Disciplina, organização e logística. Podem "as características dos militares" resolver os problemas do SNS?

24 mai, 18:00
António Gandra d'Almeida

A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, escolheu um militar para substituir Fernando Araújo na direção-executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas não é a primeira vez que um Governo chama um militar para liderar a Saúde num momento difícil

É militar de formação e descrito como alguém que procura o diálogo e o encontro de soluções. Quem trabalhou com o tenente-coronel António Gandra D’Almeida, o homem escolhido para chefiar a direção-executiva do SNS, elogia a sua capacidade de liderança e de gestão de equipas, características que herdou da sua formação militar. Para quem já dirigiu a Saúde em Portugal, essas características são importantes “mas a gestão do SNS não se esgota nelas”.

“O tenente-coronel tem formação militar e isso garante-lhe características importantes na área do planeamento, o que é fundamental para algo tão complexo como a Saúde. A disciplina, a organização e a logística são fundamentais para o SNS, mas a gestão do SNS não se esgota nelas. É preciso gerir pessoas e definir estratégias”, diz à CNN Portugal Luís Filipe Pereira, antigo ministro da Saúde.

António Gandra D’Almeida, de 44 anos, é militar de carreira e é o Comandante do Agrupamento Sanitário do Exército Português. Em 2021, as suas capacidades de gestão foram colocadas à prova, ao ser nomeado diretor regional da delegação do Norte do INEM, numa altura em que esta delegação era aquela que “recebia mais queixas”. Quando foi afastado da instituição, no final de janeiro de 2024, a situação tinha-se invertido por completo. “Passou a ser a delegação que menos queixas recebia no país”, conta Rui Lázaro, presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, que sublinha que o militar demonstrou ser alguém que procura o “diálogo com todas as partes e a construção de soluções”.

Para o major-general Isidro de Morais Pereira, isso deve-se em parte com o facto de a formação militar incutir nos seus profissionais boas características para poderem ajudar a organizar de forma mais eficaz as instituições. Isto porque a educação militar tem fortes componentes ligadas à disciplina e à organização logística. 

“Um militar não consegue viver em desorganização e gosta de controlar a execução”, afirma o especialista militar, que garante que a disciplina e a capacidade de planeamento são duas particularidades que são incutidas na formação militar e que podem vir a fazer diferença.

E esta não é a primeira vez que um militar é chamado para desempenhar funções na área da Saúde. Em 2021, o almirante Henrique Gouveia e Melo e o coronel Carlos Penha Gonçalves foram escolhidos para substituir Francisco Ramos na liderança da Task Force para o Plano de Vacinação contra a covid-19 em Portugal, após uma polémica em torno de vários casos de vacinação indevida. A campanha de vacinação chefiada pelos militares foi vista como um sucesso, o que ajudou a cimentar a boa imagem dos militares junto da população.

“Porque é que as pessoas têm uma boa impressão da gestão da pandemia? Porque as pessoas se lembram do êxito da vacinação. A logística funcionou muito bem e foi um militar que conduziu o processo. Organização e logística. As características militares foram fundamentais para a campanha de vacinação”, sublinha Luís Filipe Pereira.

Mas os problemas do SNS não são apenas do foro logístico. Atualmente, o sistema de saúde português atravessa fortes constrangimentos em diversas frentes. O envelhecimento da população leva a um natural aumento da população com comorbilidades, o que coloca ainda mais pressão no sistema. Além disso, existem desafios em relação às novas populações que são acolhidas em Portugal e desafios na área da tecnologia e da transição climática.

Um dos problemas mais urgentes que terão de ser resolvidos pelo tenente-coronel é reverter a saída de profissionais de saúde do SNS, numa altura em que as exigências no setor não param de aumentar. De acordo com o documento ao qual a CNN Portugal teve acesso, espera-se a saída de cinco mil profissionais apenas este ano, por ter chegado à idade da reforma.

Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, considera que o passado militar do homem escolhido pelo Governo não é um “fator determinante”. O administrador insiste que é mais importante Gandra D’Almeida ter desempenhado funções de chefias e conhecimento da rede de emergência, dos meios e do dispositivo, do que as características adquiridas na formação militar. Para Barreto, os civis com experiência e formação semelhante aos militares são tão capazes quanto estes para desempenhar posições de gestão.

“Acredito que depende mais da pessoa, do seu perfil e da sua liderança do que do seu passado militar. O anterior diretor-executivo estava menos apto por não ser militar? Não me parece. O facto de vir do ramo militar ou civil não é determinante. Há pontos onde a formação militar e civil se tocam, como a gestão de operações ou de equipas. Mas não me parece que o facto de ser militar capacite as pessoas”, defende Barreto.

Mas o impacto do homem escolhido pela ministra da Saúde para chefiar a direção-executiva do SNS não vai depender só das suas características pessoais. O Governo prepara-se para alterar a “estrutura orgânica” de forma a “simplificar” e mudar as competências funcionais o organismo. O objetivo do executivo é dar uma resposta “mais adequada à complexidade das respostas de saúde”, articular as diferentes áreas, do financiamento aos recursos humanos.

Para Adalberto Campos Fernandes, a direção-executiva de Fernando Araújo tinha “uma dimensão estratégica muito forte” e uma “grande concentração de poderes”. As alterações propostas pelo Executivo podem vir a implicar uma perda de poderes para o novo director-executivo.

“[Gandra D’Almeida] É um médico operacional. É um homem do terreno. Mas o seu impacto depende do mandato que terá. É muito importante conhecer as alterações ao estatuto que vão existir e qual vai ser a repartição de competências. É possível que a estrutura venha a ter menos poderes estratégicos e administrativos”, antecipa Adalberto Campos Fernandes, comentador da CNN Portugal e antigo ministro da Saúde.

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