Gestão da pandemia será tema forte de campanha. Como fariam os outros partidos se fossem Governo?

27 dez 2021, 07:21
Só o Partido Socialista parece satisfeito com a forma como está a ser gerida a pandemia. Foto: AP

A pandemia vai marcar – na organização e na discussão - a campanha para as legislativas, que arranca em janeiro. Da estratégia de testagem aos nomes à frente da DGS, os partidos têm ideias para fazer diferente do Governo do PS

O arranque da campanha ainda vai longe, mas há um dado que já parece certo: a gestão da pandemia vai ser arma de arremesso entre os partidos na luta pelo poder. O que fariam diferente? É essa a pergunta que aqui se dá resposta, tema a tema.

Só os socialistas parecem satisfeitos com a forma como o processo está a decorrer. “O PS é Governo e defende as medidas que têm sido aplicadas, a nível sanitário e de apoios sociais”, diz fonte oficial. A estratégia para o setor da Saúde fica para o início de janeiro, com a apresentação do programa eleitoral, mas sem grandes novidades: “A intenção é continuar no caminho traçado no Orçamento do Estado que foi chumbado”, acrescenta a mesma fonte.

Direita: antecipar para não correr atrás do prejuízo

O PSD, na corrida que se espera renhida, acena com “reformas” ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). “A pandemia apenas demonstrou as situações de falta de resposta, como a carência de médicos de família ou os tempos de espera”, diz Ricardo Baptista Leite.

O social-democrata insiste que, neste contexto, tudo “deve ser gerido com o máximo rigor”. Como? Com a antevisão de problemas futuros, para não se ficar a correr atrás do prejuízo. E dá um exemplo concreto: “Temos de preparar respostas para futuras ameaças biológicas ou pandémicas”.

“Antecipação” é também a palavra de ordem para o Chega. André Ventura insiste que “esta incerteza que o Governo tem promovido prejudica a economia”. “Faríamos contas mais a médio prazo. Sobretudo porque isso dá certeza [aos agentes económicos]”, reforça.

Diferenças ideológicas são notórias nas propostas dos partidos para a gestão da pandemia

Esquerda: mais equipas de saúde pública para cortar o mal pela raiz

À esquerda, os antigos parceiros de geringonça insistem na necessidade de contrariar a falta de recursos no SNS, a começar pelas equipas de saúde pública. A pandemia controla-se melhor se for possível quebrar cadeias de transmissão o mais depressa possível, dizem.

“Precisamos de ter equipas de saúde públicas que sejam mais robustas. O Bloco de Esquerda propõe, além do médico, do enfermeiro e do técnico de saúde ambiental, que sejam reforçadas por outros profissionais com outros conhecimentos e competências, como ciências sociais e matemáticas. Para uma visão mais global e integradas da pandemia”, resume o deputado Moisés Ferreira.

Também a comunista Paula Santos avisa que este reforço é “imprescindível”: “Sempre que há uma situação em que o número de casos aumenta, as dificuldades das equipas de saúde pública agravam-se logo”.

Os números confirmam o “défice estrutural imenso”. Para cumprir os rácios na saúde pública, Portugal deveria ter cerca de 412 médicos, 343 enfermeiros e 687 técnicos de saúde ambiental. No final de 2019 eram, respetivamente, 307, 234 e 363. Em 2021, o Governo anunciou a contratação de 110 enfermeiros e 110 técnicos de saúde ambiental – o que ainda não chega para a meta.

Bebiana Cunha, líder parlamentar do PAN, explica ainda que os técnicos de saúde ambiental estão agora alocados ao rastreamento da covid-19. “Surgem outros problemas, que não é possível acompanhar, como a monitorização das águas e do ar”, diz. E, sem esse controlo à partida, novos riscos se colocam para a saúde coletiva.

Novo confinamento geral? Só perante um descalabro

Seja à direita ou à esquerda, parece haver unanimidade numa questão: um novo confinamento geral é um cenário a afastar a todo o custo. Até porque a vacinação tem contribuído para contrariar os indicadores mais preocupantes da pandemia: os internamentos e as mortes.

O PSD, com Ricardo Baptista Leite, atira para as autoridades de saúde essa decisão sobre um novo confinamento. Mas os outros partidos são categóricos: só o aceitam com um total descontrolo da situação.

“Aqui ou ali pode haver alguma medida de contenção, no sentido de limitar contactos, mas não com novos confinamentos”, aponta o bloquista Moisés Ferreira. No extremo oposto do espectro político, André Ventura concorda: “Só deveria ser decretado numa situação absolutamente trágica de pressão sobre os serviços de saúde”.

