Como o Parlamento se preparou para Zelensky, o homem que tira a vontade de falar aos deputados

21 abr 2022, 07:00
Zelensky no Parlamento Italiano (Remo Casilli - AP Photos)

Volodymyr Zelensky fala esta quinta-feira na Assembleia da República, pelas 17:00. A sessão solene, a primeira por videoconferência, obrigou a testar a tecnologia da casa da democracia. A mesma onde se espera ouvir, em ucraniano, a referência ao 25 de Abril. Ouvir é a palavra de ordem, mesmo para quem não quer estar na sala

Os últimos dias têm de sido de testes. Na terça-feira, os níveis de som da sala foram avaliados até às oito da noite. Se a tecnologia é a porta de entrada do convidado de honra, ela não pode falhar.

A voz que se ouvirá, com força, no hemiciclo da Assembleia da República, não será a de Volodymyr Zelensky. É antes a do intérprete que traduzirá a mensagem para a língua portuguesa para que, em Lisboa, ninguém tenha de colocar um auricular para perceber o que diz o presidente ucraniano – exceção feita, claro, aos compatriotas.

O som foi uma das principais preocupações desta sessão solene. Aproveitando sempre o que já havia na casa da democracia, como os quatro telões – já com 13 anos de serviço – onde será transmitida a imagem do presidente de um país em guerra.

É a primeira vez que uma sessão solene no Parlamento, que recebe um Chefe de Estado, é feita por videoconferência. E, também por isso, se espera que seja mais rápida do que o habitual. Meia hora no máximo, dizem as expectativas mais conservadoras à CNN Portugal.

Na tarde da véspera, o discurso do Presidente da Assembleia da República ainda não estava fechado. Aos serviços do Parlamento não tinha chegado, da parte da Ucrânia, qualquer suporte informático – como vídeo, fotografia ou apresentação – para mostrar enquanto Zelensky falar.

Nas raras conversas de corredores, porque o debate do Programa de Estabilidade os esvaziaram, não é da guerra (e do homem que a enfrenta) que se fala. Os sinais de que esta será uma quinta-feira diferente no Parlamento são mais contidos.

É preciso olhar para os cabos que as televisões esticam nos Passos Perdidos. Ou para um microfone, situado bem no meio de um palanque nada habitual naquele corredor, mesmo que o protocolo defina que ninguém fará intervenções a não ser o Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e o próprio Zelensky. Acredita-se que o microfone será usado, resta esperar para ver por quem.

Passa um grupo de polícias, a receber indicações. A explicação chega mais tarde. A sua presença nada tem que ver com um reforço de segurança para esta sessão solene. Estão aqui por causa de outro momento solene, o 25 de Abril. Mas a segurança não foi esquecida, sobretudo a digital. Os deputados receberam a garantia de que os serviços da Assembleia estavam “em cima” do tema, para garantir que nada falhava – porque tal poderia significar expor Zelensky ao inimigo.

E o que não pode mesmo falhar é a transmissão. Daí que os deputados, desde o final da tarde desta quarta-feira, já não tenham acesso aos gravadores das suas intervenções. No site da ARTV - Canal Parlamento, o acesso ao arquivo foi também interrompido. Tudo para aliviar a largura de banda e permitir que o site não vá abaixo com tanta procura. Mas, mesmo que isso aconteça, a transmissão televisiva estará sempre garantida.

Augusto Santos Silva será o mestre de cerimónias (Lusa)

Os ilimitados 15 minutos de Zelensky

Uma sessão solene mais discreta, sem honras militares. Como o principal convidado não estará em Lisboa, o protocolo segue-se de forma distinta.

Augusto Santos Silva irá receber o Presidente da República e o primeiro-ministro. Se tudo correr como o previsto – e não existirem problemas técnicas a ditar uma espera estratégica na sala de visitas -, seguem para o hemiciclo.

O Presidente da Assembleia da República abrirá a sessão e passará a palavra a Zelensky. O presidente ucraniano não tem tempo limite para falar, mas estima-se que não se estenda mais do que 15 minutos, tendo em conta as suas intervenções noutros parlamentos. Santos Silva falará depois, fechando a sessão. A organização recusou revelar qualquer detalhe do discurso do lado português.

Nem Marcelo Rebelo de Sousa nem António Costa – que se fará acompanhar por uma equipa governamental centrada na Defesa e nos Negócios Estrangeiros - falarão. No final, a banda da GNR tocará nos Passos Perdidos os dois hinos nacionais. Primeiro o ucraniano, depois o português.

Marcelo e Costa estão presentes mas não discursam (Lusa)

Quem vai (e quem fica de fora)

“Há quem queira aparecer ao lado do Zelensky e quem esteja do lado do povo da Ucrânia”, diz à CNN Portugal o deputado do Livre, Rui Tavares, na expectativa de que nesta sessão solene a segunda via esteja em força.

Porque, apesar de Zelensky não vir a Lisboa, não se poupou na lista dos convidados. De antigos Presidentes da República aos conselheiros de Estado, passando pelos líderes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, pela Procuradora-Geral da República ou pelo chefe do Estado-Maior-Geral das Forças Armadas, o convite foi feito.

