Alimentação do futuro ou solução perigosa? Europa prepara-se para aprovar lei que permite alterar geneticamente as plantas

21 ago 2023, 07:00
Agricultura (Associated Press)

Quem defende a aplicação das Novas Técnicas Genómicas garante que a União Europeia já vai atrasada e que não há mesmo outra via. Mas quem está contra esta tecnologia avisa para os possíveis problemas para a saúde e para o ambiente. Quem tem razão?

Uns veem nelas a única possibilidade de assegurar um futuro sustentável e a certeza de que não vai faltar comida no mundo daqui a uns anos. Outros entendem que há riscos de saúde pública e que pode estar em causa o futuro do planeta.

As Novas Técnicas Genómicas (NTG) estão em discussão na União Europeia, dividindo países e áreas, desde a ciência à política. Em causa está uma tecnologia que, segundo a própria Comissão Europeia, se baseia em “ferramentas inovadoras que podem ajudar a aumentar a sustentabilidade e resiliência do nosso sistema alimentar e apoiar a execução do Pacto Ecológico Europeu e a Estratégia do Prado ao Prato”.

São alterações genéticas ao material de um organismo que visam melhorar as plantas, tornando-as mais resilientes às alterações climáticas e a pragas resistentes, enquanto reduzem a utilização de adubos e pesticidas, permitindo assim garantir rendimentos mais elevados.

Isso é o que consta da proposta que deu entrada na sede dos 27 países, sendo que numa secção sobre esta tecnologia a União Europeia parece ser taxativa: precisamos das NTG para uma evolução sustentável. O objetivo é fazer com que esta tecnologia deixe de responder à diretiva sobre os Organismos Geneticamente Modificados (OGM), até porque essa diretiva foi criada em 2001, quando as NTG ainda não existiam.

O Governo português é um dos muitos que apoiam esta medida, algo que é bem visto pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). À CNN Portugal, o secretário-geral desta organização refere que esta tecnologia não faz nada mais do que acelerar aquilo que seria um comportamento natural da planta. “Trata-se de uma alteração genética das plantas relativamente ao que a natureza faz. Ao longo dos milénios a evolução das plantas fez-se com mutações genéricas, isto não é mais do que acelerar essa mutação”, afirma Luís Mira, separando esta tecnologia dos OGM.

O responsável avança mesmo com um exemplo para mostrar como a ciência tem de avançar. “Houve uma carga negativa com a mutação genética, mas depois, com a covid-19, todos estenderam o braço a uma vacina desse tipo”, sublinha.

O princípio da precaução

Esta foi, certamente, a expressão mais utilizada pela representante da Plataforma Transgénicos Fora, Lanka Horstink, durante a conversa telefónica com a CNN Portugal. A ambientalista, para quem NTG e OGM são similares (a plataforma define-os como novos OGM e tem uma petição pela sua regulamentação), não está liminarmente contra esta tecnologia, mas quer, como os seus pares, que seja estudada de forma mais aprofundada, garantindo que não existem mesmo riscos secundários da sua aplicação.

A também membro da Quercus garante que as plataformas ambientais portuguesas não são contra a tecnologia em si, mas sim contra a sua aplicação ao ar livre, fora dos laboratórios, sobretudo sem que sejam realizados estudos suficientes.

“Temos enormes reservas e somos contra a sua utilização sem avaliação de risco para a saúde pública e o ambiente”, afirma, defendendo que se aplique o “princípio da precaução” até que não esteja claro para todos que não existem mesmo efeitos nocivos da aplicação das NTG.

Lanka Horstink garante que a utilização destas técnicas noutros países, como os Estados Unidos, “não tem um historial positivo”, até porque “aumentou o uso de pesticida e de herbicida”.

A ambientalista afirma que estes produtos são desenvolvidos para resistir a determinados herbicidas, mas também para produzirem o seu próprio inseticida, o que pode trazer um fator nocivo. “Uma planta resistente a um herbicida vai criar a situação em que o agricultor se sente à vontade para espalhar herbicida. Pode haver um uso exagerado”, nota.

Mais alimentos e mais baratos?

Para Luís Mira esta alteração vai trazer uma vantagem clara. “É uma tecnologia sustentável e ecológica”, diz, falando na menor utilização de herbicidas, mas também de água, que nesta altura é um fator limitante em muitas regiões europeias, com Portugal a ser um dos países afetados (veja-se a seca no Alentejo).

O que a CAP e os defensores da alteração defendem é que as NTG “vão levar a que a planta seja mais resistente”. O mesmo é dizer que um abacateiro, por exemplo, precisará de consumir muito menos água no futuro do que o que consome agora, ficando também mais resiliente ao aparecimento de pragas que podem danificar a cultura.

