Do isolamento à saúde mental de Putin. Análise ao comportamento do líder russo

28 fev 2022, 18:10
Vladimir Putin. Foto: Grigory Sysoev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

A contestação cresce dentro de portas, também à custa das sanções encontradas pela comunidade internacional. Vladimir Putin parece estar sozinho na ideia de invadir a Ucrânia. Mas é preciso esperar que o tempo e os interesses de quem o apoia confirmem as suspeitas

Com os receios da pandemia, Vladimir Putin instala-se na sua residência nos arredores de Moscovo. O presidente russo impõe duras regras às visitas. É nesta solidão desejada, que começa a trabalhar naquela que é vista como a base para a decisão de invadir a Ucrânia.

Um dos frutos desse isolamento é um longo ensaio, publicado no verão de 2021, onde confirma as pretensões imperialistas. “Sobre a unidade histórica de russos e ucranianos”, assim se chama. Putin escreve que os dois lados são “um povo”, argumenta que a Ucrânia é um território criado artificialmente. E conclui: “Estou confiante de que a verdadeira soberania da Ucrânia só é possível em parceria com a Rússia”.

O ensaio é encarado como fundamental para o Kremlin, ao ponto do ministro da Defesa o adicionar à lista de leitura dos funcionários que servem o estado russo, incluindo os militares que agora combatem na Ucrânia.

Mas, perante o conflito, a contestação aumenta. Nas ruas de diferentes cidades russas, há cidadãos que contestam as políticas do próprio presidente, arriscando a prisão ao pedirem o fim da guerra – Putin chama-lhe uma “operação militar especial”. E a comunidade internacional responde a cada dia com novas sanções e com o envio de material de guerra para a Ucrânia.

Putin parece isolado, mas não com o mesmo grau de desejo com que se resguardou da covid-19. A visão do ocidente tem-no transformado num pária que, perante uma investida que não está a ser tão efetiva como planeado, acena com novas ameaças. As armas nucleares, a postos, é a mais recente. Fraqueza ou raiva? As opiniões dividem-se.

“Ele tornou-se num homem isolado. Mais isolado que Estaline”, diz ao The New York Times Gleb O. Pavlovsky, antigo conselheiro de Putin.

Protesto de russos em São Petersburgo, contra a invasão da Ucrânia (Reuters)

Um regime que treme, mas não cede

Putin instala no Kremlin um túnel desinfetante, para se proteger do coronavírus. Antes de visitar o homólogo russo, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro faz cinco testes. Em fevereiro, o francês Emmanuel Macron recusa esse passo e acaba do lado oposto de uma longa mesa de reuniões.

Distância semelhante verifica-se no momento em que Putin dá, neste domingo, ordem para ter as forças nucleares a postos. Na ponta oposta da mesa, sentam-se o seu ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o seu chefe do Estado-Maior-General d​as Forças Armadas, Valery Gerasimov.

Depois da ordem, Sergei Shoigu baixa a cabeça. O sinal é visto como um sinal de desconforto interno pela imprensa internacional. “Há um risco de continuarmos a analisar o que se passa na Rússia com o critério ocidental. Porque o sistema é de tal maneira centralizado, que esse desconforto não é barreira”, explica Lívia Franco, professora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.

Mas ele, o desconforto, começa a existir sobretudo porque nos alvos das sanções internacionais à Rússia estão oligarcas que são fortes apoiantes do presidente russo. “É óbvio que vai melindrar a estrutura de apoio interno”, reforça Sónia Sénica, do Instituto Português de Relações Internacionais.

Na Rússia, avisam as especialistas, as regras da democracia não funcionam do modo a que a maior parte do mundo está habituada. Apesar dos protestos nas ruas, com o risco de prisão sempre presente, “não podemos extrapolar que há um grande consenso interno contra a invasão da Ucrânia”, diz Lívia Franco.

