Pinheiro: dos golos aos três grandes a uma empresa de transportes

17 mai 2023, 09:16
Pedro Pinheiro

Atual responsável de compras de uma multinacional tombou Jorge Jesus na Taça, subiu todas as divisões e marcou a Vítor Baía, Bossio, Ricardo e Rui Patrício na Liga

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@tvi.pt.

Pedro Pinheiro, somente Pinheiro no mundo do futebol, teve uma carreira repleta de episódios marcantes. O antigo médio ofensivo contribuiu para uma caminhada histórica na Taça de Portugal e para subidas em todas as divisões nacionais, sendo igualmente recordado pelo inusitado registo goleador frente aos tradicionais «grandes».

Entre 2004 e 2008, por quatro clubes diferentes (Estoril, Gil Vicente, Belenenses e Trofense), o ex-jogador marcou quatro golos a FC Porto, Benfica e Sporting, a Vítor Baia, Carlos Bossio, Ricardo e Rui Patrício.

Depois de uma formação dividida entre FC Porto e Candal, Pinheiro começou por destacar-se na campanha sensacional do Dragões Sandinenses na Taça (1999/00), bisando pela equipa da III Divisão no reduto do primodivisionário Estrela da Amadora, à época orientado por Jorge Jesus. A epopeia terminou nos quartos de final, frente ao Sporting, em Alvalade.

Seguiram-se Gil Vicente, Ovarense, Estoril, Belenenses, Trofense, Feirense, Salgueiros e Coimbrões na carreira do jogador.

Em 2015, com 38 anos, o médio pendurou definitivamente as chuteiras para agarrar uma oportunidade de trabalho na área dos transportes de mercadorias.

«Tenho alguns colegas que trabalham nesta área e devo agradecer bastante a um deles, o Pedro Correia, que me abriu esta porta. Comecei por trabalhar na manutenção de camiões, gerir inspeções, revisões e orçamentos, depois passei para o departamento de compras», começa por explicar, ao Maisfutebol.

Pedro Pinheiro afastou-se do futebol e chegou a tirar um curso de massagem desportiva e relaxamento, mas seguiu outro caminho e não se arrepende: «Atualmente sou responsável de compras de transportes na XPO Logistics, uma empresa norte-americana de transportes de mercadorias, líder e inovadora na cadeia de abastecimento na Europa. Estou inserido na região mediterrânea (Portugal, Espanha e Itália) e sou o responsável pelas compras de transportes em Portugal e na Galiza.»

O que faz um responsável de compras de transportes a partir dos escritórios portugueses da empresa, localizados em Canelas (Vila Nova de Gaia)?

«A empresa oferece serviços de entrega de carga completa, carga parcial, mercadorias em paletes e última milha, adaptando-se às necessidades específicas dos clientes. Eu sou responsável pela ligação aos fornecedores, ou seja, a todas as empresas que tenham camiões e queiram colaborar connosco, como subcontratadas, cedendo os seus meios, camiões e motoristas. Sou o responsável por gerir esses contactos e por garantir os meios para as nossas rotas.»

«Estou neste meio há oito anos e já vou na terceira empresa, fui sempre progredindo. É uma área estimulante, porque cada dia é diferente, e sinto que estou numa boa posição profissional depois da carreira no futebol», assume Pinheiro.

O antigo médio ofensivo tem atualmente 46 anos. Dos oito aos 38, durante três décadas, a sua vida girou por completo em torno do futebol.

«Comecei no FC Porto e estive lá cinco anos. Jogava como ponta-de-lança e fazia muitos golos, mas não cresci nessa altura, era muito pequenino nos iniciados, tipo Rui Barros, e fui dispensado. Fui para o Candal nos juvenis, curiosamente entretanto dei o salto, cresci dez centímetros, mas passei a jogar como médio ofensivo. Nos cinco anos de Candal ganhei dois títulos da AF Porto», recorda.

No verão de 1997, aos 20 anos, o jovem trocou o Candal pelos Dragões Sandinenses. Na terceira época no clube da vila de Sandim, que militava na III Divisão, contribuiu para a escalada até aos quartos de final da Taça de Portugal: marcou um golo ao Vilanovense e dois ao primodivisionário Estrela da Amadora de Jorge Jesus, na Reboleira (1-2).

«Foram momentos inesquecíveis até ao jogo dos quartos de final, que perdemos com o Sporting em Alvalade, e esses golos ao Estrela da Amadora permitiram-me chegar a outro patamar. Curiosamente, depois esse jogo, tive tudo acertado com o Estrela, mas saiu o Jesus, chegou o Quinito e acabámos por anular o acordo. Segui para o Gil Vicente», explica.

Pinheiro não esquece os momentos vividos no clube de Sandim. «Fui um clube que me marcou bastante. Aos domingos de manhã, a vila ia toda à missa. À tarde, ia toda ao futebol. Enchíamos o nosso estádio e nos jogos fora iam famílias inteiras, todas com o farnel, o lanche, e ai dos jogadores que recusassem comer com eles. Foi dos melhores grupos que apanhei», diz, elogiando ainda o técnico Ulisses Morais.

