Pedro Branco: o advogado do FC Porto que jogou ao lado de craques

2 mai 2023, 08:07
Pedro Branco (arquivo pessoal)

Foi colega de equipa de Sérgio Oliveira, William Carvalho, Cédric, Mário Rui ou Wilfried Zaha, defrontou Lacazette, Destro ou Wilshere; aos 22 anos, deixou o futebol para apostar em definitivo no Direito

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@tvi.pt.

Pedro Branco fez uma formação de grande nível, disputando a extinta Liga Intercalar pelo FC Porto no segundo ano de juvenil e partilhando o balneário azul e branco com seniores como Nuno Espírito Santo, Bolatti ou Hélder Barbosa.

Internacional português dos sub-16 aos sub-18, o antigo lateral esquerdo chegou a envergar a braçadeira de capitão e disputava o lugar com Mário Rui, que conseguiu singrar como sénior, atingindo a seleção principal e preparando-se para conquistar a Serie A de Itália com a camisola do Nápoles.

Nas camadas jovens da equipa das Quinas, Pedro Branco jogou ainda com nomes como Cédric, William Carvalho ou Nélson Oliveira, defrontando futuros craques como Alexandre Lacazette (França), Mattia Destro (Itália) ou Jack Wilshere (Inglaterra).

Depois de dividir a sua formação entre Boavista, FC Porto e Leixões, o esquerdino ainda cumpriu um período de experiência no Crystal Palace, treinando e alinhando ao lado de Wilfried Zaha, avançado que é uma referência do clube londrino.

Aos 32 anos, enquanto vê antigos companheiros e adversários em grandes palcos futebolísticos, o convidado deste Depois do Adeus cresce como elemento do Departamento Jurídico do seu clube do coração, posição que ocupa desde 2016.

Por influência dos pais, Pedro Branco nunca negligenciou os estudos. Entrou para a Universidade aos 17 anos, concluiu a Licenciatura aos 22 e tomou uma decisão: abandonar o futebol para tirar um Mestrado na Universidade de Coimbra e apostar em definitivo no Direito.

Depois de terminar o percurso nas escalões jovens ao serviço do Leixões, o antigo lateral fez o tal período de testes no Crystal Palace, regressou a Portugal e alinhou por emblemas de divisões inferiores (Esmoriz, Sp. Espinho e SC Coimbrões) até pendurar as chuteiras.

«Claro que penso no que poderia ter acontecido se tivesse continuado a carreira, sobretudo vendo ex-colegas que chegaram longe nas suas carreiras. Mas tanto poderia ter conseguido isso como podia estar até hoje nas divisões inferiores e arrepender-me. Tenho um emprego estável, gosto do que faço e estou bastante feliz. Tenho também de agradecer aos meus pais e à minha avó por nunca me terem deixado largar os estudos.»

Em 2016, após concluir a fase curricular do Mestrado, cumpriu um período de estágio no Departamento Jurídico do FC Porto. Regressou assim ao clube azul e branco com 25 anos, já de fato e gravata. Até hoje.

«Depois do estágio, ofereceram-me contrato para ficar. Foi engraçado porque muita gente ainda se lembrava de mim e é um conforto muito grande para mim estar em 'casa'. Olhe, foi o colega mais velho do departamento que fez o meu contrato de formação, quando eu era jogador. E cheguei a estar por exemplo em reuniões já como advogado com o Sérgio Oliveira, que jogou comigo, assim como com outros ex-colegas», explica, ao Maisfutebol.

Pedro Branco ganhou competências na área do direito penal - «a minha tese de mestrado foi sobre um meio de prova em processo penal, o P300, semelhante ao polígrafo» -, mas trabalha há sete anos com questões relacionadas com o mundo do desporto.

«Nós fazemos de tudo um pouco, desde contratos de transferência, de trabalho, de patrocínio, publicidade, processos disciplinares ao nosso treinador e aos nossos administradores, que agora estão muito em voga, aos jogadores, modalidades, apoio jurídico ao Porto Canal, à Porto Comercial, etc. É um trabalho jurídico muito abrangente.»

Quadro jovem no FC Porto, Pedro Branco rebate a tese de uma estrutura envelhecida: «Essa ideia não corresponde à realidade. A estrutura tem muitos quadros jovens e está constantemente a renovar-se, mas é inegável que o nosso presidente e as pessoas que estão no clube há mais anos são fundamentais e transmitem experiência importantíssima. O FC Porto deve o que é hoje ao presidente. Independentemente da idade, ele ainda está em grande forma. Tanto que mesmo perante o cenário financeiro, que é público, o FC Porto mantém-se competitivo, estamos sempre a ganhar ou perto disso.»

