“As questões éticas, primeiro, e as questões morais, depois, parecem ter ficado subterradas pelas questões do direito, quer canónico, quer civil”, diz Nuno Caiado. Ordem dos Psicólogos, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e Associação Quebrar o Silêncio também criticam a posição da conferência episcopal
Pedro Strecht, o pedopsiquiatra que coordenou Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal reiterou esta sexta-feira a importância dos dados remetidos à igreja, depois de, em conferência de imprensa esta tarde, a Conferência Episcopal Portuguesa ter defendido ser necessária “uma base sólida” para afastar clérigos que tenham cometido abusos. Não foi o único a mostrar-se deiludido com a resposta da Igreja ao chocante relatório divulgado a 13 de fevereiro.
Associação Quebrar o Silêncio diz que discurso da Igreja é ambíguo
A associação Quebrar o Silêncio, que apoia homens e rapazes abusados sexualmente, classificou como ambíguo o discurso da Igreja Católica portuguesa, questionando como vai ser operacionalizado o apoio psicológico prometido às vítimas.
"O discurso foi ambíguo", disse à Lusa o presidente da associação, Ângelo Fernandes, numa reação às conclusões da Assembleia Plenária extraordinária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que hoje decorreu em Fátima para analisar o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Menores na Igreja Católica em Portugal.
"Ficamos na dúvida como é que o apoio psicológico vai ser garantido, em que circunstâncias e quem vai prestar esse apoio", afirmou Ângelo Fernandes, apontando a falta de "medidas mais concretas e detalhadas" no tempo.
O dirigente da associação Quebrar o Silêncio realçou, ainda, que o apoio psicológico a vítimas de abusos sexuais "tem de ser altamente especializado", exigindo "conhecimento sobre trauma".
APAV diz que “ainda ficaram muitas perguntas por responder” pela Igreja
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) considera que “ainda ficaram muitas perguntas por responder” por parte da Igreja em relação aos abusos dos menores, defendendo que devem ser tomadas medidas “muito brevemente”.
“Ainda ficaram aqui muitas perguntas por responder e o expectável é que seja respondido muito brevemente sob pena de estarmos todos a fazer um percurso com muitos poucos resultados visíveis”, disse à agência Lusa Carla Ferreira, assessora técnica da direção da APAV.
Para Carla Ferreira, “não ficou claro” por parte da Igreja se vai haver uma continuidade da comissão independente e como esta “tolerância zero se operacionaliza”, uma vez que simultaneamente a CEP diz que só se afastam clérigos denunciados se o relato for credível”. “Para a APAV, a palavra das vítimas costuma ser ela própria auto explicativa”, disse, considerando importante um esclarecimento sobre esta questão do afastamento dos padres.
Bastonário dos psicólogos diz que não bastam medidas simbólicas da Igreja para as vítimas
O bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) defendeu que não bastam “medidas simbólicas” da Igreja Católica para responder às vítimas de abusos sexuais cometidos por padres ou elementos de outras estruturas ligadas ao clero.
Em declarações à Lusa, Francisco Miranda Rodrigues reconheceu a importância do apoio psicológico e psiquiátrico às vítimas anunciado pelo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o bispo José Ornelas, mas avisou que pode não chegar a ser uma solução. “É muito difícil percebermos como é que se consegue, sequer, sentir minimamente, dar algum significado e ultrapassar este tipo de situações, pelo que devemos entender como aceitável que, para as vítimas, aquilo que possam encontrar de resposta ao que foi o sofrimento que lhes foi infligido seja difícil de ser suficiente para fazer face à perda. Em algumas dimensões é já muito dificilmente reparável”, referiu.
Segundo Francisco Miranda Rodrigues, a capacidade para ajudar algumas das vítimas é demasiado limitada perante o trauma dos abusos sofridos no passado. “São precisas mais do que medidas simbólicas”, assinalou o bastonário, assegurando que a Ordem “nunca foi contactada pela Igreja” sobre este tema e que o mais importante é garantir às vítimas a liberdade de escolha relativamente ao apoio psicológico desejado.
Subscritor de carta aberta à Igreja aponta equívocos à resposta dos bispos aos abusos
A resposta da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) dada hoje aos abusos sexuais na Igreja assenta em equívocos, lamentou Nuno Caiado, primeiro subscritor da carta aberta que impulsionou a criação de uma comissão independente para estudar os abusos na instituição.
“As questões éticas, primeiro, e as questões morais, depois, parecem ter ficado subterradas pelas questões do direito, quer canónico, quer civil”, afirmou à Lusa Nuno Caiado, que descreveu o comunicado da CEP e as declarações do seu presidente, o bispo José Ornelas, como “uma resposta equivocada”, sublinhando: “Não esperava mais, mas desejava mais. A Igreja parece não ser capaz de construir uma resposta sólida ao problema”.
Para este católico, inserido num grupo de cerca de 200 pessoas e seis movimentos que divulgaram esta semana uma nova carta aberta com propostas para mudar a realidade exposta pela Comissão Independente, a posição da CEP sobre uma possível indemnização às vítimas de abusos sexuais por padres e elementos ligados à Igreja traduz uma “insensibilidade atroz”.
“Fazer depender as indemnizações financeiras às vítimas de um processo cível é de uma insensibilidade atroz. E eu faço parte do grupo de pessoas que não considera que as indemnizações sejam, propriamente, a melhor solução. Daí a fazer depender de um processo nos tribunais civis parece-me uma coisa extraordinária e inaudita. O que temos aqui em causa é postergar a clarificação que já devia aparecer hoje. E isso parece-me um pouco triste”, frisou.
Nuno Caiado criticou ainda a ausência de uma palavra sobre critérios ou metodologia a instituir junto das comissões diocesanas para prestar apoio às vítimas, bem como a atribuição da decisão de afastamento de padres abusadores a cada bispo, considerando que pode dar azo a uma “dualidade de critérios” na resposta a estes casos.