A "grande noite" de André Ventura teve casa cheia, bandeiras e mãos no ar, ao som de "Conquistador"

11 mar, 10:15

No Chega, celebrou-se o terceiro lugar como se fosse uma vitória. E foi. Com mais de um milhão de votos, André Ventura mandou um recado a Luís Montenegro e acredita numa solução governativa. Os militantes também acreditam: "Toda a gente disse mal dele e, afinal, aqui estamos a festejar"

Na falta de um hino oficial do partido, ouve-se a gravação da voz de lei-Or, vocalista dos Da Vinci, que canta que já foi ao Brasil, Praia e Bissau, "fui conquistador, fui conquistador", e o grupo de militantes do Chega reunidos no Hotel Marriott, em Lisboa, dança e agita as bandeiras. No final da noite eleitoral, o ambiente por ali era de festa. "Meus senhores, que grande noite tivemos hoje", diz um sorridente André Ventura ao subir ao palco pouco antes da meia-noite. Tem motivos para estar feliz. O seu partido passou de pouco mais de 358 mil votos e 12 deputados eleitos para mais de um milhão de votos e 48 deputados no Parlamento, estabelecendo-se, sem sombra de dúvida, como a terceira força política. "Há uma coisa que temos a certeza: esta é a noite em que acabou o bipartidarismo em Portugal. À hora a que falamos não sabemos quem vai governar Portugal, mas sabemos que o Chega ultrapassou um milhão de votos."

"Já viu? Toda a gente disse mal dele e, afinal, aqui estamos a festejar", comenta Francisco, 34 anos, "dos primeiros militantes", diz, orgulhoso. "Quando me inscrevi diziam que eu era maluco." A seu lado, Catarina: "Estamos aqui porque queríamos estar todos juntos a celebrar os resultados desta noite. Partilhamos todos os mesmos anseios por um Portugal diferente". É complicado falar no meio da euforia. A conversa é abafada pelos gritos dos militantes: "Portugal, Portugal, Portugal."

Para aceder à sala Mediterrâneo do Hotel Marriott é preciso ter uma pulseira, parecida com aquelas que se usam nos festivais de música. Pulseira azul escura para os jornalistas acreditados, pulseira branca para os militantes que apresentam os seus cartões à entrada. À sua espera, nas filas de cadeiras estofadas, estavam bandeiras do Chega e bandeiras de Portugal. Ao início da noite são poucos, só depois de serem conhecidas as primeiras sondagens a sala fica mais composta. Muitos ficam no átrio, ao balcão do bar, junto às televisões. Passam pela loja de souvenirs onde se vendem brincos em forma de galo de Barcelos e pratos com pinturas da Torre de Belém. Bebem um gin tónico enquanto espreitam os resultados no telemóvel - do Benfica e das eleições. Um movimento pouco habitual a esta hora no hotel lisboeta, habituado a receber turistas estrangeiros e grupos de assistentes de bordo da Emirates, com os seus fatos castanhos e chapéus vermelhos, sempre com uma pose impecável. "What are they waiting for?", pergunta uma turista asiática, que tem de furar por entre uma fila de câmaras de televisão para entrar no hotel. "For you", responde-lhe o simpático empregado, ao mesmo tempo que lhe carrega as malas.

"Estamos perante uma noite histórica", declara Pedro Pinto, secretário-geral do Chega, na primeira reação às sondagens, logo a seguir às 20:00. "Em Portugal vai haver uma vitória da direita e vai haver um grande resultado do Chega. Aconteça o que acontecer, já percebemos que o Chega é o partido que mais sobe." "Acabou-se o comunismo", interompe um militante mais entusiamado. 

Pouco depois, um burburinho no átrio. André Ventura está a chegar. "A culpa é do PS, o povo não esquece", gritam os militantes. Jasmine Jordan aponta o telemóvel para tentar filmar. Não sabe quem ele é, mas quer registar o momento. "Tivemos de perguntar o que se passava, vimos tantas câmaras que até achámos que estavam a fazer um filme", conta esta afro-americana que acabou do chegar do Texas para uma semana de férias com família. "Somos um grupo de onze", conta. Escolheram Portugal porque lhes disseram que "era um país lindo, com bom vinho e boa comida" e estão ansiosos por começar a provar tudo. "Nós também acabámos de votar, nas nossas primárias", conta Jordan, que fica espantada ao perceber a quantidade de partidos políticos que existem em Portugal e tenta estabelecer uma correspondência com os partidos democrata e republicano. "Este Ventura é parecido com o Trump?", pergunta, fazendo uma careta. "Nós preferimos o Biden, é mais moderado."

Ventura apanha o elevador e segue para os quartos reservados, com a sua comitiva. A sala volta a ficar em silêncio - apenas interrompido para celebrar a eleição de cada novo deputado do Chega (o que acontece muitas vezes), ou para assobiar quando os ecrãs mostram António Costa e Marta Temido. De bandeiras nas mãos, Maria João, de 73 anos, e Fernanda, de 69, já escolheram as suas cadeiras, estrategicamente colocadas perto do palco onde o líder vai falar. "Vamos ficar até ao fim da festa, até conseguirmos dar-lhe um abraço", dizem. São amigas de infância. Andaram juntas no colégio em Vila Pery, em Moçambique. "Quando viemos de África não estávamos politizadas. Lá, vivíamos na paz e na alegria do Senhor, não nos preocupávamos com essas coisas. Não conhecíamos ninguém aqui. E quando ouvimos o Sá Carneiro identificámo-nos com o que ele dizia, mesmo sem o conhecermos. Com o André Ventura também foi assim", explica Maria João. As duas amigas votaram no "PPD de Sá Carneiro", que "era um grande estadista", mas não se reveem no atual PSD. Nunca tinham sido militantes de nenhum partido até há pouco mais de um ano terem decidido inscrever-se no Chega. "Porque André Ventura defende aquilo que eu quero para o meu país", justifica Maria João. "É a única alternativa para mudar este país, se não for para nós que seja ao menos para os nossos netos", confirma Fernanda.

