Uma viagem à Palestina mudou a vida e a obra de Rita Andrade: agora, as suas pinturas dão voz ao sofrimento de um "povo oprimido"

14 out 2023, 18:00

Artista portuguesa de 25 anos percebeu, depois de uma viagem a Israel, que queria usar a arte como forma de luta. Entre as muitas injustiças do mundo, a causa palestiniana ocupa um lugar destacado na sua obra

Os últimos dias têm sido de angústia para Rita Andrade. A artista de 25 anos tem ligado aos seus amigos palestinianos, residentes em Israel, e as notícias que eles lhe dão não são animadoras: "Não é só na Faixa de Gaza, em West Bank (Cisjordânia) também cortaram o acesso à comida, água e energia. Um dos meus amigos diz que já falta farinha e quase não há garrafas de água. Eles não têm como sair nem como entrar. Um outro amigo, que mora em Nazaré mas tem passaporte palestiniano, queria fugir e também diz que não consegue sair. As pessoas estão com muito medo", conta. "Existe um falso discurso por parte de Israel a dizer que é uma guerra contra o Hamas, mas é uma guerra contra os palestinianos, nenhum palestiniano está a salvo."

Rita Andrade não sabia nada sobre a Palestina até, em 2018, ter ido a um concerto de Roger Waters, o ex-vocalista dos Pink Floyd. "Ele falou do sofrimento do povo palestiniano e isso fez-me querer saber mais", recorda. "Queria perceber o que se passava." Fez muitas leituras e, no ano seguinte, viajou para Israel com a mãe e o irmão: "Para ver com os meus olhos."

"Nós somos católicos, mas não fomos como peregrinos. Também não fomos para fazer turismo em Telavive. Não fomos em nenhuma viagem organizada. Queríamos mesmo conhecer o país e ver como as pessoas vivem. Fomos sem guia e alugámos um carro." Quando aterraram em Telavive começaram logo a "sentir a opressão", recorda Rita. "Não passávamos da segurança sem responder a determinadas perguntas, muito pior do que ir aos Estados Unidos. Uma amiga que tinha ficado a ser interrogada durante quatro horas no aeroporto avisou-nos que não devíamos dizer que queríamos ir a território palestiniano. Mesmo assim, sentimo-nos muito controlados."

A família instalou a sua base em Jerusalém, num hotel que tinha muitos empregados palestinianos. "Ficámos 15 dias e como somos pessoas muito comunicativas é claro que falámos muito com eles. Eles contaram-nos tudo o que têm de fazer para vir do West Bank (Cisjordânia) para trabalhar, as humilhações diárias, às vezes ficavam presos nos checkpoints sem qualquer motivo."

A partir de Jerusalém visitaram Telavive, Jericó, Belém, Nazaré, o Mar da Galileia e o Mar Morto. Belém e Jericó ficam em território palestiniano, na Cisjordânia - "É como se fosse um outro país", descreve Rita Andrade.

"Fomos a Belém com um taxista palestiniano, que nos arranjou um guia local que nos fez um roteiro junto ao muro. Vimos várias obras de Banksy, incluindo aquela mais famosa que tem um palestiniano a atirar um ramo de flores e que está na parte de trás de uma oficina em Belém", conta.

Jericó foi uma "experiência diferente". Aí, foram sem guia, no carro alugado. "Fomos à aldeia onde a civilização começou. Houve um momento em que me sentei numa pedra, a olhar para a cidade de Jericó, que é uma ruína, e ouviu-se um chamamento de uma mesquita. De repente, comecei a chorar. Só de pensar que foi aqui onde tudo começou e como está agora..."

"Os únicos momentos em que sentimos algum receio nunca foi por causa de palestinianos, foi sempre por causa de Israel", afirma Rita Andrade, que recorda a presença de polícia armada nas ruas, por exemplo junto à mesquita de al-Aqsa, que é um dos mais importantes templos muçulmanos do país. "Mas eles têm horas certas para rezar - isso é opressão", considera, recordando que em Israel os cristãos são uma minoria e também são perseguidos. 

"Voltei de lá uma pessoa completamente diferente. Foi só o começo."

Nessa altura, Rita Andrade estava no quarto ano do curso de pintura na Faculdade de Belas Artes. Mas as obras que fez depois dessa viagem estavam impregnadas de Palestina e de mensagens sobre a importância da liberdade. Em 2021 fez uma primeira exposição, intitulada "I Can't Breathe Since 1948" ("Não consigo respirar desde 1948") - um titulo que juntava a referência ao movimento "Black Lives Matter" à data da fundação do Estado de Israel. Quando terminou o curso, foi para Londres, no Reino Unido, para fazer o mestrado em Art & Politics na Goldsmiths, University of London, para dar consistência ao percurso que tinha decidido fazer: "Percebi que era importante usar a minha arte para as minhas lutas, para denunciar os problemas que me parecem importantes e procurar a justiça. A arte é uma forma não violenta de comunicação e permite-nos chegar às pessoas, às vezes de uma forma ainda mais intensa do que as palavras."

Na tese de mestrado, trabalhou sobre o direito à segurança das crianças das Honduras e o modo como o tráfico de droga influencia a sua vida. Foi às Honduras, visitou escolas, instituições, orfanatos e trabalhou em colaboração com uma ONG - Organização Não Governamental local. As obras resultantes foram reunidas na exposição "Hope in The Shadows", que esteve patente em quatro cidades nas Honduras e que Rita Andrade está agora a tentar apresentar em Portugal.

Mas se é verdade que outros temas entraram na sua obra, desde Donald Trump à guerra na Ucrânia, a Palestina continuou a estar sempre presente. De tal forma que, em agosto, apresentou uma nova exposição, "Identity and Land", na galeria da Faculdade de Belas Artes.

"Isto não é simples. É um problema que dura há 75 anos, não há 72 horas. Era uma bomba-relógio, quanto mais opressão, quanto mais violência, maior a probabilidade de haver uma reação." Nas suas obras - algumas são autorretratos - Rita Andrade denuncia o sofrimento dos palestinianos mas também o uso da violência por ambos os lados da batalha. Mesmo que alguns quadros sejam mais explícitos e tenham bandeiras da Palestina, a artista garante que a mensagem é muito inclusiva e de paz. "A minha posição não é querer fazer mal a Israel, eu não apoio o Hamas, quero deixar isso bem claro. Quero apelar à comunicação. O que eu digo é: terrorismo não e responder com terrorismo ao terrorismo também não", reafirma, para que não haja confusão. Num mundo perfeito, israelitas e palestinianos conseguiriam viver lado a lado, respeitando-se mutuamente. "Todos sabemos que a única forma de haver paz é Israel reconhecer a Palestina como Estado. Mas Israel não quer ceder..." 

Com os seus quadros, Rita Andrade sabe que não vai mudar o mundo, mas "o ativismo começa dentro de casa, no nosso bairro", com pequenos gestos. "Muitas pessoas não estavam atentas a este tema e começaram a interessar-se. Não têm de concordar comigo, se se interessarem já é alguma coisa." Além disso, através das redes sociais, as obras chegam também a muitos palestinianos, que lhe deixam mensagens emocionadas: "Eles são muito gratos. Dá-lhes esperança e conforto saber que alguém os apoia e está a espalhar a sua mensagem." 

Relacionados

Artes

Mais Artes

Mais Lidas

Patrocinados