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O momento ‘Yes He Can’ de Cavaco Silva

21 mai 2023, 15:30

Uma análise sobre o endorsement de ontem a Montenegro

Os cartazes de Luís Montenegro dizem “Consigo”.

Dizem “Consigo” convidando quem os vê a “mudar” o país ‒ ou, pelo menos, de governo ‒ lado a lado com o presidente do PSD. Mas a escolha da palavra carrega uma nuance, propositada ou não, que oferece outro propósito aos outdoors mais recentes do PSD. Quase como se o líder da oposição estivesse a tentar convencer-nos, com o rosto ampliado, olhos nos olhos com o respetivo condutor ou transeunte, que ele consegue. Eu “Consigo” é o que salta realmente à vista. Para que não haja dúvidas, no fundo. E as dúvidas, no caso de Montenegro, são como as bruxas: que as há, há.

Desde logo da figura mais determinante de todas, o Presidente da República, que lida com um governo de reeleição recente e maioria absoluta, mas profundamente desgastado nas políticas e nos protagonistas. Foram já várias as vezes que Marcelo Rebelo de Sousa lamentou “a falta de alternativa” e de uma equipa pronta a assumir funções na vez dos incumbentes.

Se Marcelo tivesse certezas de Montenegro “conseguir”, provavelmente não teria sido tão taxativo na necessidade de o governo continuar aquando da crise de Alexandra Reis, em janeiro, nem tão cético acerca das possibilidades do PSD no futuro eleitoral.

Dúvidas essas que se estendem, mais gravemente, às sondagens, com um crescimento vagaroso quando comparado com a ascensão da concorrência à sua direita ou mesmo perante a queda a pique do Partido Socialista nos últimos meses. Não tem sido só Marcelo a duvidar de Montenegro. É o país que ainda, por enquanto, duvida do PSD.

Ontem, o discurso de Aníbal Cavaco Silva aos autarcas social-democratas destacou-se pela demolição do governo de António Costa, mas visava só e apenas uma coisa: desfazer essas dúvidas. De que o governo ainda cumpre as suas funções constitucionais (citando-as, uma a uma), de que não há alternativa à atual governação (enumerando as propostas do PSD desde que Montenegro é líder) e de que o presidente do PSD não está pronto para ser primeiro-ministro (chegando ao ponto de afirmar que Montenegro está mais preparado do que ele próprio estava em 1985, já professor universitário e ex-ministro das Finanças).

De um modo, é um absoluto exagero. Luís Montenegro não tem qualquer experiência executiva além da coordenação que uma liderança parlamentar acarreta, mas Cavaco Silva não estava a comparar currículos nem teses de doutoramento. Estava a declarar-lhe apoio. Estava a dizer: eu acredito em si, confio em si e voto em si. Estava a oferecer a Montenegro o que os anglófonos chamariam um “endorsement”, normalmente atribuído em período pré-eleitoral, como aquele que alguns já acreditam que estamos a viver.

E estava, sobretudo, a dizer-nos: ele “consegue”.

‘Yes he can’ é o que a intervenção de Cavaco Silva significa. E os destinatários são evidentes. Ao seu sucessor na Presidência, que sim, tem alternativa. Ao PSD, que sim, vai voltar a ganhar eleições. À direita, que sim, é preciso agregar para ganhar. Às elites que ainda estranham Montenegro, que sim, ele chega lá.

Concordando ou não, a mensagem não poderia ser mais clara e o seu objetivo também não.

Governar, mas bem

Não foi, para sermos igualmente rigorosos, um cheque em branco, sem caderno de encargos ou exigências da parte do Professor. A referência à ética e à transparência não era para encher. O desafio para reformas reais, estruturadas, pensadas, a começar pelos impostos, também não. Cavaco quer que Montenegro governe, sim; mas quer que Montenegro governe bem, acima de tudo.

No que é tático, por sinal, nota-se uma sincronização entre o ex-líder e o líder em construção, nomeadamente no que toca a moções de censura, que Montenegro nunca apresentou e que Cavaco ontem desaconselhou como arma. No que é estratégico, curiosamente, uma dissonância, com Cavaco a sugerir não falar de coligações ou apoios antes de idas às urnas depois de Montenegro já ter ensaiado uma aproximação à IL e um distanciamento vincado do Chega.

“O PSD não deve cometar o erro de pré-anunciar qualquer política de coligações” aponta Cavaco Silva, “sem que isso signifique pactuar com ideias e comportamentos que choquem frontalmente com os valores fundamentais da social-democracia e a filosofia humanista que a inspira”, contrapõe noutro parágrafo.

Numa só comunicação ao seu partido e ao seu país, Aníbal Cavaco Silva demitiu um primeiro-ministro, deu posse a um novo e ainda lhe apresentou um programa de governo. Para um homem de 83 anos, reformado há oito, não está nada mal.

Convém não menosprezar o que constatou, quem apoiou e quando decidiu fazê-lo.

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