Como Zelensky mudou a resposta do Ocidente à Rússia

CNN , Análise por Stephen Collinson
28 fev 2022, 19:44
Volodymyr Zelensky. Foto: AP

Cinco dias após a brutal invasão da Ucrânia por parte da Rússia, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e a sua corajosa nação já fizeram mais pela transformação da política do Ocidente em relação à Rússia do que 30 anos de cimeiras desde o fim da Guerra Fria e redefinições de políticas e confrontos com o presidente russo Vladimir Putin.

A resistência do líder ucraniano inspirou e envergonhou os Estados Unidos e a União Europeia a irem muito mais longe - e de forma muito mais rápida - do que aquilo que pareciam dispostos a fazer no sentido de tornar a Rússia num Estado pária. Ao prometer armas e munições a Zelensky, de 44 anos, o Ocidente parece estar a ser cada vez mais atraído para uma possível guerra por procuração com Moscovo pela Ucrânia, ainda que este não seja um membro da NATO capaz de beneficiar dos acordos da aliança de uma defesa mútua direta.

Depois de ter insistido na semana passada que as sanções seriam avaliadas numa curva ascendente com base no comportamento russo, Washington e os seus aliados apressaram-se a sancionar pessoalmente Putin e expulsaram os principais bancos russos da importante rede financeira global SWIFT. A Alemanha, liderada pelo novo chanceler Olaf Scholz, avançou num sentido inesperado e prometeu exceder as metas da NATO em gastos com defesa e ultrapassou as suas reticências em enviar armas para zonas de guerra ao prometer armar os ucranianos que combatem as tropas russas. A Alemanha suspendeu ainda o funcionamento do gasoduto Nord Stream 2, que transportava o gás russo de vital importância para a Europa Ocidental. Noutro momento marcante, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, um protegido de Putin, colocou-se ao lado dos outros líderes da União Europeia contra os russos. Outro autocrata, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, que mantinha laços estreitos com Putin, invocou uma convenção de 1930 que poderia complicar as operações navais russas no Mar Negro.

E a Grã-Bretanha, depois de muito tempo a fechar os olhos às fortunas de oligarcas que eram lavadas através de sumptuosas propriedades em Londres, declara tardiamente, nas palavras do primeiro-ministro Boris Johnson, que: “Não há lugar para dinheiro sujo no Reino Unido”. Até o ex-presidente Donald Trump, que passou a semana passada a elogiar o “génio” de Putin enquanto a invasão ia avançando, sentiu-se no sábado obrigado a homenagear a bravura de Zelensky, o mesmo que tentou chantagear com ajudas dos EUA num telefonema que levou ao seu primeiro “impeachment”.

O heroísmo do presidente ucraniano também sensibilizou pessoas em todo o mundo e desencadeou uma profusão de pequenos gestos de apoio. Os responsáveis da Fórmula 1 e do futebol europeu retiraram a Rússia de eventos importantes. Os espetáculos de ballet russo foram cancelados no Reino Unido. E alguns estados americanos estão a retirar das prateleiras a vodka fabricada na Rússia.

O apelo emocional de Zelensky

O reforço significativo da frente global contra a Rússia durante o fim de semana foi seguido por pedidos de ajuda cada vez mais inflamados por parte de Zelensky. Líderes europeus relataram que, durante uma conversa na semana passada, ele havia dito que não sabia quanto tempo ele ou o seu país iriam aguentar.

Poucos agentes externos esperavam que Zelensky, um ex-comediante que ignorou ou menosprezou os alertas americanos de uma invasão iminente durante semanas, deixando frustradas as autoridades americanas, se viesse a transformar num líder à altura deste momento na história do seu país. A sua indiferença mudou alguns dias antes da invasão, quando começou a fazer apelos por ajuda cada vez mais angustiantes. A sua relutância inicial pode ter deixado muitos dos seus compatriotas desacautelados para o sofrimento que estava próximo.

 

Ainda assim, perante as circunstâncias mais extremas, Zelensky tem vindo ironicamente a exibir os mesmos valores – incluindo uma firme defesa da democracia – que habilitariam a Ucrânia a ser membro da União Europeia e da NATO, um caminho que Putin tentou cortar com esta invasão.

“Eles são um de nós e queremos que entrem”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em entrevista à Euronews no domingo, referindo-se à Ucrânia.

Zelensky não está apenas a criar uma imagem de uma lenda histórica, ao enfrentar a tirania de uma forma que o coloca ao lado de famosos dissidentes da Guerra Fria, como o líder do partido polaco Solidariedade Lech Walesa e Imre Nagy, o líder assassinado da revolta húngara de 1956 contra o Pacto de Varsóvia. Ele está a oferecer o tipo de liderança inspiradora que muitas vezes faltou durante uma pandemia que viu alguns líderes a porem os seus objetivos políticos acima do bem comum e a recusarem-se a seguir as regras de saúde pública que impuseram ao seu povo. Ao contrário do ex-presidente afegão Ashraf Ghani, que fugiu de Cabul quando os talibãs atacaram a capital no verão passado, Zelensky está determinado a ficar e lutar - e possivelmente a morrer com o seu povo.

