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Reino Unido prepara-se para vitória recorde dos Trabalhistas. E isso poderá "reformular radicalmente a política britânica"

4 jul, 08:00
O número 10 de Downing Street, em Londres, residência do primeiro-ministro britânico

Sondagens apontam para derrota copiosa dos conservadores nas eleições desta quinta-feira. Após 14 anos no poder, quatro deles desde a saída da UE, a pergunta não é sobre quem perde, mas sobre a dimensão da derrota do partido de Rishi Sunak. "Estamos de olhos postos nos resultados eleitorais de 1997, que foram terríveis para os Tories. Esse é o melhor cenário possível para o partido"

“Em primeiro lugar, é preciso perceber que não existe tal coisa como uma supermaioria no contexto britânico; em segundo, que as sondagens não estão todas a dizer a mesma coisa. Mas mesmo que venhamos a assistir ao maior desastre de sondagens em termos de previsões erradas, é certo que haverá uma maioria trabalhista.” 

Anand Menon, professor do King’s College de Londres e diretor da iniciativa Reino Unido numa Europa em Mudança, está longe de estar sozinho na certeza de que, depois de 14 anos consecutivos de poderio conservador, o Reino Unido prepara-se para virar à esquerda nas legislativas desta quinta-feira. Esse é um dado mais do que adquirido.

Desde que o primeiro-ministro Rishi Sunak anunciou a data destas eleições, no final de maio, as sondagens têm previsto, em maior ou menor grau, uma vitória esmagadora do Partido Trabalhista (Labour). “Os inquéritos de opinião teriam de estar incrivelmente errados para que isso não acontecesse”, considera Garvan Walshe, diretor de comunicação do European Policy Center (EPC) e bolseiro do Wilfried Martens Centre for European Studies, que traça um paralelismo com as eleições de há 27 anos, quando Tony Blair conduziu o Partido Trabalhista à sua primeira maioria parlamentar em mais de três décadas.

“Estamos de olhos postos nos resultados eleitorais de 1997, que foram terríveis para os Tories. Esse é o melhor cenário possível para o partido. Há muita ira no país direcionada contra o governo conservador, e a viragem para o populismo também não resultou após o referendo ao Brexit.”

Quatro anos depois de concluída a saída do Reino Unido da União Europeia, o tema esteve praticamente ausente desta campanha, que foi sobretudo guiada por essa ira e marcada por questões económicas e pelo tema da imigração.

“O NHS [Serviço Nacional de Saúde britânico] foi um grande tema, existe uma sensação generalizada de que 14 anos de governos conservadores degradaram os serviços públicos, é uma luta clássica na política britânica”, explica Walshe. “Um outro tópico foi o regresso ao crescimento económico, e como o alcançar. Ninguém sabe realmente como fazê-lo, voltar à UE seria um caminho, mas isso é extremamente difícil em termos políticos. No fundo, os Tories vão pagar o preço pela sua incompetência e pela má gestão económica de Liz Truss.”

É a Liz Truss, que esteve no poder menos de três meses em 2022, que muitos atribuem as culpas pelo atual estado de degradação da economia britânica (Getty Images)

Derrota pesada pode "reformular radicalmente a política britânica"

Desde 2010, o Reino Unido passou por cinco governos conservadores, a começar pela coligação com os Liberais Democratas liderada por David Cameron, cuja demissão em 2016, após a vitória do ‘sim’ no referendo ao Brexit, abriu caminho ao executivo de Theresa May, que sendo contra a saída da UE se viu forçada a alumiar esse processo. A ela seguiu-se Boris Johnson, grande defensor e executor do Brexit, depois Liz Truss – recordada como uma das piores chefes de governo da história moderna do país, ainda que com um dos mais curtos mandatos de sempre, entre julho e setembro de 2022 – seguida do atual primeiro-ministro, que dá por si sem alternativa a não ser dar o corpo às balas pelos antecessores nas urnas.

De acordo com os princípios constitucionais, Rishi Sunak tinha até ao final de janeiro de 2025 para convocar estas eleições e há mais dúvidas do que certezas sobre porque é que decidiu que o momento certo era agora, no rescaldo das eleições europeias de junho e antes das presidenciais norte-americanas de novembro. “O problema é que nunca iremos saber [porque é que se decidiu por esta data] até ele publicar as suas memórias”, brinca Anand Menon. “Uma das teorias que considero mais plausíveis é a de que [ele] estava preocupado com a possibilidade de o seu partido se tornar ingovernável. Há muitas divisões e existia um medo real de não conseguir manter o partido unido.”

