Usa adoçante no café ou outros produtos "sem açúcar"? Um novo estudo alerta para os efeitos destas "alternativas saudáveis"

29 ago 2022, 09:00
Adoçante (Universal Images Group via Getty Images)

Estudo analisou quatro adoçantes "não-nutritivos" - sacarina, sucralose, aspartame e stevia - e os resultados são surpreendentes

Um estudo publicado na revista Cell reacendeu o debate em torno dos adoçantes artificiais, que sempre foram controversos no mundo científico, sugerindo que, ao contrário do que se pensa, estes aditivos induzem alterações na resposta glicémica. Quer isto dizer que os adoçantes, considerados por muitos como uma "alternativa saudável" ao açúcar, podem não ser assim tão inofensivos.

O primeiro adoçante artificial foi descoberto no final do século XIX, por acaso, quando o químico Constantine Fahlberg estava a trabalhar no laboratório da Universidade de Johns Hopkins, nos Estados Unidos, com derivados de petróleo. Depois do trabalho, e já em casa, o cientista resolveu comer um pedaço de pão e, no momento, em que deu a primeira dentada, sentiu um gosto adocicado nos dedos. Constantine Fahlberg descobriu assim a sacarina, que rapidamente ficou conhecida em todo o mundo como uma alternativa ao açúcar tradicional.

Todavia, e apesar dos seus mais de 100 anos de história, a sacarina sempre gerou muita controvérsia no mundo da ciência: começou por ser promovida como uma alternativa para a perda de peso, chegou a estar associada ao cancro em ratos (entretanto, os cientistas descobriram que os humanos metabolizam a sacarina de forma diferente), e hoje em dia ainda existem muitas dúvidas quanto aos seus efeitos no organismo. 

Apesar disso, os adoçantes estão hoje muito presentes na nossa rotina alimentar e é quase impossível fugir deles. "Hoje em dia, quase tudo o que consumimos tem adoçantes. Isto porque procuramos quase sempre os produtos magros ou 'sem açúcar', que têm adoçantes - as bebidas como a cola têm adoçantes, os iogurtes têm adoçantes", exemplifica à CNN Portugal a nutricionista Rita Silva, do Hospital Lusíadas. Além disso, há quem adicione adoçantes ao café ou chá.

O novo estudo aponta evidências de que o microbioma humano (uma espécie de "segundo genoma", como o designa a correspondente médica da CNN Portugal Sofia Baptista) responde ao consumo de adoçantes artificiais, com repercussões na resposta glicémica. 

"Ou seja, estes adoçantes podem induzir alterações na resposta glicémica e a interface desta relação pode ser o microbioma intestinal", esclarece a médica especialista em Medicina Geral e Familiar, acrescentando que "a desregulação no microbioma intestinal tem vindo a ser associada a doenças como a diabetes, a obesidade, a doença inflamatória intestinal, entre outras".

Resultados que surpreendem

O estudo, publicado a 19 de agosto, analisou quatro "adoçantes não-nutritivos" (sem valor calórico) -  sacarina, sucralose, aspartame e stevia - e juntou 120 adultos saudáveis, que não consumiam previamente adoçantes artificiais. Os participantes foram aleatoriamente distribuídos por quatro grupos de intervenção (consumo de adoçantes em doses inferiores às doses diárias consideradas aceitáveis) e dois grupos de controlo. 

Durante duas semanas, os participantes ingeriram diariamente estes adoçantes, enquanto os investigadores monitorizaram os níveis de glicose e realizaram testes de intolerância à glicose.

O resultado? Todos os adoçantes induziram alterações no microbioma, e a sacarina e sucralose induziram resposta glicémica apreciável, ao contrário dos outros dois adoçantes. 

"Os nossos resultados sugerem que os micróbios intestinais e as moléculas que vivem dentro destes microorganismos se alteraram nos quatro grupos que ingeriram adoçantes não-nutritivos, cada um à sua maneira. Estas alterações não se verificaram nos grupos de controlo. Isto significa que [os adoçantes analisados] não são inertes para o microbioma humano", afirma Eran Elinav, autor do estudo e investigador do Instituto de Ciência Weizmann, citado pelo jornal El País.

Mas este estudo foi mais além: os investigadores procuraram testar a hipótese de que o microbioma estaria implicado nesta tradução em resposta glicémica e, para tal, realizaram transplante de fezes dos participantes dos diferentes grupos, recolhidas no início e no final do estudo, em ratos "estéreis, sem germes, e que não consumiram estes adoçantes". 

As respostas glicémicas dos ratos foram semelhantes às dos dadores humanos, ou seja, foram também elas "altamente personalizadas", diz Elinav. Isto significa que os adoçantes em análise "podem induzir alterações glicémicas em alguns [consumidores], mas não a todos, dependendo dos seus micróbios e dos adoçantes que consomem", explica.

