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Este texto é uma carta de apreço àquelas e àqueles que se dedicam a colocar-nos comida no prato todos os dias

16 out 2023, 15:23

A 16 de Outubro celebra-se o dia mundial da alimentação. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, 1,9 mil milhões de pessoas são obesas e, simultaneamente, 45% das mortes de crianças com menos de 5 anos surgem de complicações relacionadas com problemas de má nutrição. O mundo precisa de acesso a melhores dietas e mais sustentáveis. Aproximadamente 20% das emissões de CO2 estão de alguma forma relacionadas com os nossos sistemas alimentares. É preciso reduzir emissões e respeitar a biodiversidade, tornar as nossas colheitas mais resilientes a climas mais severos, e continuar a produzir nutrição de alta qualidade, como explica a bióloga Iida Ruishalme neste curto vídeo. O ideal seria que as opções mais saudáveis fossem as mais baratas e, simultaneamente, as mais sustentáveis.

Mas em agricultura “não há soluções, apenas compensações” como diz o microbiólogo e cineasta Hidde Boersma nos seus documentários. Num vídeo de três minutos e meio, Hidde explica também qual a invenção que mais vidas salvou até hoje: os fertilizantes sintéticos. Metade das pessoas hoje vivas devem a sua vida a esta invenção. A revolução verde de Norman Borlaug (prémio Nobel da Paz em 1970) consistiu na modernização da agricultura para como a conhecemos hoje: mecanizada, eficaz, produtiva. Os dias de subsistência da Humanidade ficariam finalmente para trás.

A variação (ano de 1960 é a referência) na produção de cereais (vermelho), rendimento de produção por unidade de área (verde), evolução da população mundial (púrpura) e terreno usado para a produção de cereais. Fonte: OWID.

Parte da revolução de Borlaug consistiu no uso racional de pesticidas e fertilizantes, algo que os ambientalistas tradicionais tentam há muito proibir, advogando por uma agricultura “100% orgânica/biológica” e por comida “livre de químicos” (a água é um químico, mas continuando). Um laboratório vivo desta visão pode ser visto no Sri Lanka. Um país exportador de arroz e chá até 2021, o governo do Sri Lanka forçou uma agricultura 100% biológica à sua população. O resultado não se fez esperar: as produções caíram a pique e instalou-se uma crise alimentar. O Sri Lanka, que tinha sido recentemente classificado como um país de PIB médio-baixo, viu a sua economia contrair 3.8% em 2023 em grande parte devido à adoção de medidas ideológicas.

As medidas adoptadas no Sri Lanka foram aplaudidas pelos ativistas ambientais que se opõem a métodos cientificamente comprovados, como as Novas Técnicas Genómicas. Resumidamente, a manipulação do material genético de organismos de forma mais precisa, eficiente, e segura, permite que as plantas adotem traços desejáveis em vez de esperar várias gerações para que a evolução desses organismos fizesse o mesmo. A própria Comissão Europeia mostra-se favorável à adoção destas técnicas na União Europeia. No texto da proposta, lê-se que:

  • Os agricultores beneficiariam de uma maior disponibilidade de plantas adaptadas para satisfazer as necessidades do sector, tais como resiliência climática, resistência a pragas, melhor rendimento e redução da necessidade de fertilizantes e pesticidas.
  • Os consumidores poderiam escolher entre mais produtos alimentares com sabor melhorado, melhores propriedades nutricionais ou níveis reduzidos de substâncias causadoras de alergias, ao mesmo tempo que adquiririam produtos que contribuíssem para a sustentabilidade.

Como uma peça recente da CNN comprovou, os ativistas encontram-se totalmente isolados. Tanto profissionais do setor alimentar como académicos estão de acordo: as técnicas genómicas são seguras, eficazes, e, acima de tudo, necessárias para garantir segurança alimentar. É graças aos académicos e profissionais agrícolas que tem havido uma enorme evolução no setor alimentar. Um estudo de 2018 faz notar que, desde os anos 50 do século passado, a utilização de produtos fitossanitários por hectare de área agrícola caiu a pique: redução de 92% para Fungicidas. 97% para Inseticidas e 98% para Herbicidas. Onde antes se utilizava 2400 gramas de herbicidas por hectare, a evolução do estado arte permitiu baixar esse número para 75 gramas por hectare.

A maioria dos peritos defende que a alimentação do futuro deverá ser maioritariamente à base de plantas. Esta teria de ser a maior mudança comportamental da nossa espécie em toda a sua história. Não se faz de um dia para o seguinte, nem se pode forçar as pessoas a fazê-lo. Alternativas proteicas modernas precisam-se. É aqui que surgem a carne cultivada, descrita nesta peça da CNN, e a fermentação de precisão. Estas técnicas ainda não são competitivas economicamente, mas há um crescente investimento e desenvolvimento por parte dos EUA, China, Israel, e vários países Asiáticos, constrangidos pela sua área. Ambas resolvem a questão ética do consumo de proteína via abate animal. São ainda “soluções para ricos” mas poderiam não ser. Foi isso que uma carta aberta recente endereçada a Ursula von der Leyen fez: pedir à União Europeia a apostar seriamente no investimento em Fermentação de Precisão para combater o problema da sustentabilidade e da independência alimentar.

No fim do dia trata-se de abrir avenidas e oferecer alternativas nutritivas e sustentáveis. As várias técnicas não têm que competir umas com as outras, mas poderiam complementar-se magnificamente se todas fossem nutritivas e economicamente acessíveis.

NOTA: Este texto pode conter algumas imprecisões, a minha área de expertise não é esta. Este texto é uma carta de apreço àquelas e àqueles que se dedicam a colocar-nos comida no prato todos os dias.

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