A caravana do PAN passou pela Quinta dos Ingleses, em Carcavelos, mas evitou o acampamento onde, sem qualquer infraestrutura, mora um grupo de pessoas, maioritariamente imigrantes. Inês Sousa Real está preocupada com o projeto urbanístico que vai destruir aquele pinhal
Da "casa" de Bruno e Rose vê-se o mar. A paisagem é fantástica. Todos os dias de manhã, tomam café sentados nas suas cadeiras de campismo a ouvir o som das ondas lá ao fundo e os passarinhos nas árvores. "É um privilégio", admitem. "Todos querem o nosso lugar, é o mais desejado", riem. Só é pena que a casa seja uma tenda e que não tenha luz nem água nem grandes comodidades. Bruno e Rose (nomes fictícios) são brasileiros, moram em Portugal há cerca de seis anos e há um ano e pouco que se mudaram para o acampamento improvisado na Quinta dos Ingleses, em Carcavelos.
Antes disso, tiveram uma casa, até que Bruno teve uma lesão na perna e teve de deixar o seu emprego numa empresa de materiais de construção. "Aí ficou muito difícil pagar a renda", conta. Passaram então a morar no carro, um dia aqui, outro ali. "Um dia ficámos a saber deste lugar, viemos experimentar e decidimos ficar." Como eles, várias outras pessoas sem casa estão ali instaladas em tendas e caravanas, aproveitando o abrigo das árvores. Começaram a chegar há cerca de dois anos. Primeiro poucos, depois mais. Muitos brasileiros, mas também pessoas de outras nacionalidades e alguns portugueses. Queixam-se dos preços "absurdos das casas" e da burocracia que dificulta a vida aos imigrantes. "Há muitas pessoas que têm os seus trabalhos e não conseguem alugar uma casa, devido à documentação que está atrasada ou devido aos preços exorbitantes, tem gente que até consegue arrumar o dinheiro para a renda mas é preciso ter um fiador que dê o nome", explica João (nome fictício), também brasileiro, de 37 anos, que está em Portugal há dois anos e meio e há aproximadamente um ano que mora numa tenda na Quinta dos Ingleses.
Morar numa tenda não é o ideal, mas é melhor do que a rua ou o carro. "No carro não temos posição para dormir, aqui ao menos temos um colchão", explica Bruno. "E no inverno também é mais quente", acrescenta Rose. Têm as suas coisas todas arrumadas num canto, não precisam andar de um lado para o outro. Têm um sítio para fazer churrasco, mesa e cadeiras, um estendal para secar a roupa. Um teto de pano para descansarem à noite. E até um coelho, o Tufão, que mora numa gaiola. "Não é vida como deve ser", avisa Rose. "Não era aqui que gostaríamos de estar, mas por enquanto é aqui que estamos."
Ao fim do dia, quando o sol desce sobre o mar, podem sentar-se a conversar com os amigos, desfrutando do seu pequeno "privilégio". Estavam assim esta tarde, pouco depois das 17:00, entre conversas e cigarros, mais ou menos à mesma hora a que Inês Sousa Real, líder do partido PAN - Pessoas, Animais e Natureza, terminava mais um evento de campanha eleitoral lá em baixo, no parque de estacionamento junto à praia. Bruno e Rose não sabem quem é Inês de Sousa Real. Ela também não foi ter com eles, evitou o acampamento e quando convidou os jornalistas para um pequeno percurso na quinta foi exatamente em direção contrária.
A Quinta dos Ingleses é um espaço florestal situado entre a praia de Carcavelos e a estação de comboios. Ali se produziu vinho no século XIX. Dali saíram os primeiros cabos telegráficos submarinos amarrados em Portugal, ligando, a partir de 1870, Inglaterra a Gibraltar e a Malta. Foi com a vinda dos funcionários britânicos da companhia de cabos submarinos que a área passou a ser conhecida como Quinta dos Ingleses. Ali os ingleses criaram um campo de terra batida para jogarem esse desporto ainda pouco conhecido, o futebol. Mais tarde, foi plantado um pinhal, no meio do qual foi foi construída a Saint Julian's School, uma escola internacional.
Neste momento, a Quinta dos Ingleses é um espaço privado para o qual foi aprovado um projeto de loteamento e construção de um condomínio de luxo com três hotéis e mais de 800 apartamentos, reduzindo a zona verde, provocando um grave desequilíbrio ambiental e diminuindo a qualidade de vida de todos os que moram na região, nas palavras de Pedro Jordão e Manuel Valadares Preto, os dois representantes da associação SOS Quinta dos Ingleses. Fim da área verde, construção de um grande volume junto ao mar (com efeitos nos percursos das águas subterrâneas e na dinâmica dos ventos), aumento do trânsito, aquecimento da zona interior de Carcavelos, aumento da especulação imobiliária - são muitos os efeitos nefastos identificados. "Em termos ambientais é uma catástrofe anunciada, em breve toda esta zona será um caos urbanístico", diz Pedro Jordão, que defende, em vez disso, a criação naquele local de um parque urbano, com mais zonas verdes e de lazer para a população. Foi esse o motivo que trouxe a comitiva do PAN à Quinta dos Ingleses.
