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Diretor executivo CNN Portugal

Rio joga ao mata com Costa e à cabra-cega consigo mesmo

19 dez 2021, 15:52

Rio sempre disse que não se ganham eleições, perdem-se eleições. É o que está a fazer: a dizimar Costa para que o PS perca. Tem razão em tudo nos ataques ao governo socialista. Desta vez cola: é fácil acatar Rio porque é fácil atacar Costa. Mas além de desfazer o PS, o que quer o PSD fazer? A única linha substancial é a redução dos apoios públicos a quem não quer trabalhar, bela piscadela aos liberais. Tirando isso, Rio é o anti-Costa e o PSD é o contra-PS

Rui Rio tem um plano: ganhar os votos ao centro dos que estão saturados do PS e, ao mesmo tempo, seduzir os que deslizam para a Iniciativa Liberal sem dar muito nas vistas. Como? Afirmando-se a si como o anti-Costa e ao PSD como o contra-PS. A mensagem é simples: estão fartos do PS? Votem Rio, é ele quem pode riscar Costa do mapa e é ele quem vai pôr o Estado na ordem. É isto. 

É isto que o seu discurso de encerramento do 39º congresso do PSD demonstra. Não foi um grande discurso, ficou abaixo da vibração e da estamina do Congresso, e define-se muito mais por aquilo em que é contra do que naquilo de que está a favor. Está a favor de ser contra o PS.

Rui Rio joga ao mata

Rio sempre foi melhor a fazer oposição do que em criar alternativa. Foi o que fez no Congresso: arrasar “os anos de governação socialista”. Tem razão em quase tudo. Na falta de investimento público (um facto) para financiar a distribuição de riqueza (uma opção política), no excesso de carga fiscal (uma circunstância que se tornou padrão) e na falta de produtividade que mantém baixos salários (um facto), no desperdício das condições ímpares para o crescimento económico (uma opinião com que concordo há anos), na perda nos rankings de riqueza face a países europeus que estavam atrás de Portugal (um facto), na falta de reformas (uma opção política), na falta de coragem (uma opinião) e no excesso de propaganda (uma opinião com que é fácil concordar e que é, paradoxalmente, também uma forma de propaganda).  

A força de Rio cresce na exata medida em que se pressente a fragilização de António Costa. A responsabilidade é do primeiro-ministro. É verdade que nunca teve condições políticas para se impor livremente, ficou refém do PCP e do Bloco, mas criou uma cilada a si próprio quando bateu com a porta nas trombas do PSD. 

O PS transformou-se numa força politica conservadora, que adapta mas não reforma, que não propõe futuro mas regressos a um passado, mitificando-o enquanto passado pré-troika e sem austeridade, como se esse passado tivesse existido e fosse bom. O PS nunca criou a esperança, afirmou-se no situacionismo retrógrado e revisionista, como se não houvesse melhor, como se bastasse garantir que não será pior. 

A força de Rio é a fraqueza de Costa e ele sabe-o. E usa-o. E vai usá-lo à exaustão na campanha eleitoral. E assinalar todas as falhas e erros do PS, distribuir pancada pelos ministros da Educação, da Administração Interna e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, simbolizando-o como fantasma do futuro pós-Costa, ainda mais geringoncionista que Costa. E vai distribuir pancada pelos dinheiros gastos com o Novo Banco, com a TAP, com a EDP. Cito: “É este o país que temos”. Rio fala a linguagem do povo. 

Rio joga à cabra-cega 

Rui Rio propõe rumo para o país mas não um rumo para o país. Enuncia objetivos mas não traça políticas nem estratégias. Quer baixar impostos (quem não?), aumentar salários (quem não?), reformar a escola pública e a saúde (quem não?), mas nada diz sobre como pretende fazê-lo. Ou melhor, ele diz sem nada dizer.

E o que diz é: disciplina, rigor, autoridade, mão firme para pôr o país na ordem (ou, usando as suas palavras, combater a “anarquia”). É nisto que Rio é cavaquista. Impõe um estilo e um caráter político, mais do que medidas concretas. É pouco. Mas pode valer muito, num país que que elegeu tantas vezes Cavaco.

A “proposta” mais reveladora do vazio foi para o Ambiente: aposta no sol, vento, floresta, rios e mar, economia circular, blá blá blá, até para legitimar o legado de que o PSD “se orgulha” Rio foi fraco, dando como (único) exemplo desse legado Gonçalo Ribeiro Telles, ministro do Governo de Sá Carneiro, de há mais de 40 anos, alguém que era… do PPM. 

A proposta mais explícita (e corajosa) foi a de “cortar apoios sociais a quem os usa para se furtar ao trabalho”, o que coloca Rio a jeito para a crítica do “querem acabar com o Estado” mas tem um propósito óbvio: falar aos eleitores mais à direita, que têm deslizado para partidos como o Iniciativa Liberal. 

E mais não sabemos porque mais Rui Rio não disse. 

Um Congresso (quase) apoteótico

O discurso final de Rui Rio começou forte e acabou fraco, retirando energia a um Congresso que correu francamente bem ao presidente do PSD. Pela união, muitas vezes simulada e duas vezes posta em causa, no discurso de Miguel Pinto Luz e, sobretudo, na eleição de Paulo Colaço para o Conselho de Jurisdição. Mas sobretudo pelo cheiro a poder, a expectativa de ganhar – o poder é sempre o factor de maior unidade, mesmo se aparente, num partido e este embainhou os punhais sem os guardar no armário.  

Rui Rio está lançado para as eleições. As sondagens mostram-no, o partido não o leva ao colo nem em ombros, mas deu-lhe o cetro e reconheceu-lhe o trono. 

Vai o PSD ganhar as eleições? Repare, a mera formulação desta pergunta representa uma mudança de expectativas, ninguém a formulava há quatro semanas. Rio segue embalado numa dinâmica de vitória e com o discurso na ponta da língua. Ele é o anti-Costa e o PSD é o contra-PS. Um congresso é sempre também uma operação de propaganda e este foi-o para dizer que o PSD já em acredita em si próprio e que Rui Rio é o homem da disciplina, da autoridade, da linguagem desmarketizada, que não é fingido nem anda aqui “com rodriguinhos”. Rui Rio fala a linguagem do povo e fala com uma confiança que nunca teve, já não diz “se eu ganhar” antes de cada frase. 

Rio acredita que vai ganhar porque acredita que o PS vai perder. Como ele sempre disse que seria. É por isso que joga ao mata com Costa. Mesmo se joga à cabra-cega consigo mesmo.

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