André Ventura, do Chega (Lusa/ Miguel A. Lopes)

Na opinião das duas amigas, André Ventura "tem sido demonizado" durante esta campanha. Apesar disso, o Chega tem um bom resultado. "As pessoas começaram a abrir os olhos. O último Governo socialista foi uma catadupa de escândalos e borradas", explica Maria João, que acredita que no final desta noite "vai haver muita gente a engolir elefantes".

Maria João e Fernanda já estiveram em jantares do partido com André Ventura e confirmam que ele é "divertido, bem disposto, acessível", "fala a nossa linguagem" e, ainda por cima, "é um borracho". "É uma pessoa inteligente, que sabe o que quer", diz Maria João. "Poderá vir a estragar-se, não sabemos", ressalva Fernanda. "Ele nunca esteve no poder, temos de lhe dar essa oportunidade", afirma Maria João. "Estamos a acreditar que ele vai fazer o que diz, porque se não fizer as pessoas deixam de votar nele." Fernanda é ainda mais radical: "Se ele nos enganar nunca mais voto, nem nele nem em ninguém."

Essa é também a opinião de Marisa e Miguel, casal de ativos militantes da concelhia de Vila Franca de Xira do Chega desde há cerca de três anos: "É uma esperança, para que algo seja diferente. O André sabe isso. Ele não pode cometer os mesmos erros dos outros. Se ele tiver oportunidade de chegar ao Governo, as coisas que ele diz têm mesmo de acontecer. Se ele não cumprir, as pessoas vão ficar muito desiludidas e não vão votar nele na próxima vez", explica Miguel, conhecido na oficina onde trabalha como "o senhor Chega" por ser um grande defensor do partido. "Estamos sempre a tentar mobilizar outras pessoas, colegas de trabalho, amigos, familiares", acrescenta Marisa, que é gestora de um restaurante. "E conseguimos que muitas pessoas votassem hoje no Chega", diz, visivelmente satisfeita.

Marisa e Miguel têm cachecóis do Chega mas o que dá mais nas vistas é a enorme bandeira de Portugal que Marisa tem amarrada ao pescoço e que lhe cai sobre as costas como uma capa de super-herói. Antes de serem do Chega não ligavam muito a política. "Eu nasci em 88", justifica Miguel. "Já não apanhei aquela fase mais politizada do país, já só apanhei os aldrabões e os corruptos. Foi o André que nos conquistou. Ouvimos os discursos dele no Parlamento e o projeto dele encantou-nos. Ele consegue chegar às pessoas como os outros não conseguem." Sempre que podem, os dois militantes participam em ações de campanha: "Fazemos o que podemos para ajudar nesta caminhada", garante Miguel. Ainda não chegaram ao seu destino, mas já estão perto, dizem.

Quinze minutos antes da meia-noite, a direção do partido instala-se nas cadeiras das três filas da frente. Os corredores do hotel esvaziam-se e, de repente, a sala está quase cheia. Claramente mais homens do que mulheres. Quando Ventura entra, estão todos de pé. "E salta, Ventura, e salta, Ventura, olé, olé." O presidente do Chega ainda resiste, mas lá acaba por saltar um bocadinho. Está contente, sim, mas tem recados para dar. O primeiro é para Marcelo Rebelo de Sousa: "Esta é uma vitória que tem de ser ouvida no Palácio de Belém onde o Presidente da República tentou à última hora condicionar o voto dos portugueses", diz. "Vergonha", gritam os militantes. Muitos assobios. O segundo é para os jornalistas e comentadores que, diz Ventura, boicotaram o partido e o criticaram injustamente. "Não foram todos", mas foram alguns. Os suficientes para provocar ainda mais assobios. O terceiro recado é para as empresas de sondagens que previram uma vitória esmagadora da AD e subvalorizaram o Chega. E, por fim, o último recado vai, como é óbvio, para Luís Montenegro, líder do PSD: "Só um líder irresponsável deixaria o país ser governado pelo PS quando tem na mão a possibilidade de formar um governo de mudança", afirma. "O povo disse o que queria: disse que a direita tem de governar. O nosso mandato é para governar Portugal." A sala aprova e grita "Vitória, vitória".

Antes dos Da Vinci e depois do discurso de Ventura, ouve-se o hino de Portugal. Os militantes erguem as bandeiras vermelhas e verdes, alguns colocam a mão no peito. Ventura não responde a perguntas dos jornalistas, cumprimenta alguns apoiantes e parte. Pouco depois a sala está outra vez praticamente vazia. Atarefados nos seus computadores, os jornalistas terminam o seu trabalho, guardam-se as câmaras, arrumam-se os cabos. Restam bandeiras perdidas em algumas cadeiras. "Hoje começa a mudança que este país precisa há 50 anos", disse o líder do Chega. E agora? "Vão ter de levar connosco", diz o militante Francisco. "Agora é que se vai ver." Nem André Ventura diria melhor.

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