Apesar das divisões internas, foi praticamente em uníssono que na quarta-feira, um dia antes de abrirem as estações de voto, o partido concedeu a sua derrota mais do que previsível para Keir Starmer, avisando que os trabalhistas estão a caminho de uma vitória-recorde, que vai opor-se a uma queda igualmente recorde de 345 para talvez pouco mais de 60 assentos parlamentares conservadores, de acordo com alguns dos inquéritos de opinião.

“Aceito totalmente que o que as sondagens prevêm é que [esta quinta-feira] é provável assistirmos à maior maioria do Labour de sempre, à maior maioria que este país já viu”, disse ontem o ministro conservador Mel Stride à BBC. “O que importa agora é que oposição vamos ter, que capacidade de escrutinar o governo vamos ter no parlamento.” Questionado sobre as declarações de Stride, Sunak garantiu à ITV: “Estou a lutar arduamente por cada voto.”

“Tudo vai depender do tamanho da derrota”, diz Garvan Walshe sobre o que espera o Partido Conservador no pós-eleições – com a ressalva de que, durante vários anos, foi conselheiro dos Tories, “do lado moderado que defendia a permanência” na UE. “O impacto desta eleição no partido vai depender da escala da derrota, do quão pesada será. Ontem saiu uma sondagem a dizer que vão conquistar 64 assentos e os Liberais Democratas 61, portanto pode mesmo deixar de ser o maior partido da oposição, e aí passamos a ter os Lib Dems [Liberais Democratas] a colocar questões ao governo no parlamento”, adianta o analista. “Uma derrota pesada para os conservadores pode reformular radicalmente a política britânica, essa é a questão mais interessante destas eleições.” 

A juntar à antecipada subida dos Liberais Democratas, atualmente com sete deputados, entre os eleitores desapontados com os conservadores que se recusam a votar do centro à esquerda, o Reform UK, partido populista liderado por Nigel Farage, grande baluarte do Brexit, deverá roubar muitos votos aos Tories, ainda que isso, ao contrário do que se prevê no caso dos Lib Dems, não deva traduzir-se em muitos assentos parlamentares. E quando as urnas fecharem, o partido de Sunak “terá de decidir se continua a ser de centro-direita ou se se move mais para a direita”, indica Walshe. “A grande questão será se eles sequer devem continuar a existir, como estamos a assistir agora em França com o Les Républicains.”

"Keir Starmer é fundamentalmente um homem aborrecido, quase anti-carismático, e vai estar sob enorme pressão", destaca Garvan Walshe (AP)

Distribuição de votos e o erro que Keir Starmer não deve cometer

Anand Menon é menos fatalista, mas também refere que a grande dúvida é qual será o tamanho da derrota conservadora, cujo “impacto mais óbvio" será a enorme perda de deputados. “O pior cenário possível é deixarem de ser o maior partido da oposição, o que também significará que vão receber menos dinheiro, porque o financiamento é diretamente proporcional ao número de deputados eleitos. É um momento incrivelmente difícil [para o partido], e apesar de achar improvável que sejam ultrapassados pelos Liberais Democratas, pode acontecer.” Acima de tudo, adianta o politólogo, o que esta ida às urnas traduz “é a grande frustração do eleitorado com o estado da política no Reino Unido”.

Tal como deverá acontecer com o Reform, “Os Verdes provavelmente vão conquistar muitos votos, mas não muitos assentos, por causa das regras de distribuição”, adianta Walshe. “Podem ganhar muito em algumas áreas onde as pessoas estão desapontadas com o centrismo do Labour, mas provavelmente não em muitas, o centrismo continua a ser muito popular. O sentimento geral é mesmo ‘vamos manter os conservadores fora’ e a forma de o conseguir é votando Labour, à exceção de algumas áreas como os subúrbios de Londres, que tradicionalmente votam centro-direita e onde provavelmente os Liberais Democratas vão conquistar o voto conservador.”

Com a vitória garantida, o grande desafio que os trabalhistas têm pela frente é gerir um país que lhes vai dar a vitória não porque o apoia, mas porque rejeita a alternativa, sublinha o analista do EPC. “O desafio mais imediato de Keir Starmer serão as finanças públicas e adaptar-se à alteração para o governo. Ele é fundamentalmente um homem aborrecido, quase anti-carismático, que vai estar sob enorme pressão e penso que vai ter dificuldade em adaptar-se a essa pressão."

Mais importante e decisivo será a postura que adotar enquanto primeiro-ministro. "Não deve repetir o erro que os Tories cometeram, de achar que a vitória é um sinal de apoio à sua visão e não sinal de um desejo de mudança. A vitória não vai tratar-se de um apoio ao Starmerismo, trata-se de as pessoas quererem um regresso à normalidade. Mas ele pode bem cometer esse erro e aprovar políticas impopulares ou ineficazes – e pagar o preço por isso na próxima ronda.”

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