Desde o “abominável Galamba” ao “cowboy do Twitter”, a postura valeu-lhe inúmeros cognomes: histórias sobre o ministro caído

13 nov 2023, 17:32
João Galamba, ministro das Infraestruturas, na Assembleia da República (Lusa/ Tiago Petinga)

João Galamba demite-se para “assegurar” à família a “tranquilidade e discrição a que inequivocamente têm direito”. O ministro das Infraestruturas abica do cargo “apesar de entender que não estavam esgotadas as condições políticas de que dispunha” para o exercício de funções. Em maio, quando a CNN Portugal escreveu um perfil sobre Galamba que agora republica, descreveu-o como “influencer” - não desconfiando que esse seria o nome da operação que mergulharia o país numa crise política

“A minha persona pública existe, em grande parte, devido aos blogues.” A frase é antiga, de 2010. É de João Galamba, ministro que se tornou político à boleia do sistema mediático. No mundo digital, João Galamba foi-se adaptando. Primeiro nos blogues Jugular e Simplex, depois na rede social Twitter, onde revelou uma das facetas que mais o caracterizam: a disponibilidade para o embate e para a crítica a quem se afigure adversário. Gutural no ataque, explosivo no feitio.

A postura valeu-lhe inúmeros cognomes, desde o “abominável Galamba” por Vasco Pulido Valente ao “cowboy do Twitter” por Francisco Rodrigues dos Santos. Se havia polémica, Galamba ou a tinha criado ou a tinha escalado. Muitas vezes reiterando o que tinha dito quando o país não falava de outra coisa.

Mas, já como político, Galamba foi camuflando - ou domesticando - a intempestividade. Os socialistas foram também trabalhando a sua imagem nesse sentido. Antes de tomar posse, em janeiro, como ministro das Infraestruturas – substituindo o antigo amigo e aliado Pedro Nuno Santos, já que as relações começarem a azedar -, António Costa dizia ser a “escolha certa para o lugar certo”.

“Para ser membro do Governo, exige-se uma certa gravitas. Ele tem de ter mais trabalho para poder fazer e mostrar às pessoas que está a fazer”, admitia em maio à CNN Portugal João Pedro Matos Fernandes, antigo ministro do Ambiente, que trabalhou diretamente com Galamba, quando este era secretário de Estado da Energia. Ora, também Matos Fernandes foi alvo de buscas no âmbito da investigação que ditou a queda do Governo. Não foi constituído arguido, mas as suspeitas tornam-no uma peça-chave em toda a investigação.

À altura, a politóloga Paula do Espírito Santo argumentava que Galamba “não conseguiu transmitir, junto da opinião pública, uma mensagem de serenidade, de competência politica, de resolução de conflito, acabando por criar mais ruído à volta do Ministério das Infraestruturas e da TAP”.

Galamba na conferência de imprensa em que explicou a polémica com o assessor (Lusa)

Os elogios da Energia

Nas audições da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, vários sindicatos reconheceram que o conhecimento de João Galamba sobre a empresa era muito limitado. Mas diziam que era preciso dar-lhe tempo para se inteirar.

Falta de preparação não é algo que quem trabalhou com Galamba lhe costumasse apontar. Pelo contrário: quando deixou o cargo de secretário de Estado da Energia, que ocupava desde 2018, para subir a ministro, o setor foi maioritário no elogio. Pela sua capacidade de encontrar soluções e definir caminhos para o futuro, disseram.

“Com a entrada de Galamba, houve uma quantidade de desenvolvimentos legislativos. Era de um trato afável, objetivo nos temas, com uma postura proativa na resolução dos problemas”, descreveu Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).

Também João Pedro Matos Fernandes não poupava nos elogios ao seu antigo secretário de Estado: “Estou convencido que foi o melhor secretário de Estado da Energia que este país teve”, com uma “inteligência invulgar”, que “muito depressa percebe os assuntos” e tem uma “capacidade relacional, de ouvir muita gente, e que pensa de forma diferente”.​

João Galamba, Matos Fernandes e António Mexia em outubro de 2018 (Lusa)

Uma criação de Sócrates

Nos seus combates, João Galamba viu, por várias vezes, um nome ser usado contra si: José Sócrates. Ou não fosse ele, de alguma forma, uma criação do antigo primeiro-ministro socialista. Foi José Sócrates que, ao ver Galamba ganhar destaque na blogosfera, o convidou para integrar as listas de deputados em 2009.

Nesse mesmo ano, entraria como deputado na Assembleia da República, onde alimentou a postura de ataque à oposição. O hemiciclo, quando ele falava, transformava-se em arena. Uma postura que replicou, mais tarde, na comissão parlamentar de inquérito sobre o Banco Espírito Santo, que lhe valeria fortes elogios de diferentes quadrantes.

Mas, com o PS a firmar o divórcio com Sócrates, também Galamba se afastou de quem o trouxera para o partido: “Acho que é o sentimento de qualquer socialista, quando vê ex-dirigentes, no caso um ex-primeiro-ministro e secretário-geral do PS acusado de corrupção e branqueamento de capitais. Obviamente, envergonha qualquer socialista, sobretudo se as matérias de que é acusado vierem a confirmar-se”.

Para trás, ficava a fidelidade demonstrada noutro episódio que, passados tantos anos, ainda é usado para atacar Galamba: foi ele quem, recebendo a informação de alguém próximo do Governo de Passos Coelho, avisou Sócrates que era alvo de uma investigação. Era este o texto: "Fala com o JS [José Sócrates]. Há sururus de que vai ser feita qualquer coisa contra ele muito rapidamente, se souber algo mais aviso”.