Tornou-se o mais invulgar dos líderes - sinónimo do espírito e caráter do seu povo num momento crucial da história e capaz de incentivá-los a esforços nacionais cada vez maiores, como o primeiro-ministro britânico Winston Churchill durante a II Guerra Mundial ou George Washington durante e após a revolução americana.

Naquele que já se tornou um comentário icónico, Zelensky rejeitou as ofertas americanas de uma fuga para um local seguro, dizendo aos EUA, de acordo com a embaixada do seu país na Grã-Bretanha: “A luta é aqui. Preciso de munições. Não de uma boleia.”

Noutra mensagem comovente no domingo, o presidente ucraniano avisou o resto do mundo que, embora sejam ele e o seu país a estarem na linha de fogo, ele estava a travar uma luta em nome da democracia e da liberdade em todo o mundo.

“Os ucranianos manifestaram a coragem de defender a sua pátria e salvar a Europa e os seus valores de um ataque russo”, disse.

“Não se trata apenas de uma invasão da Ucrânia pela Rússia. Este é o começo de uma guerra contra a Europa, contra as estruturas europeias, contra a democracia, contra os direitos humanos básicos, contra uma ordem global de lei, regras e coexistência pacífica.”

Uma reviravolta alarmante na crise

Os comentários de Zelensky surgiram numa altura em que a crise na Ucrânia tomou um rumo ainda mais alarmante.

Putin, num ataque aos líderes da NATO, colocou as forças de intimidação da Rússia - incluindo armas nucleares - em alerta máximo. Esta medida pode ter sido destinada a assustar o Ocidente, mas também aumentou os receios de uma escalada até níveis verdadeiramente assustadores.

A retórica nuclear de Putin surgiu numa altura em que este parecia cada vez mais isolado, com as suas tropas atoladas nas estradas para Kiev e cenas de colunas militares incendiadas a sugerirem a robustez da resistência ucraniana.

Nunca houve tanta necessidade de oferecer a Putin algum tipo de saída diplomática da crise. Mas nem os líderes ocidentais nem os ucranianos tinham grandes esperanças nas conversações desta segunda-feira entre funcionários de Kiev e de Moscovo na fronteira com a Bielorrússia.

E a esperada queda da moeda russa, o rublo, esta segunda-feira, devido às sanções internacionais, pode aumentar ainda mais a pressão política sobre Putin e agravar o seu humor instável.

Um mau presságio à espreita

A invasão russa da Ucrânia é, mais do que tudo, o resultado da obsessão de um homem com a queda da União Soviética, o estado do mundo pós-Guerra Fria e o desrespeito sentido em relação às pretensões da Rússia de ser uma grande potência. Mas se Putin iniciou a crise, tem sido o comportamento de Zelensky que tem impulsionado a resposta do resto do mundo - muitas vezes usando êxitos das redes sociais que têm feito a máquina de propaganda russa parecer desprevenida.

Mas deveremos questionar se a resposta está a chegar tarde demais para a Ucrânia.

No domingo, foi avistada em imagens de satélite uma coluna russa de quase cinco quilómetros de comprimento na estrada para Kiev, alimentando o medo face a um possível ataque à capital que colocaria civis diretamente na linha de fogo e aumentaria o já elevado número de mortes civis, que no domingo se cifrava em 352, de acordo com as autoridades locais. Os líderes ocidentais dizem que irá demorar até que as sanções comecem a causar dor a Putin, aos oligarcas que o apoiam e ao povo russo. Mas a Ucrânia pode ter apenas dias, e não semanas, enquanto nação independente.

A sobrevivência do presidente ucraniano está tornar-se mais importante também para o resto do mundo. As contrariedades que as forças russas têm enfrentado ressalva a dificuldade que a Rússia teria em subjugar uma nação do tamanho da França sob ocupação. Uma Ucrânia dividida e uma insurgência em grande escala seriam muito mais eficazes com Zelensky como testa-de-ferro. A sua nova influência nas capitais globais e a capacidade de mobilizar uma pressão política por parte de líderes estrangeiros podem ser inestimáveis para a causa ucraniana, e é por isso que uma eventual fuga de Kiev pode ser essencial para as esperanças de libertação do seu país.

Mas Zelensky e milhares dos seus compatriotas ucranianos sabem que podem ter os dias contados. Putin parece estar encurralado, pelo que para ele se torna ainda mais urgente acabar com o conflito de forma rápida e definitiva. O líder russo, que humilhou Zelensky e os seus compatriotas ao apelidá-los de nazis, tem um histórico de reações de terra queimada que mostram pouca preocupação para com a morte de civis. A destruição total da capital chechena Grozny pela Rússia, num esforço impiedoso de esmagar os separatistas pode ser um mau presságio para Kiev nos próximos dias.

E o extraordinário sucesso de Zelensky até agora só fez dele um alvo mais valioso para a Rússia. Moscovo pode concluir que a sua captura ou morte pode levar ao colapso da moral e resistência ucranianas.

No entanto, as evidências dos últimos dias tornam essa tese questionável.

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