Na ótica da CAP isso significa um futuro mais sustentável, mas há outra razão: a variação dos preços. É que, se a agricultura fica mais barata e se produz mais, inevitavelmente os preços vão descer, uma vez que a oferta aumenta.

“A alimentação é mais barata e tem uma qualidade superior em relação há 40 anos”, lembra Luís Mira, dizendo que, com a aplicação de mais tecnologia, será natural o aumento da produtividade.

O secretário-geral espera, assim, que a medida possa mesmo avançar, confessando uma convicção de que “nestes 25 anos a tecnologia vai melhorar muito e vão surgir novas soluções” que vão permitir responder a um dos maiores problemas do futuro: a alimentação.

Também é nesta visão que se insere Mariana Sottomayor, que não tem dúvidas em dizer que "os alimentos podem ser mais, mas também mais baratos". E até com mais qualidade nutricional. Mas vamos por partes. A professora universitária diz que estas técnicas "vão ser uma grande parte da solução para o futuro", nomeadamente na resposta à resistência das plantas à secura dos solos e à escassez de água, mas também na resistência a pestes, uma vez que as plantas baixam as suas defesas com os golpes de calor, que se preveem vir a ser mais frequentes e mais intensos.

"Com as alterações climáticas aparecem novas doenças e isto surge a um ritmo muito acelerado. Só vamos conseguir plantas resistentes e com produtividade se utilizarmos estes melhoramentos rápidos", insiste a especialista, reforçando que "temos tecnologia, mas precisamos de saber onde".

Por isso mesmo se faz a investigação, que já permitiu identificar uma série de alterações possíveis às plantas. Mas procuram-se mais: "neste momento até se utiliza a Inteligência Artificial e o machine learning para perceber como as plantas funcionam e para percebermos onde temos de atuar para podermos obter plantas melhoradas", explica Mariana Sottomayor.

No limite, diz a investigadora, tudo isto permitirá combater os efeitos das alterações climáticas, através de uma mais eficiente utilização da água, mas também evitar mais poluição, sobretudo através de uma maior eficiência no uso de azoto, um dos fertilizantes mais utilizados, e que acaba por ser caro e poluente.

"Tudo isto vai permitir uma agricultura muitíssimo mais eficiente e com menor impacto ambiental. Também traz maior valor nutritivo para atacar deficiências nutricionais e até há coisas não essenciais como o sabor", conclui. Sim, os defensores das NTG também procuram introduzir mais nutrientes nos alimentos, que podem até vir a ficar mais saborosos.

Lanka Horstink tem uma visão diferente. Para a representante da Plataforma Transgénicos Fora os NTG não têm mais produtividade que as plantas híbridas. A responsável dá o exemplo português, similar ao resto do sul da Europa, onde as variedades tradicionais são “preservadas ao longo de centenas de anos”, muitas delas resistentes a alterações climáticas, seca e pragas e doenças.

“Adaptam-se de forma muito mais rápida. A adaptação é feita pelo agricultor, não pelo laboratório. Faz-se de forma natural e sem grandes custos”, aponta, dizendo que não é pela implementação desta tecnologia que se vai resolver o problema da insegurança alimentar.

Além disso, e sobre a questão do preço em concreto, Lanka Horstink também diz que a descida dos custos não é assim tão linear. Desde logo porque será necessário o patenteamento da tecnologia, o que, defende, deixa de fora “pequenos agricultores”, para quem esta alteração pode ser a “morte”.

“Vai aumentar os preços, obriga a assinar vários contratos e fica-se preso num sistema que acaba por encarecer. Só grandes empresas é que aguentam este tipo de sistema. O pequeno e médio agricultor acaba por desaparecer”, vinca.

Ainda sobre os efeitos das plantas os ambientalistas que estão contra a medida veem um entrave: a colocação de modificações genéticas pode fazer desaparecer espécies. “No limite pode criar um desastre absoluto porque, por causa de uma árvore, podem desaparecer outras”, afirma Lanka Horstink, dando um exemplo de que um carvalho geneticamente modificado pode vir a acabar com as espécies naturais da sua família, entre as quais também se incluem os sobreiros.

“Com as flores o efeito pode ser ainda mais rápido, porque estamos a perder os polinizadores”, termina.

Risco de saúde pública?

Um dos maiores medos de quem está contra a aprovação das NTG é que possam vir a existir riscos de saúde pública, nomeadamente através da contaminação de alimentos que depois vão parar ao nosso prato.