«Gosto muito daquilo que faço, de estar diariamente ligado ao FC Porto e ao futebol, a minha grande paixão. Para além disso, agora entro nos torneios da ordem dos advogados. Estou numa equipa chefiada por um juíz (Lex Porto) e há dois anos fui a um mundialito de juristas, em Braga. Vieram equipas da Bulgária, do Gana, foi incrível. Quando deixei o futebol, tentei afastar-me, mas a vida voltou-me a puxar para o futebol», remata o antigo lateral.

«Será que também podia ter chegado onde o Mário Rui chegou?»

Voltemos atrás para explorar o percurso futebolístico do atual advogado do clube portista. Os primeiros pontapés de Pedro Branco na bola foram dados nas escolinhas Jaime Garcia, na cidade do Porto.

«Eu tinha 6/7 anos e tinha um vizinho da minha avó que jogava nas escolinhas Jaime Garcia. Pedi ao meu pai e também fui. Entretanto, tivemos um torneio em Guimarães, fizemos um jogo em ganhámos 11-0, eu jogava a ponta-de-lança e marquei nove ou dez golos. Foi quando as pessoas do Boavista me convidaram a ir para lá», recorda.

O esquerdino começou como ponta-de-lança, passou para extremo esquerdo e acabou por recuar para lateral: «Fiz três anos de escolinhas no Boavista. No último ano, um treinador, o Sr. Emídio, disse-me que as minhas características eram de lateral. No final do último ano, tivemos um torneio em Espanha e estávamos a perder 0-1 num Boavista-FC Porto, entrei chateado por não ter jogado de início, havia ali um livre a meio do meio-campo e decidi chutar à baliza. Marquei golo, fiz um bom jogo, empatámos 1-1 e fomos a penáltis. No final do torneio, os responsáveis do FC Porto entraram em contacto com o meu pai para eu ir às captações. Fui como infantil para o FC Porto.»

«Estive oito anos ligado ao FC Porto, dos infantis ao último ano de júnior. Entretanto, o meu percurso nas seleções começou na seleção regional do Porto, nos sub-15, fomos ao Torneio Lopes da Silva e perdemos na final contra a seleção de Lisboa, que tinha Cédric, Mário Rui, etc. Depois, fui chamado para a seleção nacional sub-16 pelo mister Paulo Sousa. Considero que o meu melhor ano a nível de seleções foi esse, nos sub-16, porque até cheguei a ser capitão. O principal era o Nuno Reis, depois o Cédric, mas houve um jogo em que os dois foram substituídos, eu era o mais internacional em campo e fiquei com a braçadeira de capitão. Foi um momento inesquecível.»

Nessa altura, explica, Pedro Branco chegou a ganhar a corrida a Mário Rui: «Com o Paulo Sousa, que preferia laterais mais fortes, joguei mais eu. Nos sub-17, com o Carlos Dinis, jogou mais o Mário Rui. Éramos sempre os dois laterais esquerdos convocados. Desejo a melhor sorte ao Mário Rui, que atingiu um expoente máximo, mas claro que ficas a pensar: ‘será que também podia ter chegado onde ele chegou?’»

O lateral esquerdo representou as seleções de Portugal entre os sub-16 e os sub-18. Entretanto, no FC Porto, teve a oportunidade de jogar ao lado de atletas da equipa principal na extinta Liga Intercalar.

«No meu segundo ano de juvenil cheguei a ser chamado várias vezes à Liga Intercalar, joguei com o Nuno Espírito Santo, Bolatti, Hélder Barbosa, Rabiola, etc. Era uma mistura de seniores com os jovens mais promissores. Foi inesquecível porque equipávamo-nos no balneário dos seniores, por exemplo. Lembro-me de no primeiro dia chegar ao balneário e sentar-me num lugar qualquer. Entretanto chega o Nuno Espírito Santo, cumprimenta todos e pergunta-me com ar sério: ‘miúdo, gostas desse lugar? Então salta daí, que esse lugar é meu’»

Pedro Branco chegou a júnior como grande promessa do FC Porto e com presenças assíduas nas seleções nacionais. O cenário começou lentamente a mudar: «Como o FC Porto não tinha equipa de juniores de primeiro ano, fui ‘emprestado’ ao Leixões nessa época. Foi uma época muito boa, jogava nos juniores e com os seniores do Leixões na Liga Intercalar, em que chegámos à final. O treinador do FC Porto era o holandês, o Patrick Greveraars, e penso que ele quis que eu voltasse porque nos jogos entre nós marquei o Diogo Viana, que era a grande figura, e correu-me muito bem.»

Uma lesão na reta final da temporada 2008/09, provocada pela sobrecarga de jogos, condicionou a transição do esquerdino para o futebol sénior.

«Numa altura em que jogava pelo Leixões nos juniores e na Liga Intercalar, fiz dois jogos pela seleção, terça-feira e quinta, depois joguei no sábado pelo clube e tive uma fratura de esforço no pé, no quinto metatarso. Fiz a recuperação, achei que estava curado, mas comecei a treinar no FC Porto, parti o pé e estive parado seis ou sete meses no segundo ano de júnior.»

