Berlusconi. Não resistia a mulheres jovens, adorava ser fanfarrão e, como o "Jesus Cristo da política" que dizia ser, transformou escândalos em poder de décadas

CNN , Valentina Di Donato, Barbie Latza Nadeau, Laura Smith-Spark, Peter Wilkinson, Antonia Mortensen e Rob Picheta
12 jun 2023, 15:12

"A coisa com as mulheres jovens foi o que o deitou abaixo. Sempre jovens, como jovens bailarinas que aparecem do nada, raparigas da televisão, todas essas pessoas - ele não tinha disciplina e era tentado. Estava totalmente fora de controlo. Foi essa a sua ruína"

Silvio Berlusconi, o extravagante multimilionário e antigo primeiro-ministro italiano que se descreveu a si próprio como o "Jesus Cristo da política", morreu num hospital de Milão aos 86 anos, confirmou a sua assessoria de imprensa nesta segunda-feira.

Berlusconi, com um historial recente de problemas de saúde, foi diagnosticado há pouco tempo com leucemia, informou o Hospital San Raffaele de Milão. Berlusconi já tinha sido internado no hospital por problemas respiratórios, tendo sido avaliado na sexta-feira.

O político, que foi durante muito tempo considerado a figura pública mais colorida de Itália, foi eleito primeiro-ministro três vezes e exerceu o cargo durante nove anos, mais tempo do que qualquer outra pessoa desde o ditador fascista Benito Mussolini.

Carinhosamente apelidado de "Il Cavaliere" (O Cavaleiro), a sua carreira foi marcada por uma série de escândalos políticos, financeiros e pessoais, muitos dos quais o levaram a tribunal. 

Foi julgado por acusações que vão desde evasão fiscal e suborno a corrupção e a ter relações sexuais com uma prostituta menor de idade. Mas só um caso pegou - uma condenação em 2012 por evasão fiscal num negócio que envolvia direitos televisivos. 

Berlusconi foi afastado do parlamento em 2013. Mas, como nunca desistiu de lutar, reapareceu no início de 2018 como uma espécie de avô estadista, o rei de uma aliança de direita envolvendo o seu partido Forza Italia (Força Itália).

Depois de o Tribunal de Milão lhe ter concedido a "reabilitação" no final desse ano, levantando efetivamente a proibição de reentrar na política que estava em vigor após a sua condenação por fraude fiscal em 2012, anunciou que iria concorrer a um lugar no Parlamento Europeu.

Foi eleito em maio de 2019, aos 83 anos, e permaneceu em funções como deputado ao Parlamento Europeu até à data da sua morte.

Berlusconi também levou o seu partido Forza Italia, depois de, em 2013, deixar o Il Popolo della Libertà (Povo da Liberdade), à vitória com a coligação de centro-direita com Giorgia Meloni e Matteo Salvini em setembro de 2022, embora não tenha tido uma pasta governamental.

Beppe Severgnini, colunista e autor de um livro sobre Berlusconi, descreveu o político como um "protopopulista" cujo sucesso abriu caminho a líderes como o húngaro Viktor Orbán, o britânico Boris Johnson e o ex-presidente dos EUA Donald Trump.

"Berlusconi era, de facto, menos arrogante e menos detestável do que a maioria, mas, apesar disso, foi ele que começou tudo", afirmou Severgnini.

"O legado de Berlusconi foi a capacidade de ler as fraquezas e as tentações de uma nação. É nisso que ele é realmente um mestre. Absolveu-nos de todos os nossos pecados, fomos absolvidos mesmo antes de termos cometido esses pecados, e ele não era um líder, era um seguidor de certa forma, seguia a pancia - a barriga de Itália."

O funeral de Estado realizar-se-á nesta quarta-feira, de acordo com a emissora pública RAI, citando o presidente do Senado.

A atual primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse na segunda-feira que o seu aliado de longa data era "acima de tudo um lutador".

"Era um homem que nunca teve medo de defender as suas convicções. E foi exatamente essa coragem e essa determinação que fizeram dele um dos homens mais influentes da história de Itália", disse Meloni.

Repórteres no exterior do hospital San Raffaele, onde Berlusconi morreu. Claudia Greco/Reuters

Do imobiliário ao poder político 

Nascido em Milão em 1936, Berlusconi começou por ser conhecido como um magnata dos negócios, chegando a ser o homem mais rico de Itália.

