Caso das gémeas: suspensa audição do advogado da mãe

Agência Lusa , CM/PP (atualizado às 21:51)
28 jun, 16:03

Advogado diz que mãe das crianças foi alvo de “mentira calculada” e “assassinato mediático”

A comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras foi suspensa uma hora e meia depois de ter começado, nesta sexta-feira, após o advogado da mãe das crianças invocar o direito ao sigilo profissional para não responder aos deputados.

Todos partidos políticos votaram favoravelmente a suspensão dos trabalhos, com alguns a qualificar a audição de Wilson Bicalho como “uma farsa”.

Wilson Bicalho invocou o artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, em que o “advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”, para não responder às questões da comissão.

O advogado tinha pedido que a audição continuasse à porta fechada, proposta que foi rejeitada pelos partidos.

Mãe das crianças foi alvo de "mentira calculada" e "assassinato mediático"

Ainda assim, na sua intervenção inicial, Wilson Ficalho afirmou que Daniela Martins foi alvo de uma “mentira calculada” por parte de um deputado e também de um “assassinato mediático”.

O advogado aproveitou esse momento para “fazer a defesa” da sua cliente, que foi ouvida na comissão de inquérito na sexta-feira passada.

Wilson Bicalho disse que Daniela Martins “foi covardemente confrontada” por “um deputado desta casa” com documentos que diziam “que tinha entrado com uma ação na justiça brasileira” para aceder a um medicamento que não o Zolgensma em “agosto de 2019”, e indicou que “o processo em questão é datado de 17 de setembro de 2019”, salientando que é posterior à atribuição da nacionalidade portuguesa às duas crianças.

O pedido para as crianças terem acesso ao Zolgensma foi feito “em 10 de dezembro”.

“É triste dizer isso, mas a minha cliente foi confrontada com uma mentira calculada, contada sem demonstrar compaixão humana”, e com o objetivo de alimentar “jogos de bastidores”, criticou.

O advogado da mãe das gémeas criticou também a comunicação social pelo tratamento do caso, defendendo que Daniela Martins foi alvo de um “assassinato mediático” e um “ataque grosseiro, desumano, covarde”.

“É inaceitável e desprezível”, afirmou.

Presidente da comissão de inquérito admite queixa contra advogado da mãe

O presidente da comissão de inquérito ao caso das gémeas admitiu, entretanto, a possibilidade de ser apresentada uma queixa contra o advogado da mãe, caso o parecer da Ordem dos Advogados que alegou ter não exista.

Em declarações aos jornalistas no final da audição, o presidente da comissão de inquérito explicou que nesta reunião os partidos vão abordar o que se passou: “Se ele realmente não apresentar o tal parecer, poderemos eventualmente avançar com uma queixa junto da Ordem dos Advogados, junto do Ministério Público, do seu comportamento hoje aqui nesta audição, atendendo que ele é obrigado a dizer a verdade perante esta comissão”.

“Se não apresentar o parecer, começou logo por mentir com o próprio parecer que diz que existe e que não existe”, disse Rui Paulo Sousa.

A comissão vai esperar até ao final do dia que esse documento seja enviado à Assembleia da República, indicou, referindo que para já só têm a sua palavra de como essa resposta da Ordem dos Advogados existe.

Rui Paulo Sousa indicou que os deputados vão também deliberar se aceitam “o depoimento nos moldes em que foi feito” e se será incluí-lo nas atas da comissão.

O deputado do Chega referiu que, “numa conversa informal com a comissão, há cerca de uma semana atrás, [o advogado] mencionou que era possível que houvesse algum parecer negativo de Ordem dos Advogados para participar nesta audição, mas nunca concretizou isso, nunca enviou nenhum parecer para a comissão, nunca informou a comissão oficialmente”.

Rui Paulo Sousa indicou que esse parecer só foi mencionado por Wilson Bicalho após a declaração inicial que, na sua opinião, “não foi mais do que um espetáculo para as televisões, em que ofendeu gravemente vários deputados desta comissão, a própria comissão e o próprio parlamento, porque quando se está a referir a deputados deste parlamento como ele se referiu está a ofender todos os deputados deste parlamento”.

O deputado do Chega assinalou ainda que Wilson Bicalho deu várias entrevistas à comunicação social nas quais "emitiu opiniões sobre o caso, fez uma declaração inicial onde falou sobre o caso, quando saiu há pouco dirigiu-se aqui à comunicação social e voltou a falar sobre o caso, portanto", concluindo que "ele falou com toda a gente do caso, exceto com os deputados da comissão de inquérito".

"Portanto, é um pouco estranha a maneira como ele encara o que é que pode falar ou não pode falar, eu acho que ele apenas encara o que lhe interessa a ele ou à sua cliente e vai agindo conforme acha que consegue mais protagonismo junto à comunicação social ou não", sustentou.

