Família chora morte de recém-nascido no limbo entre a Bielorrússia e a Polónia

25 nov 2021, 16:32

Milhares de migrantes continuam a enfrentar temperaturas gélidas e condições precárias na fronteira. União Europeia ameaça com mais sanções, mas regime de Lukashenko não recua

Nasceu já sem vida depois de a mãe, no final da gravidez, ter passado vários dias na floresta debaixo de temperaturas negativas.

O bebé foi enterrado num pequeno caixão branco, num funeral organizado pela comunidade islâmica que existe junto à fronteira, na vila de Bohoniki.

O imã Aleksander Bazarewicz conduz a cerimónia. É já o quarto funeral, mas este é diferente. “Esta criança, que não chegou a nascer, conheceu o mesmo destino que os seus irmãos”, Bazarewicz refere-se às outras três sepulturas que se somam nesta tragédia humanitária.

Família chora morte de recém-nascido na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia/ CNN Portugal

Quando a mulher, de 38 anos, chegou às mãos dos médicos a temperatura corporal era de 27 graus. Está ainda em estado crítico, internada num hospital junto à fronteira. A Fundacja Dialog, uma organização não-governamental que está a apoiar migrantes e refugiados que conseguem passar a fronteira, conta que os médicos “não deram esperança à família”.

A mulher está em estado crítico, inconsciente, depois de sete dias na floresta: três do lado bielorrusso, quatro do lado polaco. Halikari foi enterrado ao lado de Mustafa, de 37 anos, que fugiu do Iémen, de Ahmad, um jovem sírio de 19 anos, e ainda um migrante cuja identidade não foi possível confirmar porque o corpo foi encontrado na floresta sem documentos.

A história trágica desta família do norte do Iraque ainda não terminou. Aguardam um milagre para que mãe sobreviva, enquanto choram a perda de uma gravidez interrompida pelas condições que viveram na floresta. O pai e quatro filhos menores juntaram-se um dia depois dos funeral para rezar junto à campa coberta com galhos de árvores da mesma floresta que os marcará para sempre.

A dor espelha uma violenta crise migratória sem precedentes causada, acusa o Ocidente, pelo presidente bielorrusso Alexander Lukashenko que atraiu até às fronteiras externas da União Europeia migrantes sobretudo originários do Médio Oriente.

Este jogo com vidas humanas ocorre depois de a União Europeia ter imposto sanções ao regime bielorrusso após a reeleição de Lukashenko em 2020 perante um sufrágio que a comunidade internacional viu como fraudulento. Uma situação agudizada pela violenta repressão dos movimentos de contestação popular, pela detenção arbitrária de opositores e pelo desvio de um avião comercial para prender um jornalista.

O que se segue para os migrantes na fronteira?

Durante as últimas semanas, a situação chegou a um ponto de ebulição. Acampados e a fazer face ao frio cortante e rodeados por arame farpado, migrantes entraram em confronto com guardas da fronteira. As autoridades polacas, armadas, utilizaram canhões de água para subtrair os protestos.

A crise pareceu ganhar uma bolha de oxigénio depois de o lado bielorrusso ter transferido algumas pessoas do campo perto da fronteira, para outro local. Isto aconteceu depois de um telefonema entre Lukashenko e a chanceler alemã, Angela Merkel.

No espaço de poucos dias, contudo, a Polónia voltou a denunciar o envio de migrantes para a fronteira. Cerca de 2 mil pessoas estão atualmente instaladas num armazém perto da fronteira com a Polónia. De acordo com a Bielorrussia, um total de 7 mil refugiados e migrantes permanecem no país, mas o número não é certo.

Como a equipa da CNN Portugal testemunhou, é impossível entrar na “zona de exclusão”, que se situa na fronteira com a Bielorrússia, ou seja, ninguém sabe ao certo quantas pessoas estão nesta área restrita.

 

Na semana passada, o Iraque repatriou cerca de 400 cidadãos - a maioria da região curda - que ficaram presos na fronteira durante semanas.

Um porta-voz do Governo Regional do Curdistão (KRG), Jotiar Adil, afirmou à Al Jazeera que os esforços foram ampliados para repatriar mais refugiados curdos na Europa, ainda que ninguém seja forçada a retornar.

No meio de tudo isto, continua o impasse. A União Europeia ameaça a Bielorrússia com mais sanções, mas Minsk recusa um recuo e um acordo firmado para proteger a população migrante parece cada vez mais distante.

Na semana passada, Lukashenko propôs um plano, no qual a Bielorrússia se comprometia a enviar 5 mil refugiados de volta para casa, desde que a Alemanha aceitasse acolher 2 mil. Berlim e a União Europeia recusaram esta solução.

No limbo, a Human Rights Watch afirma que pelo menos 13 pessoas morreram em consequência das "condições desumanas na fronteira", incluindo uma criança síria de um ano.

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