A Miriam não vai votar nem no Rui Rocha ("quem é ele?") nem em ninguém. "Mas eu devia votar, não é? No Brasil é obrigatório, deixamos de poder pedir o passaporte"

5 mar, 17:00
Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, anda de transportes públicos em Almada (Lusa/António Cotrim)

Rui Rocha apanhou o barco em Cacilhas para perceber o que custa morar na Margem na Sul de Lisboa: poucos lhe deram atenção, nem todos o reconheceram, mas são muitos os que concordam com o líder da Iniciativa Liberal sobre o estado dos transportes - nomeadamente sobre o mau estado do serviço (ainda que alguém tenha dito que gostava de ver Rui Rocha ali todos os dias e não apenas agora em campanha). Pelo meio houve outras reflexões democráticas - sobre a Iniciativa Liberal mas também sobre a democracia e a maneira como é exercida (ou não)

O barco está praticamente cheio. Já passa das 9:15, há pessoas de pé, outras sentadas nas escadas, quase todos os passageiros mexem nos telemóveis, alguns aproveitam para fechar os olhos. Não fossem os jornalistas, uma pequena multidão de fotógrafos, operadores de câmara e repórteres de microfone estendido e poucos passageiros reparariam em Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal (IL), que sobe as escadas para o andar superior seguido da sua comitiva - espreita pela janela para ver o rio, sorri para alguns dos passageiros. O barco balança. "Bom dia, como estás?", o candidato senta-se ao lado de um jovem e quer saber se ele está satisfeito com os transportes. 

"Quem é ele?", pergunta Miriam, colocando-se em bicos de pés para ver melhor o político. "Ah, já sei." Miriam, brasileira, oriunda de Salvador, mora há sete anos no Laranjeiro, na Margem Sul, e apanha todos os dias o barco em Cacilhas para ir para Lisboa, onde trabalha como "balconista" numa loja. "Não é mau, é até bem rápido. São sete minutos para chegar ao Cais do Sodré. Demoro mais tempo no autocarro até chegar aqui do que depois a atravessar o rio." Miriam já tem nacionalidade portuguesa e até podia votar mas não vai fazê-lo: "Deveria, não é?", diz, sorri, é sorriso envergonhado, para logo justificar: "Eu não percebo nada disso, não saberia em quem votar", acrescenta, explicando que no Brasil o voto é obrigatório: "Se não votarmos temos de dar uma justificação. Da primeira vez paga-se uma multa, mas não é muito alta, não. Mas se não votarmos mais vezes não podemos pedir o passaporte." 

Rui Rocha no barco de Cacilhas para o Cais do Sodré

As viagens de barco entre Cacilhas e o Cais do Sodré são geralmente silenciosas. Seja de manhã, muito cedo, quando uma multidão de trabalhadores atravessa o Tejo, seja à tarde, quando, como canta Sérgio Godinho, "cansados vão os corpos para casa". Carminda faz esta travessia todos os dias "há muitos anos". "Ninguém anda aqui por gosto. Isto está cada vez pior", queixa-se. "Parece que há cada vez menos barcos e alguns não estão nas melhores condições, não vê?", estica a mão, num movimento amplo, apontado à sua volta. Afastado da confusão, Carlos divide a sua atenção entre um livro e a vista da janela. Tem 21 anos e estuda na Faculdade de Letras. Apanha um autocarro, depois o barco e depois o metro e demora quase uma hora, todos os dias, para ir para a universidade. E outro tanto para voltar, claro. "Mas tudo é preferível a apanhar o autocarro da ponte, o trânsito é completamente imprevisível." A única coisa boa é que nas viagens aproveita sempre para ler. Agora, por exemplo, anda com o "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago, "estou a gostar muito".

Tal como Carminda e Carlos, a maioria dos passageiros ignora a presença de Rui Rocha no barco. O dirigente da Iniciativa Liberal tinha começado a manhã na estação ferroviária do Pragal, por onde ainda ontem andou Inês Sousa Real, do PAN, e onde logo pela manhã alguns militantes do Bloco de Esquerda distribuem jornais de campanha. A IL não tem jornais nem panfletos nem bandeiras. Rui Rocha aproxima-se das pessoas e cumprimenta-as mas não é claro que todas saibam exatamente com quem estão a falar. Às 8:35, antes de apanhar o metro de superfície, a comitiva pára na pastelaria "Estação dos Sabores". Rui Rocha bebe um café e come um pastel de nata ao balcão enquanto, à sua frente, a televisão passa imagens de outras campanhas, com Pedro Nuno Santos e André Ventura. 

Ao contrário dos barcos, o metro de superfície de Almada, inaugurado em 2007, é moderno e luminoso. As carruagens também vão cheias. Rui Rocha consegue um lugar ao lado de uma passageira. A uns metros de distância, um grupo de senhoras interroga-se a que se deve toda aquela agitação. "Da Iniciativa Liberal? Já sei quem é. Mas não voto em quem nos faz mal, em quem não pensa nos trabalhadores", declara Ana Cavaco, esteticista de 67 anos, que já podia estar reformada se a reforma não fosse "tão poucochinha". "Vêm ver como é que se anda de transportes?", pergunta ao seu lado outra senhora, num tom de crítica. "Se fizessem isto todos os dias é que era."

"Nesta região há um forte concidionamento da vida das pessoas devido à falta de transportes", diz o líder da IL, numa declaração aos jornalistas, entre a viagem de metro e a travessia de barco. Rui Rocha defende a extensão da linha do metro e a liberalização do serviço fluvial e critica as constantes supressões de transportes, sobretudo barcos, devido às greves e outros motivos. Para estas situações, o lema da IL é "deslocação garantida ou o dinheiro de volta". "Nós defendemos que se as pessoas pagam é para ter um serviço e, se não têm esse serviço, deviam ser recompensadas. O Tejo é uma barreira e nós queremos que seja uma autoestrada, que una as duas margens e não que as separe."

René aproxima-se do grupo e fica ali uns minutos a prestar atenção às palavras de Rui Rocha. René segura pela mão a filha, Mira. Depois afasta-se e vai à sua vida. "Sei quem ele é. Não vou votar nele mas gosto de saber o que todos dizem", explica com um sotaque brasileiro. Depois olha para o relógio: "Estou à espera do autocarro para levar a minha filha para a escola. Não quero dar razão ao que ele diz, mas a verdade é que o autocarro está atrasado".  

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