Os defensores da medida dizem que isso nunca estará em causa, mas a Plataforma Transgénicos Fora garante que esta tecnologia “não cumpriu nenhuma promessa”. Lanka Horstink menciona vários estudos que indicam que ainda não é possível prever os efeitos das alterações nos genes das plantas.

“Na reparação do ADN há uma série de processos que se envolvem, incluindo a influência do e no ambiente. Nunca se restringe a alteração na planta ao sítio onde foi feito”, explica, voltando a defender o princípio da precaução.

Um princípio que para a ativista também devia ser seguido tendo em conta a agricultura biológica, a qual entende ser o futuro da alimentação. Lanka Horstink teme que esta forma económica acabe por ser “contaminada sem saber e morra”, confessando que esse é um medo que já vinha dos OGM.

De resto, o próprio setor da agricultura biológica emitiu um comunicado em que a IFOAM Organics Europe entende esta proposta como "mal orientada, perigosa para a autonomia das sementes europeias e uma distração das soluções agroecológicas necessárias para levar a agricultura à sustentabilidade".

A professora de Biologia Celular e de Biologia de Plantas Mariana Sottomayor tem uma visão diferente. À CNN Portugal esta especialista garante que nem os OGM tinham quaisquer ameaças para a saúde, defendendo que esse cenário é ainda menos verosímil no caso das NTG.

"A tecnologia permite fazer o que podíamos fazer através de um cruzamento de forma muito mais rápida. Não há qualquer ameaça para a saúde. A questão não é a tecnologia, é cada variedade melhorada ter de ser visto e analisado esse melhoramento", afirma a também membro do Cibio, um centro de investigação da Universidade do Porto.

O mais importante é fazer o acompanhamento correto dos melhoramentos aplicados às plantas, diz a professora universitária. Estas técnicas, refere, muitas vezes fazem "melhoramentos cirúrgicos", mas que podem ser essenciais na mudança de comportamentos que as plantas acabariam sempre por ter, só que mais tarde. Mariana Sottomayor refere que podemos passar de adaptações que as plantas fariam em 10/15 anos para prazos de dois a três anos.

Por sua vez, na página da Comissão Europeia lembra-se que esta proposta "diz respeito apenas às plantas produzidas por mutagénese dirigida e cisgénese", deixando de fora a transgénese. Assim, o objetivo passa por utilizar apenas técnicas que induzam mutações no genoma sem inserção de material genético estranho ou através da inserção de material genético proveniente de um dador que é sexualmente compatível. A transgénese, que se distingue por introduzir material genético de uma espécie não hibridável, continuará ao abrigo das OGM.

À questão, "a proposta garante elevados padrões de segurança para os seres humanos, os animais e o ambiente?", a Comissão Europeia também é taxativa: "sem dúvida. A proposta legislativa assegura um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente. Uma das principais prioridades da Comissão é garantir que os alimentos na União Europeia sejam seguros e assim permaneçam".

A política e a ciência

A alteração da postura da União Europeia é, para Luís Mira, a melhor notícia possível. O secretário-geral da CAP diz que havia uma resistência “mais ideológica do que científica à aplicação desta medida”, apontando que isso é algo que também acontece noutros setores, como é o caso da energia.

“Se na Europa travamos esta evolução tecnológica e dizemos que não queremos uma tecnologia que permite produzir mais com menos produtos químicos, menos água, então estamos no caminho errado”, aponta.

Uma mudança que pode marcar o fim de muitos limites da União Europeia em relação aos agricultores na utilização de mais tecnologia. Luís Mira dá o exemplo de Espanha, que até tem utilizado mais tecnologias agrícolas, como os OGM, o que permite que aquele país, um dos mais dependentes da agricultura nos 27, esteja à frente de quase todos os outros.

E a visão do que significam as NTG tem aqui a primeira grande barreira. Para os ambientalistas esta é uma tecnologia igual aos OGM - na União Europeia só são autorizados, para já, cinco OGM: algodão, milho, colza, soja e beterraba, a maioria utilizados em rações para animais.

Do seu lado tinham, até ao início deste ano, um argumento potente: uma decisão do Tribunal de Justiça Europeu colocava as NTG sob a alçada da diretiva dos OGM. Só que essa decisão foi revogada em fevereiro, abrindo espaço ao que os defensores desta tecnologia entendem ser o futuro da alimentação.

“Há impactos na saúde pública que conseguimos depreender mesmo sem ter estudado a ingestão destes novos alimentos”, diz Lanka Horstink, garantindo que a indústria adotou a designação NTG para não lhes chamar OGM.

