Adoçante sem calorias ligado a ataque cardíaco e AVC - um estudo "alarmante" sobre o eritritol

CNN , Sandee LaMotte
4 mar 2023, 19:00
Açúcar

Um substituto do açúcar chamado eritritol - usado a granel ou para adoçar stevia, monk fruit [fruta do monge] e produtos keto com baixo teor de açúcar - foi ligado à coagulação do sangue, AVC, ataque cardíaco e morte, de acordo com um novo estudo.

"O grau de risco não foi comedido", disse o autor principal do estudo, Stanley Hazen, diretor do centro de diagnóstico e prevenção cardiovascular do Cleveland Clinic Lerner Research Institute, nos Estados Unidos.

As pessoas com fatores de risco existentes para doenças cardíacas, como diabetes, tinham duas vezes mais probabilidades de sofrer um ataque cardíaco ou AVC se tivessem níveis mais elevados de eritritol no sangue, segundo o estudo, publicado na revista Nature Medicine.

"Se o nível de eritritol no sangue estivesse nos 25% superiores em comparação com os 25% inferiores, o risco de ataque cardíaco e Acidente Vascular Cerebral era cerca de duas vezes maior. Está ao nível dos fatores de risco cardíaco mais fortes, como a diabetes", indicou Hazen.

Pesquisas adicionais em laboratório e com animais, apresentadas no artigo científico, revelaram que o eritritol parecia estar a causar mais facilmente a coagulação das plaquetas sanguíneas - os coágulos podem desprender-se e viajar para o coração, provocando um ataque cardíaco, ou para o cérebro, causando um AVC.

"Isto soa certamente a alarme", observou Andrew Freeman, diretor de prevenção cardiovascular e bem-estar na National Jewish Health, um hospital em Denver, também nos Estados Unidos, que não esteve envolvido na investigação.

"Parece haver um risco de coagulação devido ao uso de eritritol. Obviamente, é necessária mais investigação, mas pode fazer sentido limitar por agora o eritritol na sua dieta", aconselhou Freeman.

Em resposta ao estudo, o Calorie Control Council [Conselho de Controlo de Calorias na tradução literal], uma associação industrial que representa os produtores de adoçantes, disse à CNN que "os resultados deste estudo são contrários a décadas de investigação científica que mostram que os adoçantes de baixo teor calórico, como o eritritol, são seguros, conforme evidenciado pelas autorizações regulamentares globais para a sua utilização em alimentos e bebidas", argumentou Robert Rankin, diretor executivo do conselho, por escrito.

Os resultados "não devem ser extrapolados para a população em geral, uma vez que os participantes na ação já apresentavam risco acrescido de eventos cardiovasculares", considerou ainda Rankin.

A Associação Europeia de Produtores de Polióis [álcool de açúcar] recusou-se a comentar, afirmando apenas que não tinha revisto o estudo.

O que é o eritritol?

Tal como o sorbitol e o xilitol, o eritritol é um álcool de açúcar, um carboidrato naturalmente presente em muitas frutas e vegetais. Tem cerca de 70% da doçura do açúcar e é considerado zero calorias, segundo os especialistas.

Fabricado artificialmente em grandes quantidades, o eritritol não tem sabor residual, não aumenta o açúcar no sangue e tem menos efeito laxante do que outros álcoois açucarados.

"O eritritol parece açúcar, tem sabor a açúcar e pode ser cozinhado como ele", explicou Hazen, que também dirige o centro de microbioma e saúde humana da Cleveland Clinic.

"Tornou-se o doce da indústria alimentar, um aditivo extremamente popular para o keto e outros produtos e alimentos com baixo teor de carboidratos comercializados para pessoas com diabetes", acrescentou. "Alguns dos alimentos rotulados para diabéticos que analisámos tinham mais eritritol do que qualquer outro item por peso."

O eritritol é também o maior ingrediente por peso em muitos produtos "naturais" de stevia e monk fruit, apontou Hazen. Uma vez que a stevia e o monk fruit são cerca de 200 a 400 vezes mais doces do que o açúcar, apenas uma pequena quantidade é necessária em qualquer produto. A maior parte do produto é eritritol, o que acrescenta o aspeto cristalino e a textura tipo açúcar que os consumidores esperam.

Uma descoberta inesperada

A descoberta da ligação entre o eritritol e os problemas cardiovasculares foi puramente acidental, revelou Hazen: "Nunca esperámos isto. Nem sequer estávamos à procura disto."

A investigação tinha um objetivo simples: encontrar substâncias químicas ou compostos desconhecidos no sangue de uma pessoa que pudessem prever o seu risco de ataque cardíaco, AVC ou morte nos três anos seguintes. Para tal, a equipa começou a analisar 1.157 amostras de sangue de pessoas com risco de doença cardíaca, recolhidas entre 2004 e 2011.

