O comissário de bordo que jogava com Ronaldo na seleção

5 out 2022, 10:54
Costinha [arquivo pessoal]

Costinha e CR7 estrearam-se ao serviço de Portugal no mesmo dia; a grande promessa do V. Setúbal terminou a carreira aos 25 anos e trabalha atualmente na TAP

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@tvi.pt.

Costinha estava longe de imaginar o que aquele dia significaria para a sua carreira. A 24 de fevereiro de 2001, a grande promessa do Vitória de Setúbal fez a estreia pela seleção de Portugal, num jogo de sub-15 frente à África do Sul (2-1).

O jovem sadino alinhou no setor intermediário da equipa das Quinas, no apoio a dois avançados que viriam a garantir o triunfo luso: um certo Cristiano Ronaldo, que continua no ativo, e Diogo Andrade, atual proprietário de uma imobiliária no Brasil

Olhando para trás, esse foi mesmo um dos dias mais felizes do percurso futebolístico de Costinha. Ouviu pela primeira vez o hino de Portugal no relvado e entrou em campo ao lado de um dos melhores jogadores da história do futebol, cenário que se viria a repetir das seleções sub-15 e sub-17.

Porém, enquanto Cristiano Ronaldo evoluiu até ao topo, o convidado deste Depois do Adeus não conseguiu cumprir um dos grandes objetivos: afirmar-se como figura do seu Vitória de Setúbal.

Costinha fez apenas dois jogos pela equipa principal do Vitória, entre 2004 e 2005, estando no grupo que conquistou a Taça de Portugal após um triunfo na final frente ao Benfica (2-1 no Jamor).

Sem espaço no clube do coração e após 13 internacionalizações pelas seleções jovens, até aos sub-20, Costinha ainda jogou três anos em escalões inferiores de Portugal – Rio Maior, União Montemor, Juventude Évora, Operário Lagoa – e uma época na quarta divisão de Espanha, antes de desistir da carreira profissional.

«O futebol nas divisões inferiores é muito físico, começou a trazer-me mazelas, estava constantemente lesionado. Quando vi que já não ia chegar a um patamar alto, que não tinha condições para isso, tomei a decisão consciente de abandonar. Muitos deixaram-se arrastar até demasiado tarde, tu tinha até legitimidade para isso, para acreditar, porque tive um início muito promissor. Mas quando me apercebi que já não ia ser tão bom quanto pensei, foquei-me noutras soluções», explica, ao Maisfutebol.

O médio decidiu mudar de rumo aos 25 anos, em 2011: «Na altura tinha um tio nos Países Baixos, que me conseguiu colocar numa empresa de seguros, como assistente administrativo. Ainda joguei lá, mas já como amador. Entretanto, devido à doença do meu pai e da minha avó, voltei para Portugal. Só quem vive fora do país dá real valor ao que temos aqui. Espero nunca mais sair.»

No regresso a Portugal, Costinha ainda fez alguns jogos pelo Palmelense (2013/14), numa altura em que o futebol não era mais que um passatempo. «Comecei por trabalhar aqui em outra companhia de seguros, a MAPFRE, durante quatro anos, na área de assistência em viagem. Pelo meio, o Março Lança, também ex-jogador, desafiou-me para algo que sempre me despertou o interesse: a aviação», explica.

O sadino já tinha ultrapassado a idade limite (26 anos) determinada pela TAP para os comissários de bordo, mas o fim dessa barreira etária em 2017 permitiu a entrada de Costinha na companhia aérea.

«Adoro viajar, conhecer realidades contrastantes como São Tomé e Príncipe ou Nova Iorque, onde estive recentemente, e depois voltar para o nosso Portugal. É uma carreira que me estimula, se bem que estive fora da companhia durante dois anos, antes de voltar em definitivo», frisa.

O ex-jogador, atualmente com 36 anos, regressou recentemente à TAP: «Eu estava com contratos de eventuais, que costumavam passar a definitivos, era assim há décadas. Mas pela primeira vez, na altura da Covid-19, isso não aconteceu, terminou o meu contrato e vim embora.»

«Foi nessa altura que descobri o imobiliário, que foi uma lufada de ar fresco. Sempre gostei de lidar com pessoas. Fiz isso durante dois anos e continuarei a fazer pontualmente, mas nunca deixei de ter saudades da aviação. Assim, quando me convidaram a voltar, agora entrando para os quadros, disse logo que sim», recorda.

João Alexandre Graça Rodrigues, o comissário J. Rodrigues, já tem pouco do Costinha que jogava na seleção com Cristiano Ronaldo. Aliás, não mostra essa faceta quando se cruza com jogadores e treinadores nas constantes viagens. «Olhe, ainda há um par de semanas trouxe o Mário Rui de Itália para Portugal, quando ele foi chamado à seleção. E antes da Covid trouxe o José Mourinho, que até é da minha zona. Mas já não sou reconhecido como acontecia nos primeiros anos e sou reservado nesse aspeto, nunca digo que fui jogador de futebol», garante.

