As ruas quase vazias do centro de Beja encheram-se por momentos com as bandeiras do Chega. Uns adoram André Ventura, outros não podem nem vê-lo: "Para mim são todos bons e nenhum presta, só querem é poleiro"
Quando se senta na cadeira da barbearia Cabanita, Francisco nem tem de dizer nada. "Já venho aqui cortar o cabelo desde os 15 anos", diz o aposentado da GNR, que tem já 66 anos, enquanto José Garcia lhe coloca o penteador sobre os ombros e avança com a máquina sobre cabelo branco de Francisco. A barbearia Cabanita é uma instituição de Beja, aberta desde 1967 numa das ruas centrais da cidade. E José, que ocupa aquela cadeira há 47 anos, é bem capaz de ser o barbeiro mais antigo da cidade. Da decoração do estabelecimento fazem parte camisolas do Sporting, do Benfica e do Porto e galhardetes de inúmeros clubes, mais e menos conhecidos. "Aqui entra toda a gente, de todos os clubes, de todos os partidos, de todas as cores", garante José Garcia.
André Ventura não entrou, mas passou à porta e deu um aperto-de-mão a Francisco que, nessa altura, estava ainda à espera da sua vez. "Eles são todos simpáticos mas querem todos tacho", comenta o reformado que não esteve no almoço-comício, esta quarta-feira, onde André Ventura afirmou: "Nós somos extremistas. Somos extremistas contra a corrupção, somos extremistas contra os tachos". No mesmo discurso, o líder do Chega também disse que "a terra comunista tornou-se terra do Chega e isso é motivo de orgulho. Secámos o PCP e acabámos de vez com qualquer aspiração do Bloco de Esquerda. Vamos vencer o distrito e ser o partido mais votado no distrito de Beja". Francisco admite que sim, que o Chega terá mais votos, mas não terá o seu, deixa claro. "Voto sempre do mesmo lado." Já votou na UDP, no MRPP e na CDU, este ano talvez coloque a cruz no PS. Mais por uma questão de ideologia do que por simpatizar com o candidato: "Para mim são todos bons e nenhum presta, só querem é poleiro", repete.
"Nascido e criado em Beja", o reformado não esconde a sua tristeza com o estado da cidade: "Isto não é nada. Já foi Beja mas agora não é nada. Ninguém olha para o nosso Alentejo." Refere-se à falta de emprego, que leva a juventude a "abalar para outros lados". Mas também à enorme quantidade de imigrantes que, nos últimos anos, têm aumentado na região. Refere-se à insegurança, fala em "assaltos e roubos" - "tem havido e não são poucos", sublinha. Refere-se às lojas que fecham, às ruas desertas. "A partir das 19:00, não se vê ninguém."
Percorrendo a rua central de Beja, toda a gente diz o mesmo: "Está péssimo em todos os aspetos", declara Clementina, a dona do cabelereiro Tina, que veio à porta ver a comitiva do Chega e dar um beijinho ao Ventura, "mas só porque ele é giro", ressalva. " Está péssimo para a saúde, péssimo para a segurança, péssimo para o comércio", explicita. "O comércio está morto. Há mais lojas fechadas do que abertas. Não se vê ninguém e isto é o centro da cidade. Isto às vezes é um silêncio que parece um monte, já nem parece uma aldeia porque há aldeias com mais movimento."
A seu lado, a enfermeira Mariana, já de cabelo arranjado, concorda com tudo e sublinha que faltam empregos e opções para os mais novos: "Se eu tivesse menos 20 anos também me ia embora, o que é que há aqui para os jovens?", pergunta. E sobre a alegada insegurança: "Já moro nesta cidade há muito tempo e nunca tinha visto nada assim. Quando começa a anoitecer uma pessoa fica com medo de andar na rua. Eu ando sempre a olhar para trás. Não bastava os ciganos, agora temos os imigrantes", comenta. Mas não fica claro se, apesar de ser um tema recorrente, a insegurança é real ou apenas uma "sensação".
Ainda não é de noite, não há por isso motivo para inseguranças, mas confirma-se que, à exceção do grupo de militantes do Chega que por ali passou, durante pouco mais de meia hora desde o tribunal ao jardim do Bacalhau, agitando as bandeiras brancas do partido e as bandeiras vermelhas e verdes de Portugal, são poucas as pessoas na rua pedonal que outrora foi uma das mais movimentadas da cidade. "Vinha gente de fora, das aldeias todas, para virem aqui às compras, havia aqui de tudo", confirmam Celeste e Josefa, irmãs de 79 e 83 anos respetivamente, que acabam de sair do centro de imagiologia Covas Lima. "Agora, mesmo que venham, as pessoas preferem ir aos hipermercados e aos centros comerciais, já não vem ao centro." "Isto é uma miséria, não se vê gente. Já viu como a loja está às moscas? Já não era bom mas piorou muito depois do covid. Está tudo morto", sentencia também Olga Zambujo, de 48 anos, empregada na loja de pronto-a-vestir mesmo ao lado do icónico café Luiz da Rocha.