«Consegui tirar proveito de todos os treinadores com quem trabalhei. Apanhei o Jorge Jesus no Belenenses e foi aquele que mais me marcou em termos de ideias de jogo, mas o Ulisses Morais marcou-me mesmo muito, foi como um primeiro pai para mim no futebol. Quando cheguei aos Dragões Sandinenses estive seis meses sem jogar, ele disse-me para ter calma, que a minha oportunidade ia chegar, para estar preparado para a agarrar, e isso aconteceu. Depois, estive dois anos e meio sempre a jogar com ele em Sandim e mais tarde fui com ele para o Estoril», salienta.

Primeiro, o Gil Vicente. Com 23 anos, Pinheiro saltou da III Divisão para a Liga e marcou três golos pela equipa de Barcelos, um deles ao Benfica: «Marquei ao Bossio, numa das poucas vitórias do Gil Vicente ao Benfica por 3-0». Porém, o médio fez apenas 17 jogos, a maioria como suplente utilizado, e regressou aos escalões inferiores.

«Golo no Dragão foi o mais doloroso e o mais mediático»

Da Liga à II Divisão B em duas épocas. O caminho seria sempre a descer? Nada disso. Depois de uma temporada na Ovarense, o telefone tocou e o jogador aceitou o convite para representar o Estoril, orientado precisamente por Ulisses Morais. A equipa da Linha subiu para a II Liga e para o escalão principal em dois anos.

Em setembro de 2004, já com 27 anos, o médio ofensivo regressou à Liga e marcou o golo mais mediático da carreira em pleno Estádio do Dragão, frente ao campeão europeu FC Porto. A equipa portista, treinada por Victor Fernández, foi surpreendida em casa pelo Estoril (2-2), logo à terceira jornada. Na sequência de um livre indireto, ainda longe da área, Pinheiro desferiu um pontapé violento e colocado, sem hipóteses para Vítor Baía.

 

«Como sou portista, posso dizer que o golo no Dragão foi o mais doloroso e o mais mediático. Porém, o golo mais marcante para mim foi na época anterior, também pelo Estoril, frente ao Salgueiros, no Estádio do Mar (1-2). Eles estavam a ganhar ao minuto 90, fizemos o empate, a bola foi ao centro, um colega meu recuperou a bola e sofreu falta. Eu bati o livre contra a barreira, a bola veio para o meu pé esquerdo e rematei de novo. A intenção era matar ali a jogada, evitar um contra-ataque, mas a bola foi direitinha ao fundo da baliza, ganhámos e deixámos o Salgueiros a sete pontos.»

Pinheiro cumpriu três épocas no Estoril e mudou-se para o Belenenses em 2005. Logo na primeira jornada, o médio marcou o único golo ao serviço da equipa do Restelo, e de novo frente a um grande: o Sporting. «Marquei pelo Estoril ao FC Porto, pelo Gil Vicente ao Benfica, e pelo Belenenses e o Trofense ao Sporting. Ao Ricardo foi um remate de fora da área pelo Belenenses, numa fase menos boa do Ricardo, ao Rui Patrício foi num penálti pelo Trofense», refere.

Duas temporadas nos grandes palcos pelo Belenenses, outras duas no Trofense com uma subida ao escalão principal e mais duas no Feirense para nova promoção à Liga. O currículo do médio é rico, mas daria para algo mais?

«Dos anos em que joguei na Liga, só no segundo de Belenenses é que joguei pouco. Eu queria estar sempre no centro do jogo, estar sempre presente, e não geria bem o esforço. Quebrava fisicamente. Só comecei a ter maturidade a esse nível mais tarde, mas tive azar no Belenenses, porque aí a diferença era a qualidade. Como médios ofensivos, o Jesus tinha o Silas e o Zé Pedro, depois ainda havia Ruben Amorim, Sandro Gaúcho…»

Para a história de Pinheiro ficaram três títulos nacionais (II Divisão B em 2002/03 e II Liga em 2003/04 e 2007/08), para além de várias subidas de divisão. Aliás, o antigo jogador orgulha-se de ter garantido a promoção em todos os escalões.

«Quando o Feirense subiu à Liga, em 2011, eu já tinha 34 anos, terminei contrato e segui outro caminho. Curiosamente, disse aos meus colegas que ia ser campeão na época seguinte e fui mesmo. Ia para o Famalicão, não correu bem, fui para o Salgueiros e fui campeão da Divisão de Honra da AF Porto. Subimos à III Divisão e depois ao Campeonato Nacional de Seniores. Aliás, eu subi em todas as divisões nacionais», destaca.

O médio terminou a carreira de jogador no SC Coimbrões, a meio da temporada 2014/15. Tinha 38 anos e um convite para iniciar o seu percurso no mundo do transporte de mercadorias. Foi e não olhou para trás. Até hoje.

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