«No fundo, sinto que sou um privilegiado. Tive a oportunidade de jogar futebol e temos de ter consciência de que não dá para todos, não é fácil fazer uma carreira no futebol. Prefiro ver o copo meio cheio. Hoje em dia, sou um privilegiado, um sortudo, porque tenho outra profissão de sonho», remata o antigo internacional português.

O talento sadino que furava entre os grandes

Costinha assumiu as rédeas do próprio destino e desistiu do futebol antes do futebol desistir por completo de si. Porém, ficam para a história as enormes promessas que foi deixando ao longo da formação.

«Quando eu ia à seleção, eram cinco jogadores do Sporting, outros cinco do Benfica, cinco do FC Porto, depois um ou dois do Boavista, um do Belenenses e aparecia eu do Vitória. Éramos pouquíssimos entre os jogadores dos grandes», recorda.

Por isso mesmo, naturalmente, o jovem médio teve inúmeros convites para trocar o clube sadino por um emblema de maior dimensão: «Nas camadas jovens, tive propostas dos três grandes, do Boavista, do Sp. Braga, do estrangeiro, mas optei sempre por ficar no Vitória. Fizeram-me acreditar que eu fazia parte do projeto do Vitória, que seria um key player do Vitória no futuro, e agarrei-me a isso.»

«A culpa foi minha, fui eu que tomei essa decisão. Também por isso, nunca quis ser agenciado, porque sentia que o meu futuro estava ali, que ia ter oportunidades no meu Vitória. Só mais tarde me comecei a aperceber que isso foi um erro», reconhece.

Costinha teve ainda assim a oportunidade de jogar com grandes figuras do futebol português, no Vitória de Setúbal e na seleção: «Os da minha geração, nascidos em 1985, já são dinossauros do futebol. Penso que os únicos que ainda jogam são o Cristiano Ronaldo e o Silvestre Varela. Olhe, e no último jogo que fiz pela seleção, saí para entrar o Ruben Amorim.»

«Penso que o momento mais emblemático da carreira foi mesmo o primeiro jogo pela seleção, nos sub-15. Ainda hoje, arrepio-me todo quando ouço o hino. Claro que se torna ainda mais emblemático porque também se estreou o Cristiano Ronaldo nesse dia, embora estivéssemos longe de saber até onde ele ia chegar. Na altura, ele era um jogador muito mais virtuoso e já estava num patamar muito superior aos outros. Fui subindo, dos sub-15 aos sub-20, e estive nos pré-convocados para Toulon. Se tivesse ido, talvez as coisas tivessem sido diferentes», considera.

O médio tinha chegado à equipa principal do Vitória, mas não fez mais que dois jogos até ao final da temporada 2004/05, coroada com a conquista da Taça de Portugal: «Estive nas fichas de jogo, mas não joguei na Taça. Portanto, é difícil sentir-me campeão, embora tenha recebido a medalha e o prémio de jogo. Estive no Jamor e atirei-me para cima deles no momento de receber a Taça, e foi nesse dia que recebi uma notícia triste, o facto de não ter sido chamado para Toulon.»

Na época seguinte, Costinha passou a ser opção regular no recém-formado V. Setúbal B. «Foi o primeiro choque com a realidade, jogar na II Divisão B com uma equipa que foi construída um pouco às três pancadas. Nessa época, fui operado ao joelho esquerdo e a partir daí comecei a ter roturas musculares. Fazia um jogo, fazia nova rotura, voltava, fazia mais um par de jogos e lesionava-me de novo. Até que desisti», desabafa.

UD Rio Maior, União Montemor, Juventude Évora e Operário Lagoa foram os restantes clubes portugueses da carreira de um jovem que cresceu nas margens do Sado. «A certa altura, entrei em contacto com vários clubes e empresários a dizer que queria relançar a minha carreira. Sabe qual foi a resposta? ‘Os teus melhores anos já passaram’.»

«Em 2010, fui para o FC Torrevieja de Espanha. A Espanha tinha sido campeã de mundo nesse ano, pensei que aquilo devia ser completamente diferente, mas cheguei lá e percebi que havia pouca diferença em relação ao que encontramos aqui. Essa foi a última gota que me fez pensar: ‘eh pá, já chega’. Depois dessa experiência em Espanha, numa altura em que já tinha ido para os Países Baixos, fui contactado por um empresário e ainda fui treinar à Roménia e à Moldávia, mas surgiram confusões atrás de confusões e coloquei um ponto final na carreira profissional, em definitivo», conclui Costinha.

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