Pedro Strecht considera que dados sobre abusos são significativos e que a igreja tem "vários mecanismos" para atuar

Agência Lusa , MJC
3 mar 2023, 21:22
Pedro Strecht (Lusa/António Cotrim)

"Não fazia nenhum sentido que a própria igreja tivesse pedido este estudo há cerca de um ano e não fosse capaz de lidar com esses dados", afirmou o presidente da comissão independente que investigou os abusos sexuais na igreja católica portuguesa

Os dados remetidos à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) sobre os abusos na igreja católica são “importantes e significativos”, defendeu o coordenador da comissão independente, acrescentando que a igreja dispõe de “vários mecanismos” para atuar.

Pedro Strecht, o pedopsiquiatra que coordenou Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal - e cujo relatório final foi divulgado a 13 de fevereiro – reiterou esta sexta-feira a importância dos dados remetidos à igreja, depois de, em conferência de imprensa esta tarde, a CEP ter defendido ser necessária “uma base sólida” para afastar clérigos que tenham cometido abusos.

“Caberá à igreja decidir e pensar sobre os dados que tem, que obviamente são importantes e significativos”, disse Pedro Strecht, à saída de uma reunião ao final da tarde no Ministério da Justiça, em Lisboa, com as ministras da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, tendo sido acompanhado por outros membros da comissão, entre os quais a socióloga Ana Nunes de Almeida, e o psiquiatra Daniel Sampaio.

Questionado sobre as afirmações do presidente da CEP, o bispo José Ornelas, na conferência de imprensa de hoje, de que as listas remetidas pela comissão apenas continham nomes, sem qualquer outra informação, e sobre se isso seria uma limitação à continuidade da investigação, até pela própria igreja, Pedro Strecht desvalorizou.

“A lista que foi entregue faz parte daquilo que a igreja já sabe também diocese a diocese. Esses dados foram trabalhados também pelo grupo de investigação histórica na pesquisa que foi realizada nos arquivos históricos e secretos, portanto não vejo assim motivo para preocupação”, disse, acrescentando que a igreja dispõe de “dados sobre cada um desses casos”.

“Há vários mecanismos de que a igreja dispõe e que certamente poderá usar mesmo dentro do direito canónico e de perceber também o que acontece diocese a diocese. Não tenho dúvidas de que cada senhor bispo desejará saber o mais possível o que é que pode estar a acontecer na sua diocese, para prevenir e, sobretudo, para que o futuro em cada local seja sempre garantido de uma forma diferente e saudável. Senão não fazia nenhum sentido que a própria igreja tivesse pedido este estudo há cerca de um ano e obviamente não fosse capaz de lidar com esses dados. Vai com certeza ser capaz de lidar com esses dados”, acrescentou.

Ana Nunes de Almeida sublinhou que o que foi remetido à CEP “contém toda a informação necessária” e Daniel Sampaio reiterou que os dados remetidos já eram conhecidos.

“Os senhores bispos não têm nenhuma surpresa com esta lista. Esta lista já foi partilhada com os senhores bispos através do grupo de investigação histórica que trabalhou em cada diocese. Esta lista é apenas uma compilação do trabalho que já foi feito”, disse o psiquiatra.

Sobre a intenção anunciada de criar uma nova comissão para receber denúncias, que funcione de forma independente da hierarquia da igreja, Pedro Strecht disse que, “se assim for, ótimo”, sublinhando que esta era uma das sugestões da comissão independente, que hoje deu por terminado o seu trabalho com a reunião com o Governo ao final da tarde.

Sobre o encontro com as duas ministras, Pedro Strecht disse que as recomendações da comissão venham a ser tidas em conta.

“Viemos debater propostas concretas que o nosso relatório contém no domínio das recomendações para toda a sociedade civil e encontrámos uma resposta calorosa e positiva da parte de membros do Governo e, portanto, esperamos que, obviamente, alguma coisa na prática mude nesse aspeto”, disse.

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.

Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.

Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.

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