Empresa de chips cerebrais de Elon Musk sob investigação por violação do bem-estar animal

7 dez 2022, 12:17
Elon Musk é pai novamente (John Raoux/ AP)

Experiências aceleradas pela pressão de Musk estarão a causar sofrimento e morte de animais desnecessárias

A empresa de Elon Musk que fabrica chips para serem implantados no cérebro - a Neuralink - está sob investigação federal nos Estados Unidos por suposta violação do bem-estar animal, avança a Reuters. De acordo com a agência, que teve acesso a documentos e a fontes próximas do processo, na base da investigação estarão queixas internas de funcionários de que estão a ser acelerados os testes nos animais, o que causa sofrimento e morte desnecessárias. 

Segundo as mesmas fontes, a investigação foi aberta nos últimos meses pelo inspetor-geral do departamento de agricultura dos EUA a pedido de um fiscal federal e centra-se nas violações da Lei do Bem-Estar Animal que controla como os investigadores tratam e examinam alguns animais.

Esta não é a primeira vez que a suspeita é levantada. Em fevereiro deste ano, a Neuralink reconheceu que morreram macacos como parte dos seus testes, mas nega alegações de crueldade animal.

A Reuters teve acesso a dezenas de documentos e entrevistas da Neuralink com mais de 20 empregados atuais ou que já saíram da empresa e que revelam queixas sobre a pressão que Musk exerce para que se acelere o desenvolvimento dos chips e que tem resultado em experiências falhadas, sofrimento nos animais e morte dos mesmos. 

Entre os documentos constam mensagens, gravações de áudios, emails, relatórios e até apresentações. Contactados pela Reuters, nem Elon Musk nem outros executivos da empresa quiseram comentar. 

Apesar de não conseguir determinar o alcance total da investigação, a Reuters avança que, no total, a companhia de Musk já sacrificou cerca de 1.500 animais, incluindo mais de 280 ovelhas, porcos e macacos, desde que começou com os testes em 2018. Nesta contabilização não estão incluídos os ratos sacrificados nas provas. 

No entanto, o número total de animais mortos não revela necessariamente que a Neuralink esteja a infringir as normas ou as práticas da investigação, uma vez que nas experiências os animais acabam por ser abatidos para que possam ser examinados post-mortem. Mas, de acordo com os documentos, no caso da Neuralink, a quantidade de mortes de animais é mais alta do que o necessário por causa das exigências de Musk para acelerar a investigação.

Através da investigação, a Reuters identificou quatro experiências, nos últimos anos, com 86 porcos e dois macacos que acabaram feridos por erros humanos, erros esses que diminuíram o valor da experiência e fizeram com que as provas tivessem de ser repetidas. A repetição dos testes acabaria por levar à morte dos animais.

Numa carta de um empregado, a que a agência de notícias teve acesso, lê-se que a companhia precisa de rever a forma como organiza as cirurgias para evitar estes desfechos, dizendo ainda que a morte dos animais aconteceu porque os trabalhadores estavam demasiado stressados, sem preparação suficiente para cumprir os prazos e efetuar mudanças de última hora, o que aumentava os riscos para os animais.

Acelerar experiências leva ao falhanço

Segundo os funcionários citados pela Reuters, Elon Musk tem tentado acelerar o desenvolvimento da Neuralink, algo que está extremamente dependente dos testes em animais. No início deste ano, o diretor executivo enviou aos funcionários uma notícia sobre uma equipa de investigadores suíços que desenvolveram um implante eléctrico que ajudou um homem paralisado a voltar a andar.

“Nós podemos ajudar as pessoas a usar as mãos e a voltar a andar no dia a dia!”, escreveu Elon Musk aos funcionários às 6:37, no dia 8 de gevereiro deste ano. Dez minutos depois, nova mensagem: “Em termos gerais, não estamos a avançar de forma suficientemente rápida. Está a deixar-me louco!”

A falta de paciência e a pressão de Musk levou a que vários funcionários que trabalharam nos testes em animais da Neuralink expusessem as suas preocupações dentro da empresa, defendendo uma abordagem mais tradicional nos testes, na qual os investigadores devem testar um aspecto de cada vez num estudo em animais e tirar conclusões antes de avançar para novos testes.

No entanto, a Neuralink lança novas experiências sucessivamente antes de resolver os problemas nos testes anteriores ou de reflectir sobre todas as conclusões das experiências anteriores, o que leva a que haja mais animais a serem testados e mortos por causa da abordagem que promove cada vez mais testes.

Lançada em 2016, a Neuralink já falhou várias vezes os prazos para ter ensaios clínicos em humanos aprovados, de acordo com os documentos da empresa e as entrevistas realizadas e Musk tem visto alguns rivais a terem sucesso, como é o caso da Synchron.

Também lançada em 2016, a Synchron está a desenvolver um implante diferente, que permitiu que pessoas paralisadas escrevessem apenas através do pensamento. O implante recebeu a aprovação da FDA, o regulador norte-americano, para ensaios clínicos em humanos em 2021 e Elon Musk sondou a Synchron acerca de um potencial investimento.

De acordo com estudos do implante Synchron a que a Reuters teve acesso, esta empresa também realizou experiências em animais, mas matou apenas cerca de 80 ovelhas, como parte da investigação. Contactada pela Reuters sobre a invesgação à Neuralink, a Synchron recusou tecer comentários.

Apesar de todas as críticas, alguns funcionários afirmam que a Neuralink trata bem os animais em comparação com outros laboratórios de investigação, naquilo que é uma réplica das declarações públicas de Elon Musk e de outros responsáveis. Os dirigentes da empresa gabam-se internamente de construir uma “Disneylândia dos Macacos” nas instalações da empresa, em Austin, no Texas, onde os animais podem passear, refere um antigo funcionário.

No entanto, os empregados da Neuralink referem que os animais tiveram pouca sorte quando foram utilizados na investigação da empresa.

Chip cerebral nos próximos seis meses

A 1 de dezembro, Elon Musk anunciou que espera começar a testar o chip cerebral da Neuralink em humanos já nos próximos seis meses e, durante uma apresentação da empresa, admitiu ainda que planeia implantar um destes dispositos em si próprio. Porém, admite que a empresa tem de ser particularmente cuidadosa antes de começar os testes em humanos.

“Queremos ser extremamente cuidadosos e ter certeza de que funcionará bem antes de colocar um dispositivo num ser humano”, afirmou Musk, segundo a Reuters.

As promessas feitas em relação aos potenciais efeitos do chip são ambiciosas. A empresa afirma que o chip poderá ajudar pacientes incapacitados a voltar a mexer partes do seu corpo, a voltar a falar e, segundo o próprio empresário, voltar a reconquistar a visão.

"Mesmo que alguém nunca tenha tido visão, nunca, como se tivesse nascido cego, acreditamos que ainda podemos restaurar a visão", disse.

Com sede em São Francisco e em Austin, a Neuralink tem realizado testes em animais nos últimos anos, procurando a aprovação da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para iniciar ensaios clínicos em pessoas.

Mesmo após garantir a aprovação do regulador para iniciar os testes em humanos, Elon Musk acredita que todo o processo será “agonizantemente lento”, ainda que espere que os progressos nos desenvolvimentos do chip aconteçam “de forma exponencial”.

O objetivo do chip é permitir ao utilizador controlar dispositivos eletrónicos complexos. Outra das funções deste mecanismo, adianta o CEO da Telsa e da Space X, é “fundir” o cérebro humano com a inteligência artificial.

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