Na pastelaria, que se orgulha de ter "130 anos de tradição", não se queixam de falta de clientes. As mesas estão cheias de novos e velhos, quando André Ventura entra por ali com um grupo de militantes causando um burburinho. "Boa sorte, doutor, acabe com eles", lança um cliente, furando a segurança para dar um abraço ao candidato. "André, tira uma foto comigo?", pergunta um jovem mais destemido. André Ventura não se faz rogado e tira "selfies" com todos os que lhe pedem. Ao balcão, enquanto responde às perguntas dos jornalistas, num momento mais descontraído, bebe um cálice de ginginha e recebe um porquinho doce, a especialidade da casa, uma bomba calórica (mas deliciosa) de amêndoa, gila e ovos.
O homem que desejou boa sorte ao doutor foi José Francisco Baía, antigo polícia: "Adoro-o. Temos de votar em quem possa mudar as coisas", diz. E o jovem que pediu uma "selfie" foi David, estudante de engenharia informática, que já deu antecipadamente, no passado domingo, o seu voto ao Chega: "Acredito que a mudança do país vai passar pela direita, e dentro da direita, já estive indeciso, mas depois de ver os debates e de o ouvir falar, acho que o melhor é o André", explica. David defende uma maior penalização para os criminosos: "Temos de ter a mão mais pesada. É como ele diz, há por aí muita bandidagem que sabe que pode cometer crimes e que não lhe vai acontecer nada."
A caravana passa gritando "Ventura vai em frente, tens aqui a tua gente" ou "Pouco importa que eles falem mal, queremos o André Ventura a mandar em Portugal." Fernando e Rosa afastam-se. "Viemos só beber um café e comprar bolos, não temos nada a ver com isto", explicam. Admitem que "a população de Beja mudou muito nos últimos anos", "mas isso é bom sinal", diz Rosa: "É uma cidade com pouca população, os jovens não querem ficar aqui, e precisamos destas pessoas para trabalhar nos campos e noutros sítios. São eles que colmatam a falta de mão de obra que temos. Deveríamos preocupar-nos mais com a sua integração e em melhorar as suas condições, no emprego e na habitação", explica a antiga jurista. Fernando, reformado da indústria, também critica a "exploração" que os trabalhadores sofrem à mão de "alegados empresários agrícolas": "Esses nunca são responsabilizados, mas eles são responsáveis." Em vez de tanta preocupação com os imigrantes, os políticos deviam preocupar-se com a água, diz Fernando. "Isso é que é fundamental e não estou a ver ninguém preocupado nem a apresentar soluções. Quando falta a água, falta tudo."
"Os portugueses queixam-se de tudo, estão sempre mal", diz o barbeiro José Garcia enquanto saca da tesoura. "Se perguntar a alguém, nunca ninguém diz que está bem. É sempre vai-se andado." Talvez tenha alguma razão. De todas as pessoas com quem falámos, os únicos que se mostram contentes com a cidade e com o país foram estrangeiros. Como Donna e Ian Adamson, canadianos que estão pela quarta vez em Portugal e já reservaram uma quinta viagem para o próximo ano: "Vocês têm um país extraordinário, em Toronto o inverno é muito ríspido", explicam, depois de perguntarem a que se deve aquela enorme quantidade de câmaras de televisão nas ruas da pacata Beja. Ou como Márcia, brasileira de 20 anos, que veio de Santa Catarina para Portugal há apenas três meses: "No Brasil não está fácil. O Brasil estava dando um jeito, estava a melhorar a educação, a segurança, mas depois veio Lula outra vez e estragou tudo". Márcia, cozinheira, aproveitou o facto de ter um avô italiano que lhe facilitou o processo de cidadania na Europa, e mudou-se de armas e bagagens com o marido, construtor, e a filha, de 22 anos. Escolheram Beja porque tinham amigos ali que elogiaram a cidade e até agora só têm coisas boas a dizer: "A gente adapta-se a tudo. Receberam-nos muito bem." Márcia tem pena de ainda não poder votar, se não seguramente votaria no Chega: "Porque é de direita e porque tem o apoio de Bolsonaro. Só pode ser de confiança."