Mais testes, mais vacinas (e a máscara do costume)

Com quase dois anos de pandemia, os partidos insistem que a estratégia para lidar com novas vagas e variantes só pode passar pelo reforço da vacinação e da testagem. Também o uso de máscaras reúne consenso, desde que seja essa a recomendação das autoridades de saúde.

“No final do verão, já tínhamos alertado para a necessidade de garantir a vacinação de reforço. Infelizmente, o Governo falhou na preparação. A preparação não tem sido o forte do Governo”, lamenta Ricardo Baptista Leite, deputado do PSD.

Para os bloquistas, o processo de testagem deveria ser integrado no SNS, canalizando o dinheiro que o Estado acabou a aplicar nas farmácias e laboratórios privados. “Está a sair mais caro, para uma menor capacidade de testagem”, defende Moisés Ferreira. Um das propostas concretas seria criar pontos de testagens em locais de grande circulação, como estação de comboios.

Já o PCP acena com a contratação de enfermeiros para os centros de vacinação. “Não podem funcionar com recurso aos profissionais dos cuidados de saúde primários”, acabando por prejudicar esta resposta, diz Paula Santos.

Em comum, bloquistas e comunistas têm outra vontade, que ditaria a sua postura junto das organizações internacionais caso fossem governo. Para acelerar a vacinação, ambos admitem que fariam pressão junto das organizações internacionais – neste caso, a União Europeia - para que fossem levantadas as patentes das vacinas.

Bloquistas querem testagem assegurada pelo Estado, integrada no SNS e não entregue a privados

Mudar generais? Talvez seja melhor esperar mais um pouco

“No meio das batalhas não se mudam os generais”. A frase é de António Costa, sobre Graça Freitas, ainda a pandemia estava nos seus primeiros dias. Mas, quase dois anos depois, fará sentido manter a diretora-geral da Saúde? Nesta questão, os partidos também se dividem.

“A última coisa que o país precisa num momento de crise desta eleição, sobretudo com o aproximar de eleições, é que haja posições sobre mudanças de liderança. É fundamental haver confiança na autoridade de saúde”, reage Ricardo Baptista Leite. O Bloco, com Moisés Ferreira, alinha: “Tenderia a dizer que, no meio de uma pandemia, convém não estar a alterar os membros da autoridade de saúde”.

Mas as falhas da DGS parecem não passar despercebidas a ninguém, sobretudo ao nível da comunicação, com sucessivos episódios de mensagens contraditórias. “É importante que haja um reforço dos meios da DGS, com uma estrutura de saúde pública mais próxima dos cidadãos”, diz a comunista Paula Santos.

E se Bebiana Cunha do PAN não hesita em falar em “erros que não deveriam ter sido cometidos”, só André Ventura é inequívoco a pedir a substituição. “Penso que era altura de uma mudança, porque entrámos numa nova fase”, argumenta o líder do Chega.  

Saída de Graça Freitas é defendida por André Ventura

E o setor privado, onde fica?

Também aqui, a questão é ideológica: para lidar com os picos de procura causados pela covid-19 e reduzir as listas de espera, deve o Estado recorrer ao privado?

Bloco e PCP dizem que o foco deve estar no serviço público, com o reforço de pessoal e o investimento que seria dirigido para os privados. “A lei de bases da Saúde é muito clara: refere que o recurso ao setor privado é supletivo. Estar a transferir para grupos privados, não permite reforçar o SNS”, resume Paula Santos.

Numa posição de equilíbrio, em linha com o modelo atual, surge o PAN: “o setor privado deve ser chamado numa perspetiva de colaboração, em que todas as partes saem a ganhar. Isto quando o setor público, esgotadas as suas respostas, não consegue dar uma resposta urgente”.

Já à direita, pede-se um novo modelo. André Ventura chama-lhe um “modelo de cooperação, em que os privados não vêm só para tapar buracos”. O social-democrata Ricardo Baptista Leite critica a “cegueira ideológica” de Marta Temido, ao concentrar a resposta no setor público, “deixando para trás” sobretudo os doentes não covid. “Deveria haver um plano de emergência na resposta aos tempos de espera”, com participação dos hospitais privados como parte do sistema de saúde, aponta.

A CNN Portugal contactou também o CDS-PP e o Iniciativa Liberal, mas não obteve respostas a este pedido.

Social democrata Ricardo Baptista Leite fala em recurso ao privado para reduzir listas de espera

 

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