Desde cedo deu a conhecer a sua faceta de showman, trabalhando como cantor de músicas românticas a bordo de um navio de cruzeiro para ajudar a pagar a universidade, onde estudou Direito.

Seguiram-se várias empresas comerciais de baixo nível até que o jovem empresário teve o seu primeiro verdadeiro sucesso na promoção imobiliária no final dos anos 60, quando se envolveu num projeto para construir Milano Two - cerca de 4.000 apartamentos - nos arredores de Milão.

Nos anos 70, depois de ter acumulado uma fortuna com a sua carteira de propriedades, diversificou os seus interesses criando uma empresa de televisão por cabo, a Telemilano, e comprando dois outros canais por cabo, numa tentativa de quebrar o monopólio nacional da televisão em Itália. Em 1978, estes canais foram incorporados no seu recém-formado grupo Fininvest, que incluía grandes armazéns, companhias de seguros e até o AC Milan - um dos maiores clubes de futebol do mundo, do qual foi proprietário durante 31 anos. 

Berlusconi voltou-se para a política em 1993, quando formou o partido de centro-direita Forza Italia, cujo nome deriva de "Forza, Italia! (Força, Itália!), um cântico ouvido nos jogos da seleção nacional de futebol italiana. 

Berlusconi com apoiantes durante um comício da Forza em Roma em 1994. Franco Origlia/Hulton Archive/Getty Images

No ano seguinte, numa eleição rápida, tornou-se primeiro-ministro. No entanto, uma disputa com os seus parceiros de coligação de direita da Lega Nord (Liga do Norte), bem como uma acusação por alegada fraude fiscal, puseram fim ao mandato de Berlusconi ao fim de apenas sete meses. Foi absolvido após recurso em 2000, depois de o prazo de prescrição ter expirado.

Após a derrota nas eleições de 1996 para o seu inimigo político, Romano Prodi, envolveu-se noutros escândalos financeiros, incluindo uma acusação de suborno de inspetores fiscais. Negou qualquer irregularidade e foi novamente ilibado em 2000, após recurso.

A sua sorte voltou a mudar em 2001, quando tomou posse como primeiro-ministro pela segunda vez. Mas Prodi - antigo presidente da Comissão Europeia - pôs fim ao reinado mais bem sucedido de Berlusconi com a vitória da coligação de centro-esquerda L'Unione (União) em 2006. Nessa altura, o magnata tinha presidido ao mais longo governo italiano do pós-guerra.

Apesar de lhe ter sido implantado um pacemaker para regular o ritmo cardíaco depois de ter desmaiado durante um comício político, recusou-se a abrandar. Com um transplante de cabelo, uma cirurgia estética e um bronzeado, Berlusconi regressou ao poder pela terceira vez em 2008, sob a bandeira do recém-criado partido Il Popolo della Libertà, que abandonou em 2013, quando criou o seu partido Forza Italia.

Autoridade em declínio

O ano seguinte foi um ano de extremos para o veterano político. Foi elogiado pela forma como lidou com o devastador terremoto que atingiu a cidade italiana de L'Aquila, em abril de 2009, e sobreviveu às críticas depois de ter pedido aos sobreviventes que encarassem a sua situação como "um fim de semana de campismo".

Mas no mês seguinte, a segunda mulher de Berlusconi, Veronica Lario, pediu o divórcio, alegando que o marido, então com 73 anos, tinha tido uma relação imprópria com uma aspirante a modelo de 18 anos, a cuja festa de aniversário tinha ido. Berlusconi disse que ela era filha de um amigo e que ele não tinha feito nada de errado.

Em dezembro desse ano, um homem com historial de problemas mentais, atingiu Berlusconi na cara com uma réplica da catedral de Milão durante um comício de campanha, partindo-lhe vários dentes e fraturando-lhe o nariz. O ministro da Defesa Ignazio La Russa disse ao jornal italiano Corriere della Sera que o irreprimível Berlusconi continuou a apertar a mão dos apoiantes durante "alguns minutos" depois de ter sido atingido.

Berlusconi aquando do anúncio da entrada na política em 1993. Franco Origlia/Hulton Archive/Getty Images

Com a economia do país a cambalear no meio da crise financeira, a pressão sobre Berlusconi aumentou. Gianfranco Fini - um antigo aliado do partido - atacou-o, acusando-o de falta de atenção à economia e às reformas estruturais de que a Itália necessitava. O primeiro-ministro sobreviveu a três moções de confiança no parlamento em 2010 e 2011, tendo vencido uma deles por apenas três votos, mas a sua autoridade continuou a diminuir.

