Zelensky não é Churchill. Ele é um herói mais improvável

CNN , Zachary B. Wolf, CNN
13 mar 2022, 17:26

Coragem do presidente da Ucrânia em tempos de guerra leva a comparações com grandes estadistas da História

Em que é que ele estava a pensar ao chegar ao gabinete?

O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é um alvo fácil para os invasores russos. E, ainda assim, ali estava ele, apresentando-se na segunda-feira à noite no seu local de trabalho oficial em Kiev, num vídeo que foi, em parte, uma selfie, e, em parte, um discurso presidencial apocalíptico.

O ex-comediante começou por dar a entender que tudo se assemelhava a uma piada sombria sobre a semana de trabalho.

“Nós costumávamos dizer: segunda-feira é um dia duro”, disse ele, de acordo com a tradução. “Há uma guerra no país. Por isso, todos os dias são uma segunda-feira. E agora estamos a acostumarmo-nos ao facto de que todos os dias e noites são assim.”

A maioria dos americanos apenas conheciam Zelenskly como um figurante, o Presidente de um país pequeno, que não iria descobrir os podres de Joe Biden e partilhá-los com Donald Trump numa chamada telefónica infeliz.

Não é um Trump. Mas, enquanto Trump utilizava as redes sociais para derrubar os adversários como um rufia, e fragilizava a confiança da democracia americana, Zelensky usa vídeos curtos e publicações nas redes sociais para angariar apoio para a sua própria democracia, à medida que esta enfrenta a extinção.

A comparação com Churchill. Zelensky merece admiração e louvor, e as comparações com Winston Churchill vêm da esquerda, da direita e dos media. O pensamento é de que Zelensky trocou o rádio sem fios e o chapéu de coco de Churchill pelo smartphone e uma t-shirt verde.

Foi na terça-feira que o presidente da Ucrânia deu abertura às comparações, quando fez ecoar o discurso mais famoso de Churchill, proferido aquando da hora mais negra da Grã-Bretanha, e transmitido para inspirar o país.

Ao dirigir-se à Câmara dos Comuns do Reino Unido através de vídeochamada, Zelensky comparou a luta atual da Ucrânia à da Grã-Bretanha de outrora.

Sob a liderança de Churchill, a Grã-Bretanha não iria ceder aos fascistas. A Ucrânia, sob Zelensky, não irá ceder a Vladimir Putin.

“Nós não vamos desistir e não vamos perder. Vamos lutar até à morte”, disse nos seus comentários traduzidos por um intérprete, fazendo lembrar algumas das palavras de Churchill. A Câmara dos Comuns do Reino Unido aplaudiu Zelensky com uma ovação de pé.

Contudo, embora o Ocidente tenha imposto severas sanções à Rússia, esta ainda não cortou o fornecimento de petróleo russo aos países ocidentais. E parece improvável que os EUA lhe concedam a zona de interdição aérea, que ele pretende para proteger os ucranianos do poderio aéreo russo.

Poderia ainda haver algum tipo de meia-medida. A Polónia ofereceu os seus jatos MiG da era soviética à Ucrânia através dos EUA, se os EUA entregassem à Polónia alguns aviões de fabrico norte-americano.

Uma diferença fundamental. Churchill tinha esperança que os Estados Unidos se juntassem à Segunda Guerra Mundial, o que acabou por acontecer. Por sua vez, Zelensky foi claramente informado de que os EUA não irão atacar a Rússia, que possui capacidade nuclear, pois tal poderia desencadear a Terceira Guerra Mundial.

Melhores comparações. Apresentei o argumento de Churchill a Douglas Brinkley, o historiador presidencial americano, num telefonema. Ele rejeitou-o como sendo exagerado.

Churchill já tinha sido um líder de guerra, um herói de guerra, um sobrevivente a escândalos e um escritor prolífico na altura em que assumiu o cargo de primeiro-ministro em 1940. Ele era um imperialista e não acreditava piamente na democracia.

É mais Vaclav Havel do que Churchill, argumentou Brinkley, salientando que Havel foi um dramaturgo, cujo movimento na Checoslováquia, a Revolução de Veludo, inspirou a criação de uma banda de rock ocidental, os Velvet Underground.

“Havel exalava democracia e presenciou o totalitarismo de perto”, disse Brinkley. “Ninguém pensou que Havel, um dramaturgo, pudesse acabar por ser um grande líder mundial, mas ele conseguiu-o.”

Brinkley mencionou Lech Walesa, um sindicalista da Polónia que acabou por ser um líder revolucionário e inspirador.

Ambos percorreram uma onda de revolução na Europa de Leste, em 1989.

O historiador chamou ainda a atenção para Ronald Reagan, que “fazia filmes com chimpanzés (Hora de Dormir, Bonzo) e acabou por ser o chefe de Estado que presidiu à queda do Muro de Berlim”.

“Os artistas estão em vantagem, porque são capazes de comunicar com as pessoas em tempos de crise. É disso que mais se precisa”, disse Brinkley, ainda que nenhum deles tenha sido alvo de uma invasão russa.

Zelensky vai ficar para a História. A sua coragem face a cenários impossíveis – a invasão de Putin pode ser desastrosa até ao momento, mas a Rússia tem um exército e recursos maciços – também tem uma componente semelhante à de David e Golias.

“É tal como o manifestante solitário na Praça Tiananmen em Pequim, George Washington em Valley Forge ou Davy Crockett no Álamo”, disse Brinkley.

“Estas atitudes são fruto de verdadeira determinação e coragem, e penso que Zelensky marcará a História como um destes mártires democráticos, um mártir da democracia”, disse ele.

“Ele está encurralado, rodeado por forças inimigas e, ainda assim, é capaz de falar com o mundo de uma maneira tão inteligente, carismática, entusiasta e marcante.” Segundo alguns apoiantes, a coragem que tornou Zelensky tão inspirador, é aquilo que ele deve agora conter, para poder liderar.

O representante da Florida, Mike Waltz, um republicano e veterano de guerra, disse no domingo à CNN que Zelensky está “a revelar-se um Churchill do século XXI”. Mas ele quer que o líder ucraniano seja um pouco mais cuidadoso.

“Se olharmos para a História, George Washington manteve a revolução americana viva ao manter-se vivo”, disse Waltz, acrescentando de seguida: “A esta altura, gostaria de o ver na frente de batalha e, neste momento, a sua missão é viver e continuar a servir como símbolo de resistência”.

 

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