Estas conclusões podem constituir o ponto de partida para se perceber o impacto dos adoçantes no organismo, uma vez que contraria a ideia generalizada de que os adoçantes, por não conterem açúcar, não teriam implicações na resposta glicémica.

De acordo com a médica Sofia Baptista, este é "um estudo bem conduzido, robusto, com resultados relevantes", e demonstra que não é por não terem "calorias", que os adoçantes não têm "efeito no organismo". Ou seja, "este estudo aponta que [os adoçantes] não são inertes", resume.

Ainda assim, acrescenta, "são necessários mais estudos, com maior tempo de seguimento dos participantes, que incluam populações diferentes (pessoas com obesidade e diabetes tipo 2, por exemplo) e com amostras maiores (maior número de participantes) para podermos perceber melhor os mecanismos de ação, impacto e efeitos a longo prazo destes adoçantes artificiais".

A conclusão que ninguém pode refutar

Embora reconheça as limitações do estudo, incluindo a curta duração do ensaio clínico (duas semanas), Eran Elinav diz-se "surpreendido com a rapidez com que se desenvolveram as mudanças induzidas" pelos adoçantes. O investigador acrescenta, contudo, que algumas alterações foram reversíveis assim que os participantes deixaram de ingerir os adoçantes, concordando que são necessários mais estudos para aprofundar o impacto a longo prazo.

É certo que ainda restam muitas dúvidas quanto aos efeitos dos adoçantes no organismo, mas, de acordo com Elinav, há uma questão comprovada neste estudo que ninguém pode refutar: os testes deixam claro que os adoçantes "não são inertes".

"Na minha opinião enquanto médico, uma vez que já ficou provado que [os adoçantes] não são inertes para o corpo humano, a análise sobre os seus potenciais impactos na saúde é da responsabilidade de quem promove o seu uso, e não devemos presumir que são seguros até prova em contrário."

Esta conclusão é validada por especialistas independentes, como o gastroenterologista Francisco Guarner, ex-presidente do Consórcio Internacional do Microbioma Humano, que considera esta descoberta "muito importante", tendo em conta que "o consumo destes adoçantes é cada vez maior e há a ideia generalizada de que são inertes, mas não são, [pois] alteram a microbiota intestinal e a forma como o organismo processa os níveis de glicose".

Ainda assim, Francisco Guarner sublinha algumas limitações do estudo, admitindo ter dúvidas de que as alterações na tolerância à glicose sejam provocadas pela alteração no microbioma. "Esses miligramas de adoçante provavelmente não têm impacto [no microbioma] se a pessoa, por exemplo, seguir uma Dieta Mediterrânica e praticar exercício físico", sugere.

Açúcar ou adoçante?

Açúcar ou adoçante: qual a melhor opção? (Jens Kalaene via GettyImages)

Perante estes resultados, é natural que se questione qual a melhor opção: o consumo de açúcar ou de adoçantes artificiais? Para a nutricionista Rita Silva, a resposta é clara: nem um, nem outro.

"A grande conclusão aqui é que devemos adaptar o nosso paladar e reduzir o consumo tanto de açúcar, como de adoçantes", salienta, argumentando que a substituição do açúcar pelo adoçante só vai "manter a apetência pelo sabor doce".

Além disso, sublinha, os estudos que têm vindo a ser publicados sobre os adoçantes artificiais mostram que realmente o seu consumo está associado a "uma série de alterações não só na resposta glicémica, mas também no microbioma.

"Portanto, não é assim tão bom usarmos adoçantes, mas também não podemos dizer que o açúcar é melhor", sintetiza.

Contudo, quando o objetivo é a perda de peso, a nutricionista recomenda a utilização de stevia, que é um adoçante de origem natural, ao contrário dos restantes, e que, como o estudo de Eran Elinav mostrou, "não está associado a alterações na resposta glicémica", ao contrário da sacarina e sucralose.

Plantação de stevia no Paraguai (Norberto Duarte/AFP via GettyImages)

Apesar de as dúvidas quanto ao impacto dos adoçantes na saúde continuarem por esclarecer, os especialistas pedem às pessoas não entrem em pânico e lembram que, para já, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar - responsável pela prestação de pareceres científicos para apoiar a legislação e políticas da União Europeia (UE) - classifica este produtos como "seguros".

Além destes quatro adoçantes alvo de estudo, na UE estão aprovados para uso em alimentos e bebidas os seguintes adoçantes: acessulfame-K, ciclamino, taumatina, neo-hesperidina DC, glicosídeos de esteviol, neotame, sal de aspartame e acessulfame, e advantame.

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