"Eles vêm e vão, mas a gente continua aqui e não muda nada": em Moscavide, Mariana Mortágua ouviu queixas de quem não consegue arrendar uma casa

29 fev, 18:58
Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, em campanha em Moscavide (Lusa/ Manuel de Almeida)

O preço das casas foi um dos temas da arruada do Bloco de Esquerda em Moscavide. “Está impossível. Por menos de mil euros não se arranja nada", garante uma moradora. Mas esta quinta-feira, mais do que política é de futebol que se fala na avenida

Apartamento T2 com 76 metros quadrados de área bruta, renovado e mobilado em Moscavide: 1.700 euros por mês. Outro, mais ou menos com o mesmo tamanho e também remodelado, mas sem mobília, custa “apenas” 1.000 euros - mas são exigidos dois meses de fiança. É o mais barato que se arranja nesta zona numa busca rápida pelos sites da Remax e da Idealista.  “Os preços variam muito, depende da localização, se o prédio é novo ou não, se tem elevador ou garagem, depende do estado do apartamento”, começa por explicar a simpática funcionária de uma imobiliária de Moscavide, que prefere manter o anonimato. Mas, de uma maneira geral, admite, será difícil arrendar um T2 em condições por menos de 900 euros por mês. “900, 1.000, 1.200, por aí.” “Moscavide já não é Lisboa, é Loures, e isso faz com seja logo mais barato. Mas os preços andam mais ou menos em linha com as outras zonas à volta de Lisboa”, garante. O que é o mesmo que dizer que são elevados para as bolsas da maioria dos portugueses.

Disso mesmo se queixaram os moradores quando, na quarta-feira à tarde, Mariana Mortágua apareceu em Moscavide, acompanhada por um grupo de militantes. A líder do Bloco de Esquerda, que tem feito da habitação um dos principais temas desta campanha eleitoral, concordou com as queixas. “Há pessoas que trabalham, ganham salário e não conseguem pagar uma renda em Lisboa. Essa é a maior indignidade deste país”, disse, no final da arruada, aos jornalistas.

“Está impossível. Por menos de mil euros não se arranja nada.” A sentença é dada já esta quinta-feira de manhã por Catarina Parreira, a fumar um cigarro sentada num canteiro de flores na avenida de Moscavide. “Quem já tem casa que aproveite, que para os jovens que estão a começar a vida isto está muito complicado.” Esta é a avenida principal de Moscavide. Comprida e com passeios largos, que facilitam a vida aos peões, e com muitas lojas, porta sim, porta sim. Supermercados, restaurantes, tabacarias, pastelarias, lojas de roupa, sapatarias, lojas de noivas, funerárias, churrasqueiras, lojas da sorte, de telemóveis, de brinquedos, de tudo e mais alguma. “A gente costuma dizer que se precisamos de alguma coisa aqui havemos de encontrar”, ri-se Catarina. 

“Isto é uma zona muito boa porque tem muitos transportes e está perto de tudo”, explica Teresa. “Então desde que temos o metro, não nos podemos queixar. Mas, claro, isso depois paga-se, não é?” Teresa não se queixa, mas admite que mora na casa que já era dos pais. “Foi uma sorte.” Cresceu em Moscavide, trabalha em Moscavide, numa agência de seguros, e os filhos sempre andaram ali nas escolas. “As escolas poderiam ser melhores, mas isso não é um problema só da nossa freguesia.” Os filhos agora já estão crescidos, “daqui a nada irão à sua vida”, e, para eles, a vida será mais difícil, “sem dúvida”. São quase 11.00, Teresa está na sua pausa para café, mas já tem de voltar ao trabalho. “Nunca vejo os políticos que aí passam, estou sempre no escritório, mas a gente já sabe o que eles dizem, também não vale a pena.”

A arruada do Bloco de Esquerda começou na cervejaria Ideal de Moscavide e percorreu toda a avenida, ao ritmo de bombos e tambores, até terminar no largo da Igreja de Santo António, uma igreja nova, construída em 1955, que exibe na fachada um painel de azulejos do artista Manuel Cargaleiro. À hora certa, os sinos tocam a Avé Maria. Ainda se veem faixas alusivas à Jornada Mundial da Juventude, anunciando que “Moscavide acolhe”, e logo ao lado os cartazes do Chega, que prometem acabar com a corrupção. Mas, na verdade, não há muitos cartazes políticos, e, ao longo da avenida, o partido mais presente acaba por ser o Volt.

Igreja de Moscavide

Sentada na esplanada do Café Viragem, Carla Tavares diz que não liga muito a política mas não tem dúvidas que "os do Bloco eram os mais animados, com muita gente nova e com tambores". Mas nem isso a motivou. Viu-os passar ao longe e não se aproximou. "Eles vêm e vão, mas a gente continua aqui e não muda nada", sentencia.

Perguntando a alguns dos muitos transeuntes, é difícil encontrar quem tenha visto a arruada. Horários trocados, certamente. Um grupo de reformados junta-se à porta da loja de têxteis de Horácio Loureiro em animada conversa. Falam de futebol, claro. “Quem vai ganhar?” O dérbi desta noite concentra as atenções, há benfiquistas e sportinguistas, e cada um torce para o seu lado. Mas quando o assunto é política faz-se silêncio. Só Noé de Almeida, o mais expansivo de todos, tem coisas para dizer: “Falei com a Mariana Mortágua, sim, senhor. Pedi-lhe para dar mais atenção à segurança, é o que nós precisamos. Há cada vez mais assaltos e à noite, a partir das 22:00, uma pessoa já pensa se deve andar na rua. De manhã, é só garrafas espalhadas pela rua e até montras partidas”, critica o especialista em tubagens e canalizações, de 66 anos. Mais contido, Horácio Loureiro vai concordando com a cabeça mas não tem, pessoalmente, nada de que se queixar. “Eles [os candidatos] passam sempre do outro lado da rua onde o passeio é mais largo. Quando aqui entram é para dar canetas, tenho canetas de todos. Mas os de ontem não tinham canetas, disseram que são um partido pequeno e não têm dinheiro para essas coisas.”

“Vêm todos aí”, confirma José Dias, o “senhor Dias”, como lhe chamam os fregueses da tradicional Casa das Solas de Moscavide. Alentejano de Mértola, militar de carreira, acabou por herdar o negócio dos sogros há 13 anos e tornar-se uma das figuras mais populares da avenida. Na sua drogaria há de tudo o que se possa imaginar. E além do que vende, ainda tem a mais valia de prestar pequenos serviços, como colocar molas em calças, arranjar fechos em blusões, aplicar ilhoses em cortinados. “Há pessoas que vêm de longe por causa disto, é muito difícil encontrar quem ainda faça estas coisas”, explica. Na sua loja já entraram candidatos de todos os partidos. Com todos o senhor Dias conversa e a todos deseja boa sorte. "Todos", sublinha. Tem as suas preferências, mas não as partilha. Se calhar, falamos antes de futebol. 

Relacionados

Decisão 24

Mais Decisão 24

Mais Lidas

Patrocinados