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Diretor executivo CNN Portugal

Ronaldo, Pepe e Diogo, uma fulminação valente e mortal

2 jul, 14:07
Cristiano Ronaldo no jogo contra a Eslovénia Selecção Nacional 1 julho 2024 Foto Ralf Ibing - firo sportphoto/Getty Images

Um jogo da Seleção Nacional nunca consegue ser apenas um jogo, é sempre uma quimera, uma tragédia grega sobre a fatalidade dos homens e o trovejar dos deuses, cada relato é uma gesta heroica a que nem assistimos, antes participamos, numa exaltação excruciante como se ali jogássemos a significação de um destino coletivo. Os oitavos foram já a nossa primeira final deste Europeu, pusemos o sistema nervoso em cima do sistema tático num jogo emocional desde o princípio e emocionante no fim.

Emocional no primeiro choro de Ronaldo – e tudo nesta Seleção é sobre Ronaldo, mesmo aqueles que dizem que não pode ser tudo sobre Ronaldo estão a falar de Ronaldo, mesmo aqueles que criticam quem só fala de Ronaldo estão a falar de Ronaldo, mesmo aqueles que dizem que é preciso substitui-lo, tirá-lo, jubilá-lo, libertar a Seleção de Ronaldo estão a falar de Ronaldo -, mas dizia eu que o jogo foi emocional ainda as equipas não tinham entrado em campo, Ronaldo de olhos fechados no túnel, Ronaldo de olhos marejados a chorar para dentro no hino, Ronaldo de olhos no céu com cara de porque-me-abandonaste em cada falhanço, Ronaldo de olhos desmoronados em lágrimas no fim do tempo, Ronaldo signo aquário de olhos finalmente secos depois de Diogo signo virgem defender um!, dois!!, três!!!, os braços deste louva-a-deus do século passado lacraram a baliza invicta, o último choro foi dele, um choro de pé, entre os abraços dos jogadores e a salva de palmas do país inteiro. A Eslovénia barrara 120 minutos à espera de Jan Oblak mas obladi, oblada, foi Diogo quem “três vezes do leme as mãos ergueu” e ali foi mais do que ele, foi todo um povo oscilante entre o cataclismo e a catarse coletiva.

Quando se diz “sangue, suor e lágrimas” repete-se a fórmula melódica perene de uma frase a que na verdade assim se está a suprimir um quarto elemento, o que Churchill disse foi “sangue, exaustão, lágrimas e suor” e mesmo “exaustão” é uma tradução pobre para “toil”, que significa trabalho muito duro, esgotante, sofrente. É uma maneira de dizer que tudo isto dá muito trabalho, não basta talento, jogadores como Nuno Mendes e Vitinha puxaram para cima uma equipa onde Bruno Fernandes, Bernardo Silva ou Rúben Dias têm estado abaixo de si mesmos. Neste jogo tivemos muito suor, muita exaustão e muitas lágrimas, incluindo as lágrimas que Pepe segurou dentro de si quando caiu de joelhos na área na maior das duas falhas graves, as únicas deste jogo, as únicas em quatro jogos, de um jogador brasileiro que está tão português que também já padece desse modo de vida entre o glorioso e o fatídico. Pepe é valente e é mortal. Como o é Ronaldo, mesmo que lhe custe aceitar a mortalidade.

Cristiano Ronaldo depois deste jogo perdulário está como Joe Biden depois do debate calamitoso com Donald Trump: ambos tiveram um ataque de mortalidade, ambos deixaram-nos entre a paixão e a compaixão, entre o fantástico e o miasmático. E ambos sairão de cena apenas se eles próprios quiserem e quando quiserem, neste seu último ato de busca pela coroação final. Sim, tudo é sobre Ronaldo, dentro e fora de campo, numa Federação que ainda vive também dele e numa Seleção que ainda vive também para ele. Todos, incluindo nós, queremos que ele marque golo, que ele dê o mais alto salto, que ele chore finalmente de alegria.  

Neste Euro, há sangue, exaustão, lágrimas e suor, mas falta robustez, poder de lança, de ameaça. Na verdade, temos tido a sorte perto e os maiores adversários longe. Até aqui, Diogo Costa é o herói, Pepe é o valente e Ronaldo o personagem trágico. Na próxima final, contra a França, o melhor jogador de sempre desafiará de novo o destino. E nós aqui estaremos, neste transe fora da vida, neste delírio contrário à razão, nesta ânsia de momentânea fulminação.

 

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