Patrick Greveraars prometeu uma oportunidade a Pedro Branco, quando este recuperasse da grave lesão. Porém, o jovem perdeu a paciência. «Recuperei, passaram-se alguns jogos e nada. Eu agora percebo que não podia ser uma coisa imediata, mas era miúdo, queria era jogar, tinha o Leixões sempre a ligar-me para voltar para lá e decidi sair do FC Porto. Ainda fiz um jogos nos juniores e na Liga Intercalar e uns treinos com os seniores do Leixões, mas foi praticamente um ano perdido», reconhece.

Com 18 anos e o futuro nas mãos, apresentando um currículo de respeito, o esquerdino teve a oportunidade de cumprir um período de experiência no Crystal Palace, equipa que disputava nessa altura o Championship, segundo escalão no futebol inglês.

«Lembro-me que fiz escala em Paris, cheguei a Londres perto da hora de almoço, juntei-me ao estágio, almocei com eles e à tarde joguei logo. O primeiro jogo foi difícil por isso mesmo, mas o segundo correu bem melhor, lembro-me que eu joguei como lateral e como extremo estava um jovem que tinha terminado a formação e que ainda lá joga hoje em dia: o Wilfried Zaha», revela.

Os responsáveis do clube britânico pretendiam prolongar o período de observação, mas Pedro Branco decidiu regressar a Portugal: «Por decisão minha, do meu empresário e dos meus pais, vim-me embora. Havia receio de ficar sem clube em Portugal. Acabei por ir para o Esmoriz, que estava na II Divisão B e que naquela altura pagava bem. Assim também pude manter os estudos.»

O jovem tinha concluído o 12.º ano e estava a tirar a Licenciatura em Direito.

«Tive períodos difíceis, sobretudo quando estava na seleção, mas sempre consegui conciliar. Comecei por entrar para a Universidade Católica, mas lá chumbava-se por faltas e foi o que aconteceu, já que jogava ao mesmo tempo. Depois mudei para a Lusíada e fez uma licenciatura tranquila, dentro do possível.»

Enquanto dividia o seu tempo entre os relvados e as salas de aula, o lateral esquerdo adaptava-se a um futebol completamente distinto: «A época no Esmoriz foi de choque inicial porque a realidade é completamente diferente. No FC Porto, os laterais praticamente só atacavam. Ali, quase não tinha a possibilidade de subir. Mas acabei por adaptar-me e a temporada correu bem.»

«Depois do Esmoriz, assinei pelo Gondomar, também da II Divisão B. Só que pela primeira vez, com 20 anos, descuidei-me nas férias e cheguei à pré-época em má forma, com excesso de peso. O treinador falou comigo e acabei por ir para o Sp. Espinho, que estava no escalão abaixo. Na temporada seguinte, fui para o Sp. Coimbrões, da II B, mas tive imensas lesões musculares, incluindo roturas, e decidir arrumar as chuteiras. Na altura tive várias pessoas a ligar-me, a dizer para não desistir, mas senti que era a altura de seguir outro rumo», recorda.

Pedro Banco tinha 22 anos e decidiu, em 2013, apostar na maior segurança de uma carreira profissional na área do Direito. «Decidi fazer um Mestrado na Universidade de Coimbra, nessa altura a ideia até era concorrer para a magistratura, para ser juiz. Como tinha tirado a licenciatura numa privada, quis fortalecer o meu currículo. Quanto terminei o mestrado, tive a possibilidade de estagiar no FC Porto e pronto, aqui estou até hoje», descreve.

Enquanto vê Sérgio Oliveira, Cédric, William Carvalho, Mário Rui, Wilfried Zaha, Lacazette, Destro ou Wilshere ainda em campo, a bom nível, o ex-jogador já tem experiência acumulada como advogado no clube do seu coração.

«Fico feliz por quem teve sucesso e claro que não deixo de pensar que se tivesse continuado, se tivesse tomado outras opções…não ter mau feitio, não ter saído do FC Porto no último ano de júnior, não ter saído do Crystal Palace sem ter uma resposta deles…Se fosse hoje, tinha ficado lá até me empurrarem para um avião! Também errei ao chegar em má forma ao Gondomar, enfim», admite.

Pedro Branco, de qualquer forma, não se arrepende da decisão tomada há uma década.

«Da mesma forma que vários tiveram sucesso, outros ex-colegas ainda estão nas divisões inferiores ou já desistiram, e agora vão ter mais dificuldades em entrar para o mercado de trabalho. Eu decidi cedo e hoje em dia tenho a felicidade de trabalhar no que gosto, no meu clube, já há alguns anos, e tenho a vida estruturada. Sou feliz.»

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