Os economistas afirmavam que Berlusconi não tinha autoridade política suficiente para fazer cortes na despesa nem moral para espremer mais impostos aos italianos, enquanto era julgado por várias acusações. Outros líderes europeus criticaram-no por não ter conseguido implementar reformas económicas com a urgência necessária. 

Demitiu-se em novembro de 2011, horas depois de a câmara baixa do parlamento italiano ter aprovado uma série de medidas de austeridade exigidas pela Europa para reforçar a confiança na economia do país.

Berlusconi num discurso em 2013, ano em que foi considerado culpado de abuso de poder. FILIPPO MONTEFORTE/AFP/Getty Images

Entretanto, o político enfrentou um sério desafio pessoal com as acusações de sexo com uma dançarina menor de idade nas suas luxuosas festas bunga-bunga.

Em 2013, foi considerado culpado de pagar para ter relações sexuais com uma menor, Karima el Mahroug, de 17 anos, e de abuso de poder. Foi condenado a sete anos de prisão, mas um tribunal de recurso anulou posteriormente a condenação.

Na sequência da sua condenação por fraude fiscal em 2012, Berlusconi foi condenado a quatro anos de prisão. No entanto, safou-se com um ano de serviço comunitário, porque em Itália os maiores de 70 anos não costumam ir para a prisão.

Berlusconi também fez manchetes em 2022, quando revelou ter restabelecido a amizade com Vladimir Putin, depois de o presidente russo lhe ter enviado 20 garrafas de vodka pelo seu aniversário. Mais tarde, criticou o presidente da Ucrânia, Volodymr Zelensky, por ter "começado a guerra", o que o colocou em desacordo com a sua parceira de coligação e primeira-ministra Giorgia Meloni.

Prémio Nobel pela "arte de vender"

Sempre bronzeado e com um sorriso mais branco do que branco, Berlusconi nunca teve vergonha das câmaras, nem de ser fanfarrão. Além de se comparar a Jesus Cristo num jantar com apoiantes, em 2006, também disse uma vez que era "o melhor líder político da Europa e do mundo". 

Segundo Severgnini, Berlusconi era o melhor vendedor e sabia que os italianos há muito que simpatizavam com a ideia do "il signore", o homem poderoso.

"Também se apercebeu que se pode usar a religião e Deus de uma certa forma e também o fez. Percebeu também que as mulheres e a atração sexual são um combustível poderoso e que podem ser utilizadas na política. "Se houvesse um Prémio Nobel para a arte de vender, ele teria ganho."

Ao longo da sua carreira política, a predileção de Berlusconi por mulheres muito mais jovens foi ignorada pela sua base de apoio, muitas vezes tradicionalmente católica. A sua mais recente companheira, Francesca Pascale, era quase 50 anos mais nova do que ele.

Mas, na opinião de Severgnini, o político pagou um preço pela sua aparente incapacidade de resistir a mulheres jovens e atraentes.

"A coisa com as mulheres jovens foi o que o deitou abaixo. Sempre jovens, como jovens bailarinas que aparecem do nada, raparigas da televisão, todas essas pessoas - ele não tinha disciplina e era tentado. Estava totalmente fora de controlo. Foi essa a sua ruína", afirmou.

Severgnini considera que os 20 anos de Berlusconi no poder - sobretudo de 2001 a 2006, quando detinha a maioria - devem ser considerados como um período de oportunidades perdidas, tanto para ele como para a Itália.

Mas, segundo ele, o antigo primeiro-ministro não será esquecido. 

"O período entre 1994 e 2011 será marcado por Berlusconi. Os italianos sabem que há uma qualidade operática na política: aplaudimos o nosso tenor até o vaiarmos para fora do palco", disse.

"Mas lembramo-nos dos nossos grandes tenores, Del Monaco, Pavarotti, (e) assim nos lembraremos do nosso tenor da política. É impossível esquecê-lo."

Berlusconi deixa cinco filhos: Piersilvio e Marina do seu primeiro casamento com Carla Dall'Oglio, que terminou em 1985, e Luigi, Eleonora e Barbara do seu casamento com Veronica Lario, que terminou em 2012.

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