Das migrações à guerra na Ucrânia. Uma Espanha polarizada vai a votos e isso pode ter impacto fora de portas

19 jul 2023, 18:00

As eleições de domingo em Espanha podem ditar uma mudança no panorama político do país vizinho. O PP está mais bem posicionado nas sondagens, mas não deverá conseguir governar sozinho e pode socorrer-se do VOX para formar Governo. Uma mudança que pode ter ecos em Portugal

Espanha vai a votos este domingo, depois de Pedro Sanchéz ter convocado eleições gerais antecipadas, na sequência da derrota do PSOE nas eleições locais de maio. O PSOE governava 10 das 12 regiões autónomas, mas perdeu seis delas nas eleições de 28 de maio. No dia seguinte, no rescaldo da derrota, o primeiro-ministro espanhol antecipou a disputa eleitoral prevista para o final deste ano.

A campanha eleitoral tem mostrado uma Espanha polarizada, com o VOX a capitalizar a crise e o descontentamento dos espanhóis. “A macroeconomia funciona, mas a microeconomia não. Aquilo que mexe com a vida das pessoas, com o bolso das pessoas, não funciona e o VOX está a usar isso como arma eleitoralista”, analisa Emílio Rubio, presidente do Instituto Espanhol do Porto.

O contexto político

As sondagens dão a vitória ao Partido Popular, liderado por Alberto Núñez Feijóo, mas sem maioria absoluta. A chave para formar Governo pode estar numa coligação pós-eleitoral com o partido de extrema-direita VOX, de Santiago Abascal, como já aconteceu em três governos regionais.

De acordo com as sondagens, o PSOE, de Pedro Sanchez, será o segundo mais votado. A chave para a governação pode estar numa coligação entre o PSOE e a plataforma Sumar, liderada por Yolanda Diaz, atual ministra do Trabalho.

“Todas as sondagens dão a vitória ao PP. E as sondagens valem o que valem. Nas autárquicas e regionais, uma certa burguesia de esquerda ficou em casa e é provável que nestas eleições se mobilize e possa alterar o panorama”, analisa Emílio Rúbio.

“Nenhum dos dois partidos chegará a uma maioria absoluta”, prevê o diretor do Instituto Espanhol do Porto, acrescentando que “o PSOE ainda pode coligar-se com os regionalistas, mas o PP tem como única alternativa o VOX, que já se coligaram, por exemplo, em Múrcia e Aragão”.

Se não houver acordo entre PP e VOX ou PSOE e Sumar, podem entrar na equação partidos mais pequenos, incluindo os independentistas da Catalunha ou do País Basco, que, com a abstenção no parlamento, viabilizaram a tomada de posse da atual coligação de esquerda e extrema-esquerda.

O que esperar de Espanha a partir de domingo

Com o quase desaparecimento do Cidadãos, que nem apresentou listas a estas eleições, e do Podemos, absorvido pelo Movimento Sumar, Espanha vive umas eleições muito polarizadas. Um país dividido entre direita e esquerda, cujos fantasmas do passado podem ser acordados.

Emílio Rubio lembra que a Guerra Civil terminou há pouco mais de 80 anos. “Parece muito tempo, mas não é. Há demasiados temas que ficaram por resolver. Se se afirmar a direita e se se normalizar a extrema-direita, esta polarização pode dar origem a uma maior intolerância na sociedade. Está em jogo um modo de vida, se se normalizar a extrema-direita”, considera.

Helena Ferro Gouveia antevê um período mais autocentrado, num país com “uma série de problemas autonómicos e de questões internas não resolvidas”. “Espanha é uma casa muito complicada, um país grande, com muitas regiões autónomas. Acredito que vai ser um momento em que o país vai estar mais virado para dentro e para as suas questões internas”, prevê a comentadora da CNN Portugal.

“Espanha, a partir de segunda-feira, vai depender muito se temos um resultado eleitoral claro ou se temos um resultado eleitoral que dependa de muitas negociações. Responder à questão de como será Espanha a partir de segunda-feira é quase como jogar no Euromilhões”, considera a especialista em Relações Internacionais.

O impacto das eleições espanholas deste lado da fronteira

Helena Ferro Gouveia não antevê que uma eventual mudança do panorama político em Espanha tenha implicações de monta em Portugal. A comentadora lembra que “atos eleitorais em países vizinhos são sempre atos eleitorais autónomos”. “Não vejo que um fim de ciclo e um regresso da direita ao poder possa ter grande influência na política interna portuguesa. Pode eventualmente revigorar a direita portuguesa, mas aquilo que levou à crise política em Espanha é diferente”, considera a especialista.

“O fenómeno das direitas políticas mais radicais está em crescimento. Veja-se o caso italiano, o caso húngaro, ou próprio partido no poder na Polónia, que não sendo extrema-direita, tem também um discurso mais radical. Em Portugal, uma coligação entre PSD e Chega é possível. Os próprios sociais-democratas não o rejeitaram taxativamente, mas não creio que uma eventual mudança de ciclo político em Espanha tenha influência a este nível”, analisa.

Do mesmo modo, Helena Ferro Gouveia não prevê grandes alterações nas relações políticas e económicas entre os dois países vizinhos: “Nunca foi um impedimento para negociações. Uma questão é a política doméstica. Outra questão é a política externa e a política europeia. É uma questão de pragmatismo e vigorará aquilo que é melhor para cada um dos países.”

Já Emílio Rubio admite que possa haver alguma alteração nas relações entre os dois países. “Aqui há um Governo socialista e, se continuasse um Governo socialista, seria mais fácil…”, explica.

O impacto na política europeia

O presidente do Instituto Espanhol do Porto lembra a natureza diferente dos dois povos, que poderá também influenciar o impacto dos resultados eleitorais de domingo na política europeia: “Os espanhóis têm uma diferença em relação aos portugueses. Os portugueses dão um jeito. Os espanhóis são mais de atirar o muro abaixo às cabeçadas”.

Assim, Rubio teme uma radicalização de posições em temas como as migrações. Até porque, nessa matéria, a Europa tem atuado de forma algo “hipócrita”, deixando à sua sorte países que são portas de entrada de migrantes e refugiados na Europa, entre eles Espanha. E a isso não é alheio o crescimento da direita e da extrema-direita também no país vizinho.

Helena Ferro Gouveia teme também “um endurecimento em relação à política das migrações” no caso da direita vencer as eleições em Espanha e, sobretudo, da extrema-direita ascender ao poder. “A questão dos refugiados na Europa tem muitos impactos. Mexe muito com as pessoas e pode levar a uma perda de coesão social”, antevê.

A guerra na Ucrânia

A guerra na Ucrânia é um tema onde não se esperam grandes alterações, mesmo com a possibilidade de o VOX ser chamado a formar Governo em coligação com o PP, apesar da proximidade do partido de Santiago Abascal a Putin. “A União Europeia tem-se mostrado consistente e coesa no apoio à Ucrânia e a Espanha não destoa. Não creio que uma mudança de ciclo político em Espanha venha alterar este panorama”, resume Helena Ferro Gouveia.

Emílio Rubio considera mesmo que “talvez seja o único ponto onde PP e PSOE estão relativamente próximos”, não antevendo “grande diferença” da posição de Espanha face ao apoio à Ucrânia.

 

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