Alimentos, substâncias e comportamentos: são mais de mil os produtos na lista da OMS com risco de cancro, aos quais se junta agora o aspartame

CNN Portugal , ARC
15 jul 2023, 11:00
Refrigerantes

O aspartame juntou-se, esta quinta-feira, a uma longa tabela de produtos que têm relação com o desenvolvimento de cancro. Alguns estão dados como certos, enquanto outros se encontram apenas sob suspeita. Há ainda uns quantos que já deram algumas provas, mas requerem mais estudos. A CNN Portugal falou com especialistas sobre o potencial cancerígeno dos alimentos incluidos na tabela da OMS e saber as recomendações que existem para o consumo.

São mais de mil produtos, desde substâncias como a gasolina, até a comportamentos e atitudes como beber café, passando pelos alimentos como o aspartame, que é a mais recente aquisição. Falamos da lista da OMS, que categoriza uma série de produtos relativamente ao potencial para desenvolver doenças cancerígenas.

Alguns estão dados como certos, depois de terem sido devidamente estudados e comprovados, encontrando-se, por isso, no grupo máximo da classificação. Outros, pelo contrário, estão ainda sob suspeita e requerem mais estudos. 

Nos níveis intermédios da classificação, há ainda alguns produtos que, embora já tenham mostrado algumas evidências, não estão completamente comprovados e as dúvidas permanecem. É o caso do aspartame, a mais recente entrada na tabela.

Classificado como potencialmente cancerígeno pela OMS esta quinta-feira, o adoçante, usado em refrigerantes como a Coca-Cola Zero, bolachas e até pasta dos dentes, é suspeito de causar cancro. Contudo, há ainda estudos a serem feitos e a organização não obriga a alterar os valores diários de consumo aceitáveis.

Os mais de mil produtos são divididos pela OMS, através da Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC, na sigla em inglês), consoante “o grau de risco” relacionado com o desenvolvimento de cancro, conta a nutricionista Ana Bravo.

No grupo com o risco máximo encontram-se as bebidas alcoólicas e as carnes processadas. Seguem-se as carnes vermelhas como produtos que já mostraram uma alta probabilidade de serem cancerígenos, mas que precisam ainda de estudos complementares.

Segue-se o aspartame que se juntou aos legumes em conserva, como os picles ou as cenouras, que já mostraram uma possível relação com as doenças cancerígenas, mas ainda não atingiram o consenso científico entre os peritos. E, por fim, sob suspeitas estão produtos como o chá, a sacarina (um outro adoçante como o aspartame) e o café, que ainda não foram estudados nem devidamente comprovados.

Bebidas alcoólicas

As bebidas alcoólicas estão na lista da OMS desde 2012 e pertencem ao grupo com maior relação às doenças cancerígenas, tendo passado em todos os testes e gerado consenso entre os especialistas.

É, por isso, uma substância que pode ser “eliminada por completo” da alimentação, garante a nutricionista Ana Bravo, que explica que nenhuma bebida alcoólica escapa a esta categorização. 

A OMS garantiu, em 2021, que mais de 10% dos casos de cancro atribuíveis ao álcool na Europa são resultado do consumo de apenas uma garrafa de cerveja (500 ml) por dia ou de dois copos de vinho (de 100 ml cada) diariamente. Em causa estão duas substâncias químicas, o etanol e o acetaldeído, que estão presentes nestas bebidas e que são consideradas cancerígenas.

Apesar de afirmar a relação com o desenvolvimento de cancros da cavidade oral, esófago, fígado, mama e colorretal, Maria José Bento apela à moderação no consumo. A diretora do serviço de epidemiologia do IPO refere que as “propriedades cardioprotetoras” que o vinho tinto possui são benéficas para o organismo.

Sabe que, em Portugal, a prevalência do consumo de álcool aumentou de 49,1% para 56,4% entre 2017 e 2022.

Carnes processadas

A par das bebidas alcoólicas, as carnes processadas encontram-se, desde 2018, no nível mais elevado de associação ao cancro pela OMS, depois de terem mostrado evidências científicas suficientes.

“Não consumir estas carnes é uma opção cada vez mais adotada e igualmente viável”, garante Ana Bravo, aconselhando a retirar este produto por completo da alimentação, que, em 2018, se souber estar ligado ao cancro colorretal e do estômago.

Em causa estão as técnicas de processamento às quais estas carnes são submetidas “para realçar o sabor ou serem conservadas”, explica Maria José Bento, do IPO do Porto. Em causa estão o defumar, o salgar ou o curar das carnes, que aumenta o risco de exposição a nitritos e nitratos, o que acontece, como explica a nutricionista Ana Bravo, nos casos da salsicha, do bacon, do presunto, do fiambre, da linguiça e do paio.

Pedro Graça, consultor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde (DGS) disse à CNN Portugal, no ano passado, que os portugueses consomem, em média, 23 gramas de charcutaria e outras carnes processadas por dia. Este valor supera os recomendados 50 gramas por semana.

Carnes vermelhas

Descendo na classificação, as carnes vermelhas são consideradas como provavelmente cancerígenas, desde 2015, quando a OMS as inseriu na lista. Sabe-se que o alimento pode ter relação com a doença, porque já deu algumas provas face ao cancro colorretal, mas há ainda dúvidas.

São todas as carnes musculares de mamíferos, lê-se no site da OMS, que passam pelas carnes de vaca, vitela, porco, borrego, carneiro, cavalo e cabra. 