Ursula von der Leyen tem sido um dos rostos na hora de anunciar pacotes de sanções à Rússia (AP Photo)

A força das sanções

A cada dia, as sanções adensam-se. Da exclusão do sistema SWIFT ao bloqueio do espaço aéreo, passando pelos bens russos congelados no estrangeiro. E a lista, mesmo que simbólica, continua: a Rússia não vai acolher o Grande Prémio de Fórmula 1 e é excluída da Eurovisão. Com o isolamento de Putin sempre na mira – e a esperança de que isso possa significar um passo atrás.

“Há uma condenação forte, isso tende a isolar o regime. Mas se nos detivermos no aspeto do isolamento, com a esperança de que isso altere o regime [russo], não devemos esperar que isso vá acontecer”, avisa Lívia Franco.

A estratégia ocidental até tem deixado Putin mais tempestuoso, respondendo a cada sanção numa lógica de ‘olho por olho’. Ponderação é palavra de ordem, para não fazer escalar ainda mais o conflito. “É óbvio que isso vai melindrar interesses particulares. Mas neste momento, internamente, não me parece que a contestação internacional seja suficientemente forte para fazer deter estas iniciativas presidenciais”, insiste Sónia Sénica.

E, com as ações do Kremlin para bloquear fontes de informação consideradas fidedignas no ocidente, torna-se difícil medir o pulso sobre a vontade de forçar um novo presidente russo. Autoritário e centralizador, Putin prossegue.

Bielorrusso Alexander Lukashenko tem sido um dos apoios de Putin (Sergei Guneyev, Sputnik, Kremlin via AP)

Aliados: esticar ou tirar a mão

Num contexto de conflito, há que tomar posições. E espera-se que os parceiros de sempre deem apoio. Mas até nisso Vladimir Putin enfrenta consequências. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan, com quem a relação era próxima, avisa o homólogo de que Ancara nunca reconhecerá a perda da soberania ucraniana. Até porque a Turquia é membro da NATO, a aliança que Putin mais desafia.

Já outros países vizinhos e amigos, como o Azerbaijão e o Cazaquistão, têm evitado alinhamentos. “Esta desestabilização regional faz recear que haja aqui um replicar e uma incursão territorial que ponha em causa as suas soberanias nacionais”, justifica Sónia Sénica. Mas o certo é que o Azerbaijão está a enviar ajuda humanitária para a Rússia.

Têm restado a Putin dois nomes: o sírio Bashar al-Assad e o bielorrusso Alexander Lukashenko. A história explica porquê. Em 2015, a Rússia ajudou a resolver, com recurso a bombardeamentos, a guerra civil em território sírio, a favor do regime de Bashar al-Assad. E, nos últimos anos, perante a crescente contestação ao presidente bielorrusso, o apoio de Putin ao homólogo não se fez tardar. “Estão a retribuir o apoio”, resume Sónia Sénica.

Mas há outra nação que pode desequilibrar a balança: a China. “Tem-se mantido numa posição de pseudo-abstenção”, diz Lívia Franco. Porque Pequim tem interesse nas matérias-primas russas, explica. E, se o conseguir comprá-las a melhor preço, tanto melhor.

Vladimir Putin tem mantido a distância em várias reuniões (Alexei Nikolsky, Sputnik, Kremlin Pool / AP Photo)

À procura de explicações

Putin é visto como uma figura racional, um estratega em defesa dos próprios interesses. Mas as suas recentes aparições públicas, com discursos focados na importância histórica dos territórios ucranianos, têm colocado o ocidente a questionar outra questão: a saúde mental do presidente russo, com 69 anos.

A dúvida espalha-se pela imprensa internacional, associando-a aos seus hábitos durante o período de pandemia. E, nas últimas horas, alimentada por uma publicação do senador norte-americano Marco Rubio. “Seria um erro assumir que este Putin reagiria da mesma forma há cinco anos”, escreve no Twitter.

Mas, das especialistas ouvidas pela CNN Portugal, surge o aviso: este argumento da saúde mental poderá ser uma tentativa de o ocidente explicar o que não tem explicação: a guerra.

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