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Colunista e comentador

Não sejam românticos - vocês não mandam nada!

19 abr 2022, 12:10
A paixão pelo futebol

Gosta de Futebol? Isso é bom! 

Gosta de ver o seu clube do coração ganhar? Isso é natural.

Gosta mais de ver o seu clube ganhar em vez de ver um bom jogo, independentemente do resultado? Isso é o que mais se vê por aí e isso não é gostar de futebol.

Deixem-me dizer-lhes que o futebol está como está em Portugal — soterrado pelo jogo das influências e pelos medos e ameaças que são induzidos — por causa dessa mentalidade enraizada há anos: a competição é um pretexto para se afirmarem poderes e para se fazerem meganegócios.

O futebol, na sua dimensão técnica, física e táctica, deixou de ser o mais importante para se transformar num pretexto a partir do qual se deu palco a um conjunto de figuras mais ou menos secundárias que se acotovelam para reivindicar o maior bocado que a ‘máquina’ gera.

[Há dois momentos que guardo na memória quando se fala em gostar verdadeiramente de futebol: as finais da Taça de Inglaterra no velho Wembley (que maravilha!) e a forma como os adeptos escoceses - a perder - apoiaram sempre a sua seleção, neste caso concreto no Europeu da Suécia, no qual brilharam jogadores como Peter Schmeichel, Frank Rijkaard, Brian Laudrup, Éric Cantona, Dennis Bergkpamp, entre outros]

Alegria, respeito, mesmo que o resultado fosse de 0-1 a 0-3 e, no final, palmas para os intérpretes.

Aqui, em solo lusitano, construiu-se um ‘monstro’ que atua para se ganhar a qualquer preço, quer através das influências e dos compadrios, quer através de técnicas mais sofisticadas que visam roubar a autonomia e a independência a quem deveria ser autónomo e independente — e atuar sempre que o ‘monstro’ se mobiliza coercivamente para subverter as regras e não deixar que as oportunidades sejam iguais para todos.

O futebol em Portugal sempre teve uma componente de paixão que conduziu a cenas menos edificantes (nunca foi um modelo de desportivismo e de aceitação da superioridade alheia), mas houve um tempo em que os adeptos e sócios conseguiam conviver com as suas diferenças e, no meio dos excessos e rivalidades, lá iam preservando os mínimos na edificação da festa.

Os sócios sentiam-se ‘donos’ dos clubes, as assembleias gerais eram disputas acesas de ideias divergentes, viam-se pavilhões cheios a promover a discussão, embora — mesmo depois do 25 de Abril — o futebol nunca tenha promovido em Portugal um modelo de liberdade a honrar verdadeiramente a democracia.

A estúpida ‘guerra’ Norte-Sul repôs direitos que eram recusados a Norte (sobretudo antes da Revolução), mas o país ficou dividido, sendo que a parte errada foram os métodos utilizados para garantir maior equidade na divisão desses direitos.

Isso teve um lado de afirmação de poder, refletido nos resultados, mas teve um lado dramático que foi a institucionalização da guerrilha, vendo-se os protagonistas na necessidade de não olhar para o jogo e para a sua componente desportiva mas para aspetos marginais, conciliados com a necessidade de vencer a qualquer preço e, com isso, fazer receitas.

Pensava-se que — com o advento das SAD — ia haver um controlo muito maior das contas e dos défices, mas a organização do futebol, não obstante a intervenção sempre muito romântica e injusta da UEFA (quantos superclubes fugiram às regras do fair-play financeiro, agora enterrado enquanto modelo de regulação?!), foi sempre capaz de ir adiando a progressiva asfixia de conseguir gerar 1000 para gastar 3000.

Os clubes no vermelho, dirigentes e intermediários superendinheirados, e os sócios cada vez menos importantes na equação, a elegerem corpos sociais que acabam por ter, internamente e para o exterior, uma relevância sem expressão (mas com a barriga a rebentar de mordomias).

O modelo utilizado nos últimos 20 anos faliu. E você, gostando mais ou menos de futebol, se paga as quotas e ainda tem aquela velha e romântica ideia de que é ‘dono’ do clube e possui vontade própria, esqueça. Isso já não acontece hoje e vai ser uma realidade ainda mais inelutável amanhã.

… E sabe porquê? Porque foram anos de enganos e de indecências, com muita gente a encher os bolsos à conta da sua indiferença ou da sua paixão.

Esqueça: você não manda nada e vai assistir à morte do associativismo. Estão aí os investidores (que se estão nas tintas para a sua paixão e para aquilo que você sente, passado por pais e avós), os ‘Textores da vida’ e outros afins.

A pequena resistência só se justificaria se houvesse travões a fundo. Acha que vai haver?

Agradeça àqueles que, durante décadas, utilizaram a criatividade para fugir a modelos consistentes e regulados (ficando super-ricos) e agradeça a si próprio que só se preocupou em vencer e participar nas guerras de bastidores, com claques ou sem elas.

Você não manda nada e, no meio de tantas falências (moral e financeira), ainda vai assistir ao momento em que, confrontado com a exaustão, o seu grande clube vai ser tomado - sem ses nem mas — por capital oriundo sabe-se lá de onde (ou talvez se saiba).

Ainda acha que há espaço e tempo para a consagração dos ‘heróis’ que se governaram à conta da sua paixão?

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