Por esse motivo, o consumo deste alimento não deve ser superior a uma ou duas vezes por semana, diz Ana Bravo, nutricionista. No entanto, em 2022, Pedro Graça, do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da DGS, garantiu, à CNN Portugal, que também o consumo de carne vermelha no país é superior ao recomendado e que “está entre os fatores de risco que mais contribuem para a perda de anos de vida saudável”.

Aspartame (e sacarina)

O aspartame é a novidade da lista da OMS, tendo sido considerado como possivelmente esta quinta-feira. De acordo com a organização, os dados científicos não obrigam a alterar os valores diários de consumo aceitáveis.

Refrigerantes e sumos com designação “light”, “zero” ou “diet”, iogurtes sem açúcar, gelados, bolachas e pastilhas elásticas. São muitos os produtos em que o aspartame é usado como um substituto do açúcar. “Está muito espalhado”, garante Maria José Bento, a médica de saúde pública do IPO do Porto, referindo ainda a presença do edulcorante em pastas dos dentes e em cremes faciais.

Enquanto a nutricionista Ana Bravo aconselha a “reduzir ao máximo” a ingestão de produtos com a substância, Maria José Bento alerta para “o impacto na saúde pública” que o produto pode ter. Apesar da “evidência científica ser fraca”, como explica a nutricionista, o adoçante artificial está presente em cerca de 95% dos refrigerantes diet, o que, para Maria José Bento, é “preocupante”. 

O aspartame passou em alguns testes, mas ainda não está completamente provado, sendo ainda necessário fazer mais estudos. Ana Bravo, que aconselha a redução da ingestão de produtos com esta substância, explica ainda que “o aspartame não deve ser aquecido ou cozinhado”, correndo o risco de “perder o seu poder adoçante e ficar desfeito em substâncias mais simples e mais perigosas para a saúde”. 

Não é, no entanto, a primeira vez que um adoçante entra para a lista da OMS. Em 2015, a sacarina, um outro substituto do açúcar, foi considerada perigosa. Apesar da suspeita em torno da substância, a sacarina não está ainda estudada e comprovada face à relação com o cancro, encontrando-se no nível mais baixo da lista.

Legumes em conserva

Existem algumas provas da relação entre os legumes em conserva e o desenvolvimento de cancro, mas o produto tem de passar por novos testes para se chegar a uma conclusão. Encontram-se, por isso, num nível intermédio da lista, integrando o mesmo grupo ao qual se junta agora o aspartame.

Picles, cenoura, couve-flor. Estes legumes são vendidos em frascos e envolvidos numa mistura de sal, água e vinagre para a sua conservação. 

Assim, as indicações da organização são para evitar sempre que possível os legumes em conserva, mas os peritos afastam a ideia de bani-los por completo da alimentação.

O produto tem indícios de ligação ao cancro da faringe, do esôfago e do estômago.

Peixe salgado chinês e noz de areca

Não se encontram por cá, mas na lista constam também dois alimentos típicos da Ásia. O peixe salgado chinês e a noz de areca juntaram-se à lista da OMS em 2012. Ambos integram o grupo mais alto, o que significa que os estudos comprovaram a relação com o cancro.

O peixe salgado, tradicionalmente chinês, é submetido a um processo semelhante ao das carnes processadas, em que se utilizam substâncias para curar e preservar o alimento, neste caso, o sal. De acordo com a OMS, o alimento provou maior indícios de cancro da nasofaringe e do estômago.

Já a noz de areca, uma especiaria que provém de uma palmeira muito comum na Ásia, está associada ao cancro da boca. Por norma, é mascavada e adicionada a substâncias como o tabaco, que por si só já está na lista da OMS, intensificando os efeitos cancerígenos.

Estudos mais recentes mostraram, no entanto, que, mesmo quando consumida pura, a noz de areca está fortemente ligada à doença.

Os quatros níveis da classificação

A OMS, através da IARC, classifica a associação entre alimentos, comportamentos e estilos de vida e o cancro consoante a “força da evidência científica disponível”, explica Diogo Pestana, professor de Toxicologia Alimentar. 

Essas provas resultam de três tipos de estudos: testes epidemiológicos sobre o cancro em humanos, estudos experimentais em animais de laboratório e avaliação do agente para perceber se possui características reconhecidas dos mecanismos carcinogénicos em humanos. As conclusões resultam, depois, do consenso entre os peritos, que dividem os produtos em quatro categorias diferentes.

No grupo 1, onde estão as bebidas alcoólicas e as carnes processadas, encontram-se os alimentos considerados cancerígenos. É o nível mais elevado da relação com o cancro, em que a classificação é absoluta e existem evidências suficientes no efeito em seres humanos, explica o também investigador da NOVA Medical School. Neste patamar, estão também o tabaco e a radiação solar.

Seguem-se os produtos provavelmente cancerígenos, no grupo 2A, como as carnes vermelhas. Diogo Pestana esclarece que existem evidências suficientes nos estudos em animais, mas limitadas nos testes em humanos. Neste grupo, estão também os pesticidas.
O aspartame encontra-se no grupo seguinte, o dos produtos possivelmente cancerígeno, 2B, onde estão também os legumes em conserva ou a gasolina. Aqui a evidência é limitada nos seres humanos, é suficiente em animais ou apenas forte a nível mecanicista, ao mostrar que o agente possui características cancerígenas para os humanos, aponta o professor de Toxicologia Alimentar.

Por fim, no grupo 3, o nível mais baixo, estão os alimentos ainda não classificados como cancerígenos. Em causa estão provas inadequadas em pessoas e limitadas em animais e nos agentes dos próprios produtos, diz o especialista. São exemplos de alimentos deste grupo o chá, a sacarina (um outro adoçante como o aspartame) e ainda o café.

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