A assistente de bordo que se tornou CEO da companhia aérea do seu país espera encorajar mais mulheres a chegar ao topo

CNN , Hanako Montgomery e Helen Regan
4 mai, 18:00
Mitusko Tottori, presidente e CEO da Japan Airlines. Daniel Campisi/CNN via CNN Newsource

O antecessor de Tottori tinha formação em manutenção aeronáutica, enquanto o presidente anterior começou por ser piloto

Mitsuko Tottori admite que o Japão tem ainda muito a fazer para que pessoas como ela ocupem lugares de diretor executivo (CEO).

Tottori foi nomeada a primeira mulher presidente e diretora executiva da Japan Airlines (JAL) em janeiro, coroando uma carreira que começou há quase 40 anos, quando entrou para a companhia aérea como assistente de bordo.

A sua ascensão é um feito raro num país onde as mulheres ainda enfrentam grandes obstáculos para serem promovidas.

"O Japão ainda está a estabelecer o objetivo inicial de aumentar (o número de) mulheres na gestão", disse à CNN numa entrevista na sede da companhia aérea em Tóquio. "Espero que o Japão se torne em breve um país onde as pessoas não fiquem surpreendidas quando uma mulher se torna presidente."

"Queremos aumentar seriamente o número de gestores (mulheres) e, mais do que isso, penso que é importante que as próprias mulheres queiram ser ativas, por isso espero ver cada vez mais (mulheres) no futuro", acrescentou.

Tottori, 59 anos, iniciou a sua carreira na transportadora nacional em 1985. Trinta anos mais tarde, em 2015, tornou-se diretora sénior de assistentes de cabina e foi sendo progressivamente promovida na hierarquia.

A sua experiência é muito diferente da dos seus antecessores. É extremamente raro que uma antiga assistente de bordo chegue a um cargo de topo. Dos últimos dez presidentes da JAL, sete licenciaram-se na prestigiada Universidade de Tóquio. Em contrapartida, Tottori frequentou o Kwassui Women's Junior College, em Nagasaki, parte de uma rede de instituições que tem desempenhado um papel importante no ensino superior feminino.

O antecessor de Tottori tinha formação em manutenção aeronáutica, enquanto o presidente anterior começou por ser piloto.

Tottori fotografada em 1985 a utilizar um telefone de bordo, começou a sua carreira como assistente de cabina na Japan Airlines. Cortesia da Japan Airlines

Entre as razões apontadas pela JAL para promover Tottori a um cargo sénior está o seu "elevado nível de conhecimento e experiência no terreno em operações e serviços de voo seguros ao longo da sua carreira" e, durante a pandemia de covid-19, deu um "contributo significativo para a manutenção de operações seguras".

Tottori assumiu o cargo a 1 de abril e a sua nomeação surge no momento em que a companhia aérea lida com as consequências da colisão do voo 516 no aeroporto de Haneda, em Tóquio, a 2 de janeiro, bem como com as consequências de uma crise de segurança em curso na Boeing.

Acidente grave

Ao aterrar em Haneda, o avião de passageiros Airbus A350 colidiu com um avião da guarda costeira na pista, matando cinco pessoas. Todas as 379 pessoas que se encontravam no voo 516 da JAL foram retiradas em segurança, num feito que pôs em evidência o impressionante protocolo de segurança seguido pela tripulação, que foi elogiada pela sua reação rápida e de cabeça fria.

Tottori diz ter assistido ao desenrolar do acidente pela televisão. Elogiou a tripulação e os passageiros pela rápida evacuação.

"Bem, antes de mais, penso que a cooperação dos nossos clientes foi enorme. Seguiram calmamente as instruções da tripulação, o que penso ter sido um fator importante. Além disso, penso que era importante que os resultados da formação (de segurança) fossem plenamente realizados", observou.

Tottori disse que iria fazer da segurança uma prioridade. No ano em que entrou para a companhia aérea, o voo 123 da JAL, que ia de Tóquio para Osaka, despenhou-se, matando 520 dos 524 passageiros a bordo, no que continua a ser o acidente aéreo mais mortífero da história da aviação.

Shukor Yusof, fundador da Endau Analytics, que acompanha o sector da aviação, afirmou que a segurança é fundamental no sector da aviação e que a experiência de Tottori ajudará a melhorar ainda mais esses protocolos.

O Japão tem uma excelente "cultura de segurança" em comparação com muitos países, mesmo os desenvolvidos. Infelizmente, a JAL já teve alguns acidentes graves (o voo 123 em 1985 e o último em janeiro de 2024). Penso que uma mulher, especialmente uma com um historial como tripulante de cabina, pode ajudar a melhorar os já elevados protocolos de segurança da JAL", considerou.

Diferença de género

A nomeação de Tottori surge num momento em que a Japan Inc. se esforça por colmatar uma lacuna de género gritante e melhorar a diversidade nas empresas de topo.

O Japão está classificado em 125.º lugar entre 146 países no Índice Global de Disparidade de Género 2023 do Fórum Económico Mundial, descendo nove lugares em relação ao ano anterior e situando-se muito abaixo de outros países desenvolvidos do Grupo dos Sete.

Regionalmente, na Ásia, o Japão ocupa a pior posição em termos de paridade de género, ficando em último lugar, atrás de Myanmar e das Ilhas Fiji.

Em 2023, apenas 12,9% dos cargos superiores e de liderança eram ocupados por mulheres, de acordo com o relatório Global Gender Gap.

"Há trabalhadoras que lutam muito para subir na carreira ou que estão a atravessar determinados momentos na suas vidas. Espero poder dar-lhes coragem ou levá-las a darem o próximo passo depois de verem a minha nomeação como presidente", afirmou Tottori em janeiro.

O governo pretende que, até 2030, as mulheres ocupem 30% dos cargos de gestão de topo nas principais empresas cotadas em bolsa e garante que apoiará os esforços para criar uma linha de promoção das mulheres.

Mas a mudança interna tem sido lenta.

Seijiro Takeshita, professor de gestão e informação na Universidade de Shizuoka, afirmou que as empresas japonesas não têm feito o suficiente para garantir que existam mulheres na linha de sucessão de executivos para serem promovidas a cargos de direção.

"As tradições, práticas e culturas são uma rocha difícil de perfurar. Mas estamos a chegar lá", defendeu. "O facto de uma mulher se tornar CEO da principal empresa japonesa é um sinal incrivelmente positivo."

A nomeação de Tottori está a ser encarada "de forma muito positiva" pelo público e pelas partes interessadas, especialmente tendo em conta o facto de ter seguido um percurso "não elitista" e ter subido na hierarquia da empresa.

O facto de uma tripulante de cabina se tornar CEO é visto de forma muito positiva, em especial pelos funcionários da JAL, que preferem ver os seus "camaradas" a tornarem-se CEO em vez de um diretor-executivo de outra empresa, burocratas ou ex-políticos", observou Takeshita.

A JAL recuperou bastante bem após a pandemia de covid-19, capitalizando o elevado interesse turístico pelo país, segundo Yusof.

"Dito isto, a sua concorrente doméstica ANA (All Nippon Airways) também está a ter um desempenho igualmente bom. De facto, a contínua fraqueza do iene é uma vantagem para os turistas, mas, por outro lado, há menos japoneses a viajar para o estrangeiro", apontou.

*Junko Ogura, Mayumi Maruyama e Juliana Liu contribuíram para este artigo

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