Permitiria que uma empresa digitalizasse a sua íris? Worldcoin explica como é feita a recolha e armazenamento de dados biométricos e responde às controvérsias

16 ago 2023, 21:30
Worldcoin (@nunovalinhas/twitter)

O projeto Worldcoin tem estado na origem de controvérsia relativamente à forma como recolhe e armazena os dados biométricos da íris dos utilizadores através da Orb - processo essencial para os clientes acederem a um dos produtos do projeto, denominado WorldID. À CNN Portugal, o manager ibérico da Worldcoin, Pedro Trincão Marques, explica como são recolhidos os dados e responde às críticas

Talvez já se tenha cruzado com eles. Nos corredores de alguns centros comerciais, com dois aparelhos prateados, redondos e do tamanho de uma bola de futebol sobre uma banca, estão os "operadores de Orbs", com um nome visivelmente estampado na sua camisola - "Worldcoin".

A Wordcoin é um "projeto que tem como objetivo criar a maior rede financeira de preservação de identidade do mundo", que permitirá distinguir os seres humanos da inteligência artificial, num mundo onde essa tecnologia avança a passos galopantes, conta à CNN Portugal o manager do mercado ibérico da Worldcoin, Pedro Trincão Marques. 

Além disso, pretende ser uma rede financeira totalmente aberta a todos os cidadãos do mundo, descentralizada, onde qualquer indivíduo entrar para participar na economia global, Pedro Trincão Marques. 

Este é o segundo projeto ambicioso em que um dos seus co-fundadores, Sam Altman, embarca. Sam Altman é o chefe executivo da OpenAI, a empresa que desenvolveu o ChatGPT, uma plataforma de conversação de inteligência artificial, alvo de inúmeras controvérsias, devido seu potencial de propagação de notícias falsas e de substituir trabalhadores, por exemplo. Também visto por alguns como uma tecnologia útil, que deve ser usada nas universidades, por exemplo.

A Worldcoin já se encontra em circulação em Portugal, que foi um dos sete países onde foi desenvolvida a fase beta do projeto. Portugal foi um dos países selecionados devido à sua abertura para receber novas tecnologias. 

O que se confirma, visto que num universo de mais de 2 milhões indivíduos que trocaram olhares com a Orb, mais de 170 mil são portugueses, de acordo com a Forbes Portugal

A CNN Portugal fez a experiência. No dia 1 de maio de 2023, cruzámo-nos pela primeira vez com a Orb no centro comercial UBBO, na Amadora. Curiosamente, essa foi a primeira banca disponível em centros comerciais de todo o mundo, de acordo com Pedro Trincão Marques. Ali foi criado o nosso passaporte digital.

O processo foi rápido. Na primeira abordagem, explicaram-nos que nossa íris seria ser digitalizada para criar um WorldID (isto é, prova de humanidade única), e todas as segundas-feiras, até à data do lançamento oficial, poderia receber uma Worldcoin, que correspondia aproximadamente a 1 euro.

Uma vez descarregada a aplicação - World App - fornecemos ao operador o nosso contacto telefónico, olhámos para a Orb e foi criado o “WorldID”.

A criptomoeda WLD foi oficialmente lançada a 24 de julho de 2023 e rapidamente ficou envolta em controvérsia. Desde então, o governo do Quénia proibiu a empresa de recolher mais dados de quenianos enquanto as autoridades estão a investigar os impactos para a segurança pública da recolha do código do íris, por considerarem pouco clara a forma como a empresa recolhe e armazena os dados biométricos.

Porque é que a íris é digitalizada?

De acordo com a Worldcoin, a Orb (aparelho que escaneia a íris) recolhe dados biométricos para criar o WorldID (uma espécie de passaporte digital, que prova que a pessoa é real e única) e, uma vez criado, o utilizador recebe criptomoedas gratuitamente. 