Reconhecendo o papel central que a política tem em todo este processo, a responsável garante que “a Comissão Europeia está a tomar a ausência de provas como uma ausência de risco”, o que pode “inverter o princípio da precaução”.

“Tem de se monitorizar a situação. A Comissão Europeia está a ser completamente irresponsável e quer que os NTG entrem em vigor sem qualquer controlo ou rastreabilidade”, acrescenta.

Isto porque, para Lanka Horstink, a ausência de rotulagem, que está prevista apenas para os grossistas, é um dos maiores problemas, uma vez que vai permitir esse “descontrolo” na comercialização dos produtos.

“Assim não vamos saber onde eles andam e o ónus da prova vai ser o consumidor pagador”, reitera, apontando grandes empresas como a Bayer como os grandes beneficiários da medida. Entre esses não coloca os políticos, “a menos que sejam muito ingénuos e achem que é uma solução mágica para a sustentabilidade”.

De resto, é no consumidor que a Plataforma Transgénicos Fora parece depositar a grande esperança. Com a barreira judicial ultrapassada, Lanka Horstink vê nos cidadãos o grande entrave à comercialização das NTG, tal como aconteceu com os OGM. Com efeito, uma petição lançada pela Plataforma Transgénicos Fora pela "não desregulamentação dos alimentos com novos OGM" reuniu mais de 420 mil assinaturas em toda a Europa.

“Acreditamos que vai acontecer o mesmo. Os consumidores não querem comer e [a tecnologia] vai ficar restrita à ração dos animais, o que também não nos agrada muito”, conclui, atirando que “nunca aconteceu a Comissão Europeia ser tão a favor de uma indústria, a biotecnologia”.

E é precisamente para os ambientalistas que o secretário-geral da CAP atira parte da culpa pelo atraso na aplicação das NTG, que “acham que tudo o que é produzir mais é contra o ambiente”. Mas Luís Mira diz que não é assim, voltando a defender que tudo não passa de um “processo de aceleração natural”.

A juntar a esses interesses o representante dos agricultores também vê um outro fator: o lobby feito por grandes empresas, que têm “pouco interesse” em mudar a forma de funcionar do mercado.

Mariana Sottomayor concorda com esta visão, falando mesmo numa "luta feroz" por parte das associações ambientalistas contra as plantas modificadas geneticamente, e que acabou por ter "efeitos muitíssimo perversos, porque a luta acabou por beneficiar as grandes empresas". Isso fez, segundo a especialista, com que os melhoramentos só fossem feitos numa lógica económica, deixando de fora grande parte dos atores e beneficiando os grandes grupos do setor, os únicos com a capacidade de investimento inicial para explorar a técnica.

"As instituições públicas não iam gastar esse dinheiro", reitera a bióloga de plantas, apontando uma "perversão potenciada pela luta irracional contra as modificações genéticas introduzidas nas plantas".

Uma luta que para a professora universitária ainda faz menos sentido neste caso. É que "esta tecnologia produz plantas que não podem ser distinguidas de uma variedade natural e que não têm quaisquer problemas para a saúde".

Apesar disso, Mariana Sottomayor defende que cada melhoramento seja analisado de forma minuciosa, mas acredita que "a Comissão Europeia tem isso em consideração" na proposta que espera aprovação.

Com Portugal a favor, tal como a esmagadora maioria dos 27 - Espanha até já começou a ensaiar a utilização desta tecnologia - a Áustria e a Hungria aparecem como os grandes resistentes à aprovação da medida, em grande parte por serem dos países onde a agricultura orgânica apresenta maior relevância. Noutros países, como na Alemanha, a grande força dos Verdes também se faz ouvir, mas a coligação que dá forma ao Governo está a favor da aprovação.

Europa a correr atrás

Para a CAP o assunto não é para menos. A Europa pode estar perante o maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial, uma altura da qual saiu precisamente com uma visão complicada do futuro a nível da segurança alimentar.

Luís Mira lembra que nesta altura os europeus olham para a alimentação como um dado adquirido. “Os meus pais e os pais dos meus amigos só trabalhavam para alimentar a família, hoje já não é assim”, diz.

Só que a guerra veio “abanar” esta lógica, colocando novo cenário de insegurança alimentar à vista, e funcionando como um turbo às alterações climáticas. “As NTG vêm dar a resiliência necessária, vamos ouvir a ciência e deixar a tecnologia falar por si”, pede o secretário-geral da CAP.