A lista vai até ao 26.º grau do protocolo de Estado. E há uma explicação simples: Santos Silva quis ver na cerimónia as associações que representam os municípios e as freguesias, para destacar o trabalho que têm feito na integração de refugiados ucranianos. Deverão marcar presença também representantes da comunidade ucraniana em Portugal, encabeçada pela embaixadora Inna Ohnivets.

De fora, ficarão os cidadãos comuns que gostariam de assistir à sessão a partir das galerias do hemiciclo. Aos partidos políticos chegaram vários pedidos nesse sentido. Mas, também aqui, a rigidez da segurança e da organização falou mais forte.

Embaixada ucraniana em Portugal, liderada por Inna Ohnivets, também trabalhou na organização (Lusa)

Quatro dias de diferença (podem ser esquecidos?)

21 de abril. Faltam quatro dias para outra data que a Assembleia da República faz questão de assinalar. E a proximidade não passou despercebida. “Tem havido uma discussão sobre qual é a referência nacional que Zelensky vai usar no seu discurso”, reconhece o presidente do Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo. Mas há uma expectativa coletiva: a Revolução dos Cravos.

Isto porque Zelensky, em todos os parlamentos em que tem discursado, procura sempre criar paralelismos com a história do país anfitrião. Em Espanha falou do bombardeamento de Guernica, no Reino Unido citou Winston Churchill e a retirada das forças britânicas de Dunquerque, em França abordou a batalha de Verdun.

“Mais do que esperarmos o que nos possa transmitir sobre o 25 de Abril, é importante ouvirmos as suas necessidades e do seu povo”, diz Inês de Sousa Real, porta-voz do PAN, o partido que avançou primeiramente com a iniciativa para ouvir Zelensky no Parlamento português.

Espera-se que o líder ucraniano repita a estrutura das suas intervenções, lembrando o que a guerra com a Rússia significa para o futuro da Europa. E que também a Portugal deixe a crítica de que mais poderia ser feito, em especial no que respeita à adesão da Ucrânia à União Europeia, um processo onde a posição lusa tem sido marcada por alguma contenção quanto a acelerar os trâmites habituais. Até porque as relações entre Lisboa e Kiev são frágeis: em 31 anos de Ucrânia independente, nenhum Presidente da República português fez uma visita de Estado àquele país e, nos últimos tempos, os contactos institucionais foram fortemente marcados pela morte de Ihor Homenyuk nas instalações do SEF.

Ainda assim, é praticamente certo que o Parlamento abdique do intérprete no final deste discurso. Mas apenas para uma palavra. Porque o presidente ucraniano fez questão de aprender a dizer “obrigado”.

Zelensky no Parlamento Francês (AP Photo)

Aprender a ouvir (mesmo que os deixassem falar)

Não estão previstas intervenções dos diferentes partidos neste dia. Mas, se eles tivessem oportunidade, mesmo que por segundos, de transmitir uma mensagem a Zelensky, o que diriam? Curiosamente, há consenso (tirando o PCP, já lá chegará este artigo) nesta matéria: a prioridade é escutar.

“Aproveitava para perguntar o que mais poderíamos fazer nesta luta injusta”, reage o deputado do PSD Tiago Moreira de Sá. E Rui Tavares do Livre alinha: “A principal coisa que eu faria não seria falar mas ouvir, para perceber como podemos estar do lado do povo atacado.”

Da esquerda à direita, o que se espera que Zelensky sinta é a solidariedade portuguesa. Apesar de simbólica, esta iniciativa é encarada pelos deputados como uma oportunidade para vincar o compromisso da ajuda, através das esferas internacionais em que Portugal se insere, a União Europeia e da NATO. E uma das coisas que não pode mesmo ser esquecida neste processo, diz André Ventura, presidente do Chega, é o “apoio na reconstrução da Ucrânia”.

“Tirar um bocado de tempo, no meio de uma guerra, para falar ao Parlamento português é uma honra para Portugal”, resume o deputado socialista Miguel Costa Matos.

A CNN Portugal abordou também a coordenadora do Bloco de Esquerda nos corredores da Assembleia da República. Catarina Martins seguiu o caminho e direcionou para a assessoria de imprensa. Nenhum nome foi apontado, até à publicação, para falar sobre este tema.

Presidente ucraniano é visto como uma inspiração entre os deputados portugueses (AP Photo)

Os fura-festas

Há quem se tenha autoexcluído, como forma de protesto, da lista de convidados desta sessão solene. Fala-se do Partido Comunista Português. As caras pesadas que na véspera do discurso de Zelensky iam saindo do gabinete dos comunistas já faziam antever o anúncio: as suas cadeiras no hemiciclo ficarão vazias durante a sessão solene.

Mas não é a primeira vez que tal acontece. Em 1985, os comunistas estiveram presentes na sessão que recebeu Ronald Reagan, então presidente dos Estados Unidos da América. Contudo, acabaram por deixar a sala antes do discurso. Na altura, as relações com a Rússia eram mais próximas do que são hoje.

“Esta sessão não contribui para um caminho de paz”, justificou a líder parlamentar Paula Santos. Mas seria a descrição de Zelensky como alguém que “personifica um poder xenófobo e belicista, rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e neonazi” que havia de marcar a conferência de imprensa dada ao final da tarde desta quarta-feira.

Bem como os suspiros de lamento das restantes forças políticas pelos corredores do Parlamento.

Líder parlamentar comunista confirmou posição do partido na véspera da sessão solene (Lusa)

 

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