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Professor da ISCTE Business School

Dois por cento: artigo de Tratado ou artigo de Fé?

14 set 2023, 09:00

Mais uma reunião no Banco Central Europeu e mais tensão no ar. Atividade económica num abrandamento precipitado e inflação persistente. Em volta, os ecos do discurso do “Estado da União” em Bruxelas em alinhamento com os EUA já no curto-prazo (anti China) e um sinal a mais alargamentos ao longo-prazo (cada vez mais a Leste, mas um Leste seletivo afinal).

Tudo isto poderia favorecer uma pausa na conduta agressiva dos banqueiros centrais do centro. No entanto, o Ulisses foi amarrado ao mastro há muito tempo. As velhas do restelo terão dito: cuidado com as sereias na viagem, vão cantar e levar-te por maus caminhos. Melhor suspender já a tua capacidade de decidires mais tarde. Trata-se do mais básico exemplo de “ordo-liberalismo” a ser responsável pela “economia política constitucional”. (sim, obviamente tudo isto foi por desígnio e não por deriva). Sim, a regra presidiu à quase impercetível mutação do modelo europeu de “social-democracia” em “democracia liberal”. (pois claro, os rótulos não são neutros). Mas, e se o barco estiver a afundar e ameaçar levar ele próprio o Ulisses para o fundo?

O BCE foi lançado numa fase histórica então chamada pelos analistas como a “Grande Moderação”. Tinha-se vencido o ciclo económico, o que era preciso era alinhar as expectativas dos agentes económicos em torno de regras estáveis. Ops, é então que um pulsar de mega-choques começa a pontuar a trajetória das economias ao ritmo de mais que um a cada década: colapso das dot com, crise do subprime, pandemia, guerra na Europa.

O nível-alvo de inflação a dois por cento é uma convenção, não decorre de dados nem de teoria. Ele foi pensado para um regime político-económico e social-ecológico com poucas oscilações significativas, surpreendentes ou abruptas. Mas agora o padrão é outro: violenta volatilidade, com incidência de picos extremos a uma alta frequência.

As regras do BCE têm pouca margem para acomodar este cenário. Mesmo quando os tempos eram mais calmos, a ótica nunca foi olhar para os 2%: foi sempre olhar abaixo. Na verdade, não ver os 2% na mira, mas entendê-lo como teto. Desvios tipicamente aquém do limiar. Agora a sequência Covid – Disrupção das cadeias de abastecimento – Guerra na Europa levou ao disparar da evolução dos preços bem acima da experiência que vinha sido trilhada há décadas.

De facto, os banqueiros não ficam bem na fotografia usando botas da tropa. Mudam-se os tempos, mas as suas vontades de pertencer a um mundo de eficiência permanecem. Ao invés disso, no mundo real, a flexibilidade é um bom atributo para a sobrevivência. Mais de 20 anos depois do rolar do euro faria sentido uma reflexão sobre o refrescar de regras. Os habilidosos arquitetos do pacto monetarista confundiram, porém, robustez com rigidez. E hoje rigidez já não rima de todo com resiliência. 

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