Livre e CDU foram ao Mercado de Benfica vender o seu peixe. Talvez Suliana lhes possa dar umas lições

2 mar, 16:37

"Nesta altura vêm cá todos, no resto do ano ninguém os vê" - por onde quer que passem os candidatos, os comentários são invariavelmente neste tom. Esta manhã, seguimos as caravanas do Livre e da CDU por entre as bancas de fruta e legumes

Suliana pega nos peixes com destreza. Robalos, douradas, atum, pregados. "O que vai ser hoje? Este aqui está fresquinho." Rapa as escamas, cortas os rabos, puxa as tripas com as mãos protegidas pelas luvas de plástico cor-de-rosa. A água escorre-lhe pelo avental azulão. Suliana não se importa, nem com a água fria que lhe molha as botas de borracha, nem com o cheiro forte do peixe. "Gosto muito de trabalhar com peixe", diz. Está nesta banca do Mercado de Benfica, com o marido, há 15 anos. "Foi ele que me ensinou tudo." Antes disso, trabalhou em restaurantes e, quando chegou a Portugal, vinda de Minas Gerais, no Brasil, chegou a trabalhar como "interna", tomando conta de uma senhora idosa. "Foi na altura em que se mudou do escudo para o euro, o ordenado eram 130 contos, para mim era uma fortuna. Ficava com um bocadinho e mandava tudo para a minha mãe."

Sualiana conhece toda a gente no mercado e tem clientes antigos a quem pergunta pelas dores e pela família. "Adoro conversar." Por isso, assim que viu o grupo de militantes do Livre, empunhando bandeiras verdes com uma papoila vermelha, não hesitou em chamar Rui Tavares. "Oh senhor, venha cá tirar uma fotografia!" Posou para os fotógrafos e para as câmaras de televisão, aceitou o panfleto e ouviu as palavras do representante do Livre, mas pouco depois já não se lembrava do nome dele. "Eu não ligo muito a política, sabe? Só conheceço aquela, a 'Catarina Mortágua', não é?" Não é, mas não faz mal. "Eles vêm aí todos, ontem estiveram os do PS, antes disso esteve uma senhora da direita. Eu falo com todos, claro. Temos que fazer publicidade ao nosso peixe. Para a semana, os clientes vão todos dizer-me que apareci na televisão."

Sábado, 9:00 da manhã, e já há filas em algumas das bancas do Mercado de Benfica, em Lisboa. Os clientes habituais têm sítios preferidos para comprar peixe, carne, legumes e até pão. "Vim de propósito à praça, de autocarro, desde o Califa, só para comprar este pão de Mafra", declara Augusto, reformado da função pública. Se Augusto só vem ao mercado ao sábado, José do Carmo, também reformado, vem todos os dias. Alentejano da Amareleja, vive há 45 anos na Venda Nova. Hoje veio comprar toucinho para juntar ao cozido e para fritar. Quando se cruza com Rui Tavares no mercado, abre os braços num gesto de satisfação: "O meu já está lá", diz-lhe, referindo-se ao voto que há de dar a 10 de março. E aproveita para se queixar da pensão de 300 euros. "Já votei noutros partidos, mas agora voto neste. Simpatizo muito com este candidato."

Mas nem todos os fregueses são assim tão recetivos. Alguns recusam receber os panfletos ou viram a cara. Outros aceitam os papéis, mas amarrotam-nos com as mãos sem sequer os ler. "Mais um para ir para o lixo", comenta uma vendedora, demasiado ocupada a pesar fruta para poder atenção aos políticos que ali passam. "Quem é este?", pergunta uma freguesa. "É da esquerda", responde alguém. Na fila do Talho 4, António Carrasco lê com atenção o folheto que Rui Tavares lhe entregou. "Eu já sei em que vou votar, mas gosto sempre de saber o que os outros dizem", justifica.

A comitiva do Livre já saiu do recinto, está agora dar uma volta na rua. Ainda há quem passeie por ali com os folhetos do Livre na mão, mas já uma nova comitiva no mercado: esta da CDU, sem Paulo Raimundo mas com um grupo de militantes agitando bandeiras de várias cores. Outros folhetos, outra mensagem. "Olha, outros", comenta Susana, enquanto pesa um quilo de tangerinas. "Nesta altura vêm cá todos, no resto do ano ninguém os vê." Despachada a atender os clientes, Susana é também despachada a dizer o que pensa aos candidatos que aparecem no mercado: "É tudo farinha do mesmo saco. Em vez se preocuparem com o povo só se querem encher a eles." Os militantes comunistas ainda tentam convencê-la que os políticos não são todos iguais e que há uns que se preocupam mais com os trabalhadores do que outros, mas a vendedora já tem a sua opinião formada.

Talvez porque não trazem consigo as câmaras da televisão, os militantes comunistas têm mais dificuldade em captar a atenção dos transeuntes. Também passam por Suliana, ela recebe o jornal mas não lhes dá conversa, está ocupada a atender clientes.

No exterior do mercado, mantém-se a confusão de pessoas a carregar sacos de compras e mal se consegue passar por entre as filas de barracas da feira. "É a um euro, um euro e cinco euros", grita uma das vendedoras, de pé, em cima da sua bancada, tentando chamar a atenção para os seus produtos "de marca". Na banca em frente, Décio e Samara vendem roupa de cama, toalhas, sapatos e bijuteria. "Duas capas e dois lençóis por cinco euros, é aproveitar", anuncia ela. O casal que aos sábados está em Benfica mas que noutros dias também vende no Relógio e em Odivelas, confessa que o negócio não vai muito bem mas "vai dando para alimentar os filhos". "O que nós queríamos mesmo era uma casa, que moramos numa cave muito má, que mal dá para nós. Trabalhamos muito, como toda a gente, só queríamos o mínimo." Os dois filhos gémeos, de seis anos, ela também Samara e ele Ismael, brincam com os folhetos do Livre e entretêm-se a fingir que sabem ler. Mas os pais já sabem em que vão votar: "Nós somos PS", declara Samara, enquanto continua a atender as clientes. "Passaram aí os do Livre e deixaram isto, mas eu disse-lhes logo que não valia a pena. Somos simpáticos com todos, menos com os do Chega. Mas esses nem se aproximam da gente."

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