"Encontrámos esta substância que parecia desempenhar um grande papel, mas não sabíamos o que era", admitiu Hazen. "Depois descobrimos que era eritritol, um adoçante."

O corpo humano também produz naturalmente eritritol, mas em quantidades muito baixas que não seriam responsáveis pelos níveis obtidos, sublinhou.

Para confirmar a descoberta, a equipa de Hazen testou outro lote de amostras de sangue de mais de 2.100 pessoas nos Estados Unidos e mais 833 amostras recolhidas por colegas na Europa até 2018. Cerca de três quartos dos participantes em todas as três populações tinham doença coronária ou pressão arterial alta, e cerca de um quinto tinha diabetes, indicou Hazen. Mais de metade eram homens e tinham entre 60 e 70 anos.

Nas três populações, os investigadores descobriram que níveis mais elevados de eritritol estavam ligados a um maior risco de ataque cardíaco, AVC ou morte dentro de três anos.

Mas porquê? Para chegarem a esta conclusão, os investigadores fizeram mais testes em animais e em laboratório e descobriram que o eritritol estava "a aumentar o risco de trombose" ou de coagulação no sangue, descreveu Hazen.

A coagulação é necessária no corpo humano, ou sangraríamos até à morte devido a cortes e ferimentos. O mesmo processo está constantemente a acontecer internamente, também.

"Os nossos vasos sanguíneos estão sempre sob pressão, e nós temos fugas, e as plaquetas sanguíneas estão constantemente a tapar estes buracos", exemplificou Hazen.

No entanto, o tamanho do coágulo formado pelas plaquetas depende do tamanho do gatilho que estimula as células, explicou. Por exemplo, se o gatilho for apenas 10%, então só se obtém 10% de um coágulo.

"Mas o que vemos com o eritritol é que as plaquetas se tornam super responsivas: um simples estimulante de 10% produz 90% a 100% da formação de um coágulo", detalhou Hazen.

"Para pessoas com risco de coagulação, ataque cardíaco e AVC - como pessoas com doença cardíaca ou com diabetes - penso que há dados suficientes para dizer para se manterem afastadas do eritritol até que sejam feitos mais estudos", defendeu.

Oliver Jones, professor de química na universidade RMIT em Vitória, Austrália, argumentou que o estudo tinha revelado apenas uma correlação, não uma causa.

"Como os próprios autores notam, encontraram uma associação entre o eritritol e o risco de coagulação, mas não existe uma prova definitiva de que tal ligação exista", afirmou Jones, que não esteve envolvido na investigação.

"Quaisquer riscos possíveis (e ainda não comprovados) de eritritol em excesso teriam também de ser contrabalançados com os riscos muito reais para a saúde do consumo excessivo de glicose", sublinhou Jones.

Voluntários saudáveis

Numa parte final do estudo, oito voluntários saudáveis beberam uma bebida que continha 30 gramas de eritritol, a quantidade que muitas pessoas nos EUA consomem, disse Hazen, de acordo com o National Health and Nutrition Examination Survey, que avalia a nutrição americana todos os anos.

As análises ao sangue durante os três dias seguintes rastrearam os níveis de eritritol e o risco de coagulação.

"Trinta gramas foram suficientes para aumentar mil vezes os níveis de eritritol no sangue", indicou Hazen. "Permaneceu elevado acima do limiar necessário para desencadear e aumentar o risco de coagulação nos dois a três dias seguintes."

Quanto é 30 gramas de eritritol? O equivalente a comer um litro de gelado keto, disse Hazen.

"Se observar os rótulos nutricionais em muitos gelados cetónicos verá 'açúcar redutor' ou 'álcool de açúcar', que são termos para eritritol. Uma cerveja normal tem entre 26 e 45 gramas", observou.

"O meu coautor e eu temos ido às mercearias e olhado para os rótulos. Ele encontrou um doce comercializado para pessoas com diabetes que continha cerca de 75 gramas de eritritol", acrescentou Hazen.

Não existe uma "ingestão diária aceite", definida pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) ou pelo regulador norte-americano Food and Drug Administration, que consideram o eritritol como seguro.

"A ciência precisa de investigar mais a fundo o eritritol e com urgência, porque esta substância está amplamente disponível neste momento. Se é prejudicial, devemos sabê-lo", defendeu Freeman do National Jewish Health.

Hazen concordou: "Não me tenho em demasiada conta para fazer soar o alarme. Mas isto é algo que penso que temos de analisar cuidadosamente."

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