"Sou contra a construção, claro", comenta Nuno Pinheiro, de 63 anos, que está por ali a passear a sua cadela, Cookie. "Eu e quase toda a gente que mora aqui. Este é o único espaço verde que temos em Carcavelos", explica. "É verdade que não está muito cuidado, parece um baldio e não tem iluminação. Mas eu venho todos os dias aqui passear os cães. Aliás, durante a pandemia este espaço tornou-se bastante popular. Como as pessoas não podiam andar na rua à vontade, vinham para aqui." Nuno já votou no PAN, mas agora vota noutro partido. "Mas concordo com eles em muitas coisas, na defesa na natureza e dos animais. É muito importante."
Apesar de o espaço não estar nas melhores condições, são várias as pessoas que, ao fim do dia, andam por ali a passear os cães ou a correr. Patrícia, de 27 anos, gosta daquele sítio porque pode soltar o seu cão e deixá-lo correr à vontade sabendo que não há carros. "E a luz a esta hora é fabulosa", diz, apontando para o mar lá ao fundo. Tal como Nuno, Patrícia não ouviu as palavras de Inês Sousa Real, mas concorda com a defesa do espaço verde: "Assinei a petição e tudo", revela. "Mas acho que não valeu de nada, pois não?" Talvez tenha valido. Legitimada pelo apoio popular, a SOS Quinta dos Ingleses interpôs ações judiciais e está disposta a avançar com providências cautelares: "Se as obras avançarem, não há outra forma de as parar".
E o que acontecerá às pessoas que moram nas tendas?, perguntou Inês Sousa Real. "É uma questão que nos incomoda muito", admitiu Pedro Jordão. "É verdadeiramente escandaloso que no século XXI haja pessoas a morar nestas condições e terá que se encontrar uma solução."
Bruno e Rose ficaram há pouco tempo a saber dos planos para a construção, mas para já não estão preocupados. Bruno arranjou um trabalho, na grelha de um restaurante em Carcavelos, e o casal tem esperança de no próximo inverno já não morar na tenda. "Logo veremos." Essa também não é uma questão que preocupe João, que trabalha habitualmente na construção mas que, neste momento, está desempregado. O mais importante é ter dinheiro para viver. "Se se vai ao mercado com dez euros, antigamente comprava-se muita coisa, agora não. Gastamos dinheiro em gás. Toda a vez que vou ao café para carregar o telefone tenho que consumir alguma coisa, se quero ir à casa de banho, na estação, de cada vez são 50 cêntimos", lamenta-se. "À noite, sem iluminação, sem gerador, só temos a luz do telemóvel. Faltando energia falta tudo, falta iluminação, comunicação, uma televisão, frigorífico, um conforto um pouquinho maior, não temos nada", queixa-se. Felizmente, contam com ajuda de algumas instituições que "apoiam na alimentação, na higiene, dando roupas mais quentes".
À hora a que ali estamos, a quinta está em silêncio e as tendas estão vazias. Só se ouvem as vozes dos miúdos que brincam no campo relvado do Saint Julian's, mesmo ali ao lado. "As pessoas estão nos trabalhos ou lá nas suas vidas." Mas assim que anoitece, o acampamento ganha vida. "Fazemos uma fogueira, para nos aquecermos e também para confraternizarmos. Ficamos a conversar", conta João. Algumas tendas estão organizadas em grupo, como pequenos condomínios, e as pessoas juntam-se no centro. "Aqui somos todos amigos, toda a gente se dá bem. Temos pessoas de todas as faixas etárias, menos crianças. Os motivos por que as pessoas estão aqui são inúmeros, mas aqui não existe uma classe social ou um porquê, só tem um para quê: que é para mudar de vida", garante.
Se a líder do PAN tivesse subido o morro, Rose e Bruno já sabiam o que lhe pediriam: "Se ela orientava a gente, se nos arranjava uma casa social, isso já seria bom". Esse será também o pedido do João se algum outro político por ali aparecer: "Se fosse dada uma oportunidade para ter uma casa para cada duas tendas, seria ótimo. Não é nem uma casa. É só ter um quarto para cada família e poder partilhar a cozinha e a casa de banho. É só isso que a gente quer. Uma cozinha e um banhozinho quente."