Que “libertação”?

29 mar 2022, 16:05

Com novas negociações para um cessar-fogo, a Rússia anuncia que se vai concentrar agora na “libertação” de Donbass

Tudo começa no início. E os primórdios da “operação militar especial” de um homem só começam no reconhecimento da independência de repúblicas autoproclamadas num país soberano. Um reconhecimento teatral e teatralizado, culminando anos de patrocínio ao separatismo e que, compreendemos hoje, abria a porta ao tudo por tudo no nada da guerra. Caía assim o pano no palco do jogo de sombras onde se deixaram promessas vazias e criticaram histerias, mesmo após meses de concentrações obscuras às portas, prontas a rasgar o mapa, pelo mar, pelo ar, pela terra.

E quando tudo começou, seguindo a “legitimação” formal anunciada, acreditou-se que o corredor separatista concentraria as pretensões invasoras. Mas, como depois de qualquer início há sempre um meio e, mais importante que tudo, um fim, as sombras concentradas às portas irromperam por todos os corredores: pelo norte, pelo sul, pelo leste. Da “libertação” parcial, à “libertação” total.

Na colisão frontal com uma resistência feroz, as ambições da coluna agressora descarrilaram no ataque à capital, onde pretendia decapitar o regime e ser recebida de forma triunfal, na crença cega alimentada por mitos exacerbados do comandante supremo, antigo espião e coronel num mundo que já não existe nem regressa, para ser “libertadora” de um povo que não pretende ser libertado - apenas pretende ser e existir. Soberano.

Cercado o alvo mas emperrados os planos, frustradas as pretensões, esgotadas as logísticas, mortos aos milhares – tantos, na ignorância do cumprimento cego do dever, crentes até no mito “libertador”-, intensifica-se a agressão noutros corredores. A sul, Mariupol, cidade obliterada, quase apagada do mapa, numa campanha esmagadora, indiferente ao sofrimento, um inferno na terra de bombardeamentos contínuos, civis usados como escudos, valas-comuns e, tudo indica, execuções sumárias de quem só quer fugir. É isto a “libertação”?

Com novas negociações no horizonte incerto da guerra, volta-se então aos primórdios da “legitimação” invasora, com anúncios sobre o começo de uma nova fase de “libertação” nas repúblicas autoproclamadas, ainda com ambições territoriais para lá das linhas soberanas. Testa-se os limites da integridade territorial que a Ucrânia, disponível para discutir neutralidades, garante estar disposta a defender a qualquer custo. A leste, nada de novo? A “libertação” anunciada será um novo começo, um meio ou o início do fim?

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