Caso o parecer exista, “pode ser suscitado pela comissão de inquérito uma quebra de sigilo profissional junto ao Ministério Público e a um tribunal e, caso seja aceite essa quebra de sigilo, ele pode ser chamado novamente” para dar explicações, disse Rui Paulo Sousa, admitindo que essa audição decorra à porta fechada.

Comissão dá 48 horas ao advogado da mãe

A comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras fez entretanto saber que deu 48 horas ao advogado da mãe das crianças para apresentar o parecer da Ordem dos Advogados que justifica a sua recusa em prestar declarações.

“O que foi decido em mesa e coordenadores foi que iríamos dar 48 horas a Wilson Bicalho para poder apresentar o documento que recebeu da Ordem de Advogados para não prestar depoimento aqui na comissão e o pedido que fez para obter essa resposta da Ordem dos Advogados”, disse o presidente da comissão, Rui Paulo Sousa.

Rui Paulo Sousa falava aos jornalistas depois de a mesa e coordenadores da comissão parlamentar de inquérito às gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, se ter reunido, após os trabalhos terem sido suspensos.

“Se não for apresentado, consideramos avançar com uma queixa na Ordem dos Advogados e no Ministério Público por declarações falsas quando afirmou que tinha a declaração”, sublinhou, acrescentando que a comissão também pediu “à Ordem dos Advogados que confirme o pedido e que confirme que foi emitido a Wilson”.

O também deputado do Chega indicou que a comissão vai deliberar na próxima quarta-feira, antes da audição a Nuno Rebelo de Sousa, o levantamento do sigilo profissional e a possibilidade de Wilson Bicalho ser ouvido à porta fechada.

Sobre se os trabalhos de hoje serem retirados da ata, Rui Paulo Sousa disse que “não ficou decidido nada sobre isso” e que voltará a ser trazido à discussão.  

Parecer da Ordem dos Advogados existe, mas pode não ser decisão final

Algumas horas depois, soube-se que a Ordem dos Advogados emitiu um “parecer genérico” ao pedido do advogado da mãe das gémeas luso-brasileiras que, para já, confirma o impedimento para depor na comissão parlamentar de inquérito, mas o processo não está fechado.

O presidente do Conselho Regional de Lisboa (CRL) da Ordem dos Advogados (OA), João Massano, explicou à Lusa que a decisão de levantamento de sigilo depende de um pedido apresentado a este órgão, ao qual têm que ser apresentados “os factos concretos” sobre os quais se pretende prestar depoimento e as razões pelas quais entende que deve falar publicamente sobre esses factos.

No caso concreto do advogado brasileiro Wilson Bicalho, que se recusou a prestar esclarecimentos na comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Portugal com o medicamento Zolgensma, o que chegou inicialmente ao CRL foi um pedido genérico sem factos concretos que permitam a este órgão da OA decidir pelo levantamento do sigilo.

“Há um parecer, mas é uma consulta genérica. Houve uma questão e, no fundo, foi quase que uma interpretação do Estatuto (…). Nós não tivemos factos para dizer: aquele facto pode falar aquele não pode falar, por isto ou por aquilo. O que aconteceu foi um pedido de parecer em que nós dissemos o óbvio, que é, o advogado não pode falar sobre factos de que tome conhecimento no exercício da advocacia”, explicou João Massano à Lusa.

O que existe, continuou o advogado, são novos pedidos ainda em fase de instrução, feitos posteriormente, “para divulgação de factos” no âmbito deste processo.

“Estes pedidos já mencionam factos que serão objeto de análise pelo CRL e que serão objeto de decisão quando terminar a fase de instrução”, disse João Massano.

Segundo o presidente do CRL, o facto de existirem pedidos separados não atrasa a decisão, desde que existam todos os elementos para decidir, e colaboração do requerente.

“Muitas vezes o que acontece é que os pedidos são feitos, mas depois os requerentes, por um motivo ou por outro, às vezes demoram mais tempo a enviar a documentação que nós pedimos. O tempo depende muitas vezes da colaboração que o requente nos dá”, referiu João Massano.

“Se me pedem dispensa para ir falar à CPI, mas não me dão os factos, é óbvio que não posso ter uma decisão final”, rematou.

O advogado disse não poder revelar quando deu entrada o pedido de levantamento de sigilo por parte de Wilson Bicalho, mas adiantou que “não terá sido há muito tempo”.

“A partir do momento em que tenhamos tudo pronto na fase de instrução, garanto que a decisão vai ser rápida, até pela pressão mediática, não queremos ser nós considerados os responsáveis pelo atraso na CPI”, concluiu.

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