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Diretor de Informação da TVI

Eu sou mais casmurro do que tu

29 dez 2021, 23:20

As entrevistas que António Costa e Rui Rio deram esta semana à CNN Portugal não auguram nada de bom para a campanha eleitoral que se avizinha. Tudo espremido, não se retira de nenhuma delas uma única proposta política. Algo a que os eleitores se possam agarrar para decidir o seu sentido de voto.

Comecemos pela entrevista de António Costa. O primeiro-ministro que não aceita ser outra coisa que não seja isso, que traça linhas vermelhas à sua direita – e nisso parece ser bastante coerente – e que, pedindo de forma envergonhada uma maioria absoluta, continua, na verdade, a suspirar por uma geringonça de esquerda.

Não é que seja casmurro. António Costa é antes um político convicto de que o país não se governa ao centro, mas à esquerda, mesmo depois de ter sido “traído” por essa mesma esquerda, quando já tinha oferecido os anéis e os dedos para salvar um governo que ele próprio deixou cair de podre. Se alguém ainda não tinha percebido, ficou agora claro que Antonio Costa – que não o PS – nunca, jamais, em tempo algum fará acordos com o PSD, que a geringonça, para ele, não está morta e, muito menos, enterrada e que uma maioria absoluta seria muito bem-vinda. Mas como pode alguém pedir uma maioria absoluta sem dizer ao que vem?

Que lições retira, afinal, o primeiro-ministro em funções da gestão da pandemia, quando, quase dois anos depois e depois dos milhões atirados para cima do problema, o Serviço Nacional de Saúde continua a depender do espírito de missão e da resiliência, como lhe chamou Marta Temido, de profissionais explorados e mal pagos? Que lições retira António Costa da novela Eduardo Cabrita e de todos os esqueletos que ele deixou no armário do Governo? Seis anos depois, que reformas – talvez reformas seja pedir muito –, que propostas tem para resolver os problemas estruturais na justiça? Sim, a justiça que demora, que é cara e que continua cega para pobres e de olho aberto para os afortunados que se dão ao luxo de gozar com ela. Que proposta política tem o candidato do PS para retirar Portugal da periferia económica da Europa e fazer crescer os salários sem ser administrativamente?

As dúvidas que pairam sobre o líder do PSD não são muito diferentes. O convicto – que não casmurro – Rui Rio, que anda coerentemente há quatro anos a defender – e bem – que não pode haver reformas de monta no país sem um acordo com o Partido Socialista, mas nunca as concretiza. Para lá da espuma de tweets do dia a dia, que alternativa política tem Rui Rio para oferecer ao país?

E no caso do Presidente do PSD era particularmente importante que dissesse ao que vem, para ninguém ficar surpreendido caso venha a ser eleito primeiro-ministro. Os anos de crítica constante à justiça e aos que nela trabalham irão consubstanciar-se exatamente em quê? Que plano terá o presidente do PSD para acabar com justiça de tabacaria que o próprio crítica amiúde mas exerce quando lhe dá jeito? Qual é a resposta de um líder social-democrata para aliviar o fardo de impostos sobre quem trabalha? Já agora – e se não fosse pedir muito – seria mesmo útil que Rui Rio explicasse ao país a sua conceção muito própria de liberdade de imprensa e como lidará com ela se um dia nos governar.

Até à data, noves fora, nada. É verdade que a campanha eleitoral ainda vai no adro, que ainda faltam duas semanas de intensos debates e mais duas na estrada, no famoso roteiro da carne assada. Mas talvez fosse mais útil, daqui para a frente, começarmos a ouvir falar de políticas, e não só de política. Porque sobre o feitio de António Costa e de Rui Rio estamos todos esclarecidos. Quando me chamam teimoso ou casmurro, também respondo sempre que estou apenas a ser convicto. 

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