"Padres com acusação objetiva devem ser retirados automaticamente de funções". Mais uma voz da igreja a "pressionar" ação imediata

CNN Portugal , MJC
7 mar 2023, 09:55
Igreja, padres, religião. Foto: AP Photo/Luis Hidalgo

Nuno Santos, reitor do seminário de Coimbra, lembra que "há diretivas objetivas do Papa Francisco, que ditam que, quando um sacerdote é acusado e essa acusação é objetiva e tem fundamento forte, esse padre deve ser retirado automaticamente de funções"

"É verdade que um nome não é suficiente para afastar um sacerdote, mas é claro para todos, e há diretivas objetivas do Papa Francisco, que ditam que, quando um sacerdote é acusado e essa acusação é objetiva e tem fundamento forte, esse padre deve ser retirado automaticamente de funções", afirmou o padre Nuno Santos, reitor do seminário de Coimbra, ao jornal Público. "Deve ter havido um problema" na interpretação das palavras do cardeal-patriarca, diz o padre.

Desde que, na sexta-feira, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou que não ia suspender os padres suspeitos de abusos sexuais por não ter dados dados suficientes para agir, muitas têm sido as vozes, dentro e fora da Igreja, que têm criticado a posição dos bispos.

"Para fazer justiça é preciso saber se há um abusador, quem, quando, em que circunstâncias", afirmou José Ornelas, presidente da CEP. E, portanto, se isso não é descoberto e não tem plausibilidade, se não há um acusador, um deponente, que tenha nome, a quem se possa contactar... Não basta dizer 'aconteceu isto' - tem de se saber quem é que diz 'aconteceu isto', onde, quando, em que circunstâncias... "  Segundo José Ornelas, cada nome da lista entregue pela Comissão  Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa "tem de ser considerado em cada diocese para decidir quais as medidas adequadas a tomar e, se houver plausibilidade de pôr em perigo outras pessoas e a persistência de abusos", agir-se-á. Só nesse momento se pode determinar o afastamento de algum dos padres, nunca antes, disse.

Também o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, declarou que a Igreja só poderia atuar se tivesse factos para juntar aos nomes que constam da lista apresentada. “Aquilo que nos foi entregue pela Comissão Independente foi uma lista de nomes. Se essa lista de nomes for preenchida por factos, tanto nós como as autoridades civis podemos atuar”, disse Manuel Clemente.

Esta ideia foi, no entanto, desmentida pelo psiquiatra Daniel Sampaio, membro da Comissão Independente: “Quando o cardeal-patriarca diz que a Igreja não tem dados não é verdade”, afirmou o psiquiatra. "Não é verdade que é só uma lista de nomes”, disse, esclarecendo: “A lista foi obtida a partir das denúncias de vítimas – em que a vítima X diz que foi abusada pelo padre Y – e da investigação resultante do Grupo de Investigação Histórica junto dos arquivos. E a lista que foi entregue resulta da junção destas duas”.

Esta mesma posição já tinha sido tomada pelo pediatra Pedro Strecht, presidente da Comissão Independente, que logo na sexta-feira declarou: “A lista que foi entregue faz parte daquilo que a igreja já sabe também diocese a diocese. Esses dados foram trabalhados também pelo grupo de investigação histórica na pesquisa que foi realizada nos arquivos históricos e secretos, portanto não vejo assim motivo para preocupação”, disse, sublinhando que a igreja dispõe de “dados sobre cada um desses casos”.

“Há vários mecanismos de que a igreja dispõe e que certamente poderá usar mesmo dentro do direito canónico e de perceber também o que acontece diocese a diocese. Não tenho dúvidas de que cada senhor bispo desejará saber o mais possível o que é que pode estar a acontecer na sua diocese, para prevenir e, sobretudo, para que o futuro em cada local seja sempre garantido de uma forma diferente e saudável. Senão não fazia nenhum sentido que a própria igreja tivesse pedido este estudo há cerca de um ano e obviamente não fosse capaz de lidar com esses dados. Vai com certeza ser capaz de lidar com esses dados”, afirmou Strecht.

Mesmo dentro da Igreja, nem todos concordam que não se possa agir. O bispo auxiliar de Braga, Nuno Almeida, afirmou que “pedir perdão é necessário mas não é suficiente”, sublinhando que “não pode continuar a haver vítimas, agressores e encobridores” face às denúncias de abusos sexuais na Igreja Católica. “O bispo deve acolher, analisar, avaliar e aprofundar, com a devida atenção, todas as denúncias, independentemente da forma ou do canal utilizado. Deverá dar todo o apoio e protecção possíveis às vítimas e retirar as consequências necessárias, nomeadamente (…) tomar medidas de tipo administrativo contra a pessoa denunciada, que poderão levar a limitações no ministério”, escreve o bispo numa nota publicada no site da diocese. 

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