O primeiro passo para criar o passaporte digital é olhar para Orb. O aparelho vai determinar “se o que está à sua frente é um ser humano”, fá-lo ao utilizar sensores de câmera e modelos de aprendizagem automática “que analisam as características faciais e da íris”. É aqui a Orb impede que sejam utilizadas técnicas de inteligência artificial capazes fingir ser uma pessoa. Por exemplo, a técnica "deepfake" é utilizada em vídeos onde a pessoa que aparece no ecrã não é aquela que está realmente a ser gravada - foram usadas técnicas para substituir a cara e a voz real, explica Pedro Trincão Marques. 

Uma vez terminada a confirmação que é um humano que está à sua frente, a Orb “tira um conjunto de fotografias da íris da pessoa e utiliza modelos de aprendizagem automática e técnicas de visão por computador para criar um código da íris”. Este código é “uma representação numérica, única, das características mais importantes do padrão da íris de uma pessoa”, explica o responsável. De seguida, o código da íris é “enviado para comparação com todos os outros códigos de íris para verificar a singularidade de uma pessoa”. É desta forma que se "garante que cada pessoa apenas tem um WorldID".

Worldcoin tem acesso aos meus dados pessoais? 

“Ninguém tem acesso aos dados biométricos”, respondeu o manager. Isto porque, a não ser que o utilizador o solicite, nenhuma imagem sai da Orb, visto que são eliminadas do aparelho, excepto nos casos em que o utilizador peça explicitamente o contrário, explica. Desta maneira a privacidade do utilizador é assegurada visto que “o código da íris não pode ser utilizado para verificar quem é a pessoa”, isto é, serve para validar a singularidade de cada utiizador, conta o responsável pela Worldcoin. 

Segurança dos dados biométricos em causa

O presidente do órgão regulador da Baviera, entidade de supervisiona o projeto, adiantou que o sistema da Worldcoin está a ser analisado para se perceber até que ponto é "seguro e estável", de acordo com a agência Reuters. Em causa está a necessidade de garantir que o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) europeu está a ser respeitado no tratamento de dados biométricos dos utilizadores. 

O projeto "requer medidas de segurança muito, muito ambiciosas e muitas explicações e transparência para garantir que os requisitos de proteção de dados não sejam negligenciados", disse Michael Will, o presidente do Departamento Estatal da Baviera para Supervisão de Proteção de Dados. 

Pedro Trincão Marques conta à CNN Portugal que a Worldcoin vê com naturalidade as posições dos organismos de tutela acerca das suas práticas de privacidade e proteção de dados. “Temos que mostrar o que fazemos”, diz. 

Estamos empenhados em trabalhar com os parceiros a nível global para garantir que cumprimos os requisitos regulamentares e fornecemos um serviço seguro, protegido e transparente para seres humanos verificados”, escreveu o manager do mercado ibérico da Worldcoin, Pedro Trincão Marques, num e-mail enviado à CNN Portugal.

O que estão a entidades reguladores a investigar? 

Para analisar a legalidade da recolha de dados a larga escala das empresas, as entidades reguladoras europeias fazem uma Avaliação de Impacto sobre a Proteção de Dados (AIPD) dos termos e condições das empresas, relativo ao tratamento de dados e políticas de privacidade, explica o especialista em cibersegurança Nuno Mateus Coelho. 

O especialista estima que, assim que foram analisadas as apresentações da AIPD, as entidades reguladoras europeias ficaram na dúvida acerca da legitimidade do que foi avaliado no AIPD e “têm direito de visitar a entidade”, onde vão avaliar se "existe algum risco associado e se existe alguma contra-medida que garanta que o risco é controlado". Na opinião do especialista, “não é desconfiar da Worldcoin, mas não sentir confiança”.

Importa salientar que, quer o advogado Rogério Alves, quer Nuno Mateus Coelho, alertam que antes de aceitar quaisquer ‘termos e condições’, ação requerida para aceder a algumas plataformas, os clientes devem ser exigentes quanto ao esclarecimento que é prestado, e se tiverem alguma dúvida, “consultem um advogado”.

De acordo com o jornal Observador, até ao momento, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) afirma que não recebeu qualquer queixa contra a atividade da empresa em Portugal e que já realizou uma ação de fiscalização ao projeto. "Não podendo, por isso, adiantar qualquer informação sobre o assunto nesta fase por se encontrar ainda em análise" adianta a CNPD, cita o Observador. 

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