Agora, curiosamente, esta investigação sobre os negócios do lítio, hidrogénio e “data center” da Start Campus, onde Galamba é arguido, acaba por arrastar um segundo primeiro-ministro socialista – António Costa - para um território de suspeição.

Galamba chegou a ter porta de saída apontada em maio. Mas ficou. (Lusa) 

Uma juventude longe da política e um casamento à direita

Em miúdo, era descrito como irrequieto e contestatário. À lista, os amigos juntam-lhe a boa disposição, o uso do sarcasmo e o espírito livre. Tão livre que, durante largos anos, a política era tudo menos uma preocupação. Mesmo tendo um pai que esteve preso por lutar contra o fascismo. Interessava-lhe mais o tamanho das ondas da costa portuguesa, para o bodyboard, e as viagens pelo mundo.

Aos amigos, gosta também de os juntar à volta de uma mesa, tenham eles a orientação política que tiverem. É o caso de Miguel Frasquilho que, publicamente, elogiou os dotes para a culinária de João Galamba. Em maio, ao telefone com a CNN Portugal, não quis falar de nada, mesmo o que não envolvia a política. Até porque Frasquilho, antigo presidente do Conselho de Administração da TAP - a mesma TAP que poderia ter ditado a saída de Galamba -, ia dar explicações sobre a empresa ao Parlamento. “Desde que foi para o Governo, encontramo-nos menos”, diz apenas.

Quando há quem critique a arrogância e intolerância de Galamba, há quem responda com outro nome: Laura Cravo. É que a mulher do ministro é de direita. Conheceram-se “numa festa de bloguers”.

Laura Cravo trabalhava no Ministério das Finanças, como coordenadora técnica no Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais. Mas informou que não quer continuar, depois de a TVI ter noticiado que estaria no cargo sem que a nomeação tivesse sido publicada em Diário da República. Fernando Medina saiu em defesa desta, dizendo que, tratando-se de um caso de mobilidade interna na Administração Pública, não seria necessária a nomeação.

Galamba com Pedro Nuno Santos na tomada de posse como ministro em janeiro de 2023 (Lusa)

Um inimigo que Costa quis manter por perto?

Entre os socialistas, ainda antes de começar a ser revelada a dimensão desta investigação sobre o lítio e os negócios do hidrogénio, o nome de Galamba já fazia tremer. Era sinónimo da existência de facções dentro do partido. “Quem tem a presença que João Galamba tinha no espaço público, com um estilo que desperta emoções, uns gostam, outros não”, admite-se no Largo do Rato.

No período de liderança de António José Seguro, entre 2011 e 2014, Galamba fez parte dos chamados “jovens turcos”, com Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro e Pedro Delgado Alves, que a contestavam. Integrava uma ala mais à esquerda, mais radical.

De Galamba, não era só o feitio a incomodar alguns camaradas de partido. O piercing na orelha, que se tornou uma imagem de marca de Galamba e alimentou muitas publicações no Twitter, também alimentava conversas. Porque o acessório ajudava à imagem de político desalinhado, de “enfant terrible”. O brinco que, na semana passada, veio alimentar muitas piadas nas redes sociais, após ter sido encontrado haxixe na casa de Galamba durante as buscas das autoridades.

Em 2016, numa entrevista ao jornal i, Galamba era questionado sobre se os socialistas de base já tinham aceitado um dirigente que usa brinco. “Não têm grande remédio”, respondeu. E completou: “Há uma ou outra pessoa que já fez comentários mais negativos, mas a generalidade das pessoas não dá grande importância ao tema”.

João Galamba no Parlamento em 2015 (Lusa)

O “estrume” de Montalegre e a “denúncia caluniosa” em Sines

Antes do imbróglio sobre a TAP e a recuperação do computador de um assessor que envolveu as secretas, um dos episódios que mais colocaram João Galamba como protagonista de polémica aconteceu quando ele já era governante, em 2021. Foi quando classificou, no Twitter, o programa de investigação “Sexta às 9” da RTP, então conduzido por Sandra Felgueiras (hoje na TVI, do grupo da CNN), como “estrume”. Ainda apagou a publicação, mas a Internet não esqueceu.

Isto na sequência de uma investigação sobre o processo de concessão de uma exploração de lítio em Montalegre a uma empresa que não tinha ganho esses direitos, constituída três dias antes do contrato. E que é um dos braços da investigação que acabou por precipitar a queda do Governo.

Sobre outro braço da investigação, relacionada com o projeto do hidrogénio verde em Sines, Galamba chegou a classificá-la como uma “denúncia caluniosa”. Agora, no comunicado de demissão, Galamba insiste que esta decisão “não constituiu uma assunção de responsabilidades quanto ao que pertence à esfera da Justiça”.

E fica a nota: “estrume” foi uma das palavras mais contidas que Galamba já publicou no Twitter. Porque, antes de ser ministro, havia de tudo um pouco, incluindo palavrões. Com a chegada ao Governo, Galamba tentou conter-se. Enquanto era secretário de Estado, de quando em vez, lá saía ao ataque. Mas, com a passagem a ministro, as publicações passaram a ser sobretudo de cariz oficial.

João Galamba com António Costa na tomada de posse em janeiro (Lusa)

Em 2010, em entrevista à jornalista Anabela Mota Ribeiro, Galamba garantia que não era “ambicioso”, embora defendesse com “intensidade” aquilo em que acreditava: “Mas ambicioso, no sentido de ter uma estratégia para o meu futuro, não. Nisso sou bastante relaxado e diletante”.

Agora, o fim do percurso como ministro é definitivo. Mesmo que ele argumente que poderia continuar a servir o país.

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