Isto, para o responsável, se não quisermos perder um comboio no qual já vamos entrar atrasado. É que “a China está muito mais à frente porque a Europa teve uma posição muito conservadora”. Luís Mira fala mesmo numa “cruzada ambiental” com a missão de “catequizar o mundo a uma nova forma de estar”, que na sua visão está a falhar.

“Uma coisa é ter medidas que têm impacto no território, outra é ter impacto no aumento de custos, porque posso impor as regras, mas não posso impedir outras produções”, acrescenta.

Para Mariana Sottomayor a aprovação desta tecnologia seria um "avanço muito grande para o sistema europeu, que está a ficar altamente para trás na aplicação destas tecnologias". "Não estamos em condições de regatear as plantas que utilizamos para a alimentação", sublinha a professora universitária, garantindo que "vamos ter problemas gravíssimos para alimentar a humanidade e estas tecnologias vão ser essenciais".

Como Luís Mira, também a bióloga de plantas vê a China "muito mais à frente" - é um "empório" em termos de biotecnologia, diz mesmo -, até porque "já percebeu que tem de dar comer às pessoas".

E não é que a Europa não tenha o conhecimento ou a capacidade, só que falta regulamento e investimento público.

E então, qual é a alternativa para quem está contra as NTG? Para quem está contra a medida ela já existe: “o que vai ajudar a combater as alterações climáticas são as boas práticas agrícolas de hoje, como utilizar sementes tradicionais já adaptadas a condições de seca, policulturas…”, afirma Lanka Horstink.

“Acreditamos que já existe essa alternativa. Sabemos que existem boas práticas agrícolas, e não precisam de ser agricultura biológica, podem aplicar uma série de medidas a muito baixo custo que evitam as OGM e ajudam a melhorar o solo, a combater a seca, a reter água e a tornar o agricultor mais resiliente”, acrescenta.

Essas boas práticas fazem parte de um manual apresentado pela plataforma stopogm.net, que defende uma maior aposta na diversidade, e não em menos. Lanka Horstink afirma que são poucas as variedades consideradas para NTG, dizendo que “mais variedade é sempre melhor”, até porque isso previne eventuais más colheitas de um ou outro produto. É a policultura, que diz preocupar menos quem a segue do que os outros produtores.

Portugal a dormir?

Mariana Sottomayor é taxativa: a biologia de plantas não existe em Portugal. Ou melhor, "existe, mas com um esforço sobre-humano, completamente subfinanciada". E, tal como em grande parte da União Europeia, não é o saber que falta, mas o investimento para que se desenvolva a "agricultura do futuro", essencialmente nas esferas local e regional.

"Não vão ser os outros países a ensinar-nos. Temos condições favoráveis à agricultura em muitos aspetos, como a riqueza da variedade de culturas", sublinha, criticando a necessidade que os profissionais da área têm para se fazerem ouvir. No Cibio a importância da biotecnologia é reconhecida, mas essa parece ser a exceção.

"Ainda não acordámos, de todo", reitera Mariana Sottomayor. E isto mesmo perante o apoio português ao regulamento que a Comissão Europeia quer passar. É que "não há a visão de que a investigação é importante, como foi importante na pandemia um saber de biologia molecular que permitiu desencadear a testagem e tudo mais".

A bióloga de plantas acredita que "vamos precisar disso com a crise da alimentação para haver produtividade", sobretudo num contexto de alterações climáticas, incompatível com a atividade agrícola. Torna-se, portanto, inevitável que Portugal invista na área.

O secretário-geral da CAP até dá um exemplo mais concreto: para termos o melhor vinho do mundo precisamos de cientistas que ajudem a tecnologia. Luís Mira critica a falta de coordenação e investimento para articular ciência e agricultura em Portugal, deixando ainda outros exemplos.

"Para termos a melhor cortiça, e somos dos maiores produtores, precisávamos disso. No concentrado de tomate somos líderes mundiais, mas precisávamos de tecnologia e ciência a ajudar a evoluir e avançar", diz.

Para o representante dos agricultores "Portugal está muito abaixo daquilo que era desejável. Não há essa preocupação, nem mesmo nas universidades". O Cibio, como Mariana Sottomayor reconhece, será uma das exceções que confirmam a regra.

As atenções viram-se agora para Bruxelas e para setembro, onde todos os olhos vão estar postos. A CAP vai seguir atentamente as negociações e a votação final, enquanto a Plataforma Transgénicos Fora já tem mesmo preparada uma ação de sensibilização com vários eurodeputados para apresentar a visão do seu setor, estando também organizado um encontro, para 6 e 7 de setembro, em que se vai discutir o tema.

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