares ucranianas.
“Faz menos sentido enviar o A-10 que os carros de combate. Se entregarem carros de combate em quantidade é possível fazer diferença. É um avião muito lento. É um canhão com asas. E é muito vulnerável”, detalhou Agostinho Costa.
Mas há ainda uma questão que tem estado presente em todas as entregas de armamento à Ucrânia: a formação. Sempre que um país aliado envia um determinado mecanismo, soldados ucranianos têm de ser previamente treinados, o que aumenta consideravelmente o tempo necessário para colocar o material no terreno. Porém, este é um problema que não se coloca com os caças de quarta-geração.
“A Ucrânia comporta-se como uma criança que quer brinquedos de última gama. Para termos dois aviões a voar precisamos de ter, pelo menos, o dobro, porque uns estão a fazer manutenção”, explicou o major-general Agostinho Costa, apontando que “a cadeia de manutenção e de logística é muito complexa". "É preciso formar tripulações, mecânicos. É preciso montar o sistema inteiro para isso.”
Mas o Ocidente parece já ter acautelado parte desse problema e já começou a treinar militares ucranianos para dominarem estes sistemas, numa base do Texas, no Estados Unidos. “É um problema já resolvido. Em agosto, mais de 100 pilotos foram para uma base no Texas e completaram a sua formação em aviões de quarta e quinta geração”, observou Isidro de Morais Pereira.
Os especialistas sublinham, no entanto, que o envio destas armas irá ao encontro da narrativa russa de que esta é uma guerra contra a NATO, encabeçada pelos Estados Unidos. É essa ideia que os meios de comunicação do país invasor estão a veicular à população após o anúncio do envio dos Leopard 2 para a Ucrânia.
“A narrativa é cada vez mais a de uma confrontação direta com a NATO. No quadro doméstico, os meios de comunicação estão a querer fazer passar a mensagem de que os tanques alemães estão a entrar em território russo”, indicou Sónia Sénica.