Qualquer atividade russa neste "ponto do planeta com mais armas nucleares por m²" levará "a NATO à ativação do artigo 5.º"

24 mai, 15:58

Uma pequena ilha sueca está a provocar o maior temor: um conflito global. A Gotlândia importa, a Gotlândia é sueca, a Suécia é NATO, a Rússia quer mesmo a Gotlândia? Se quiser: "Era como se agora Porto Santo passasse a ser um objetivo de Marrocos ou da Mauritânia"

Perante a crescente ameaça nuclear, perante o armamento na órbita da Terra, perante um Ocidente a admitir dar luz verde à Ucrânia para utilizar armamento europeu e americano em território russo, perante a armada moscovita a conquistar vila após vila na linha da frente, perante sobretudo isto mas também perante o que haverá na sequência disto é certo que "atingimos um novo capítulo da guerra" - diz Agostinho Costa, major-general. Mas há um outro perante delicado, pequeno mas delicado: a Gotlândia, uma ilha pouco maior do que o distrito de Lisboa.

A Gotlândia fica no Mar Báltico e é a única separação terrestre no trajeto em linha reta entre Estocolmo, a capital sueca, e o enclave russo de Kaliningrado - e toda esta área é o "local do planeta com mais armas nucleares por metro quadrado", diz Isidro Morais Pereira, também major-general.

Na terça-feira, o Ministério da Defesa russo divulgou um documento em que descrevia alterações às fronteiras marítimas russas. Nem 24 horas depois, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Suécia, Micael Bydén, fez um sério aviso aos aliados: Vladimir Putin quer controlar o Mar Báltico e “tem os olhos na ilha de Gotlândia”, garantindo ainda que “aquele que controla esta ilha controla o Mar Báltico” e que este era o real "objetivo de Putin”.

A Gotlândia situa-se em linha reta entre a capital sueca, Estocolmo, e o enclave russo de Kaliningrado foto Google Maps

O artigo quinto

Isidro Morais Pereira garante que a ilha sueca é "geoestrategicamente importante" e que desta vez não há dúvidas: "Qualquer operação russa nesta ilha sueca levará a NATO à ativação do artigo 5.º". "É importante para controlar as águas do Mar Báltico", garante, comparando-a  à Ilha das Serpentes, no Mar Negro, disputada entre Ucrânia e Rússia desde 24 de fevereiro de 2022.

Em ambos os casos o mais importante não é o que há na ilha, mas sim o posicionamento da ilha para controlar as águas adjacentes. "A paz pode ter os dias contados. Não se trata apenas desta tentativa - é que alterar as fronteiras naquela região vai contra a lei internacional, não pode ser feita de forma unilateral", explica o major-general Isidro Morais Pereira.

Com a entrada da Suécia e da Finlândia na NATO, a aliança ficou com supremacia e controlo absoluto das águas do Mar Báltico, com a exceção do enclave russo. Mas agora, e no entendimento de Isidro Morais Pereira, o Kremlin está a "desafiar os países da NATO". O objetivo de Putin será reajustar o controlo das rotas marítimas da região, mas qualquer operação será "uma situação muito preocupante e um motivo para que o artigo 5.º da NATO seja ativado".

"Os russos não se vão meter nisso"

Agostinho Costa reafirma a convicção de Morais Pereira e assegura que qualquer intento contra a ilha de Gotlândia culminaria inevitavelmente no conflito alargado. No entanto, explica que acredita que a intenção do documento divulgado pela Defesa da Rússia passa por uma "questão da gestão das águas", mas não no Báltico. Porquê? O estratega militar recorda que "o Báltico é um mar completamente fechado e os russos sabem que não é por ali que terão acesso aos mares abertos - como tal, não se vão meter nisso". Agostinho Costa defende que o Kremlin está sim, ao invés, com "os olhos no Ártico" e a explicação prende-se com o facto de "a Rússia estar enclausurada em termos de saídas para o mar".

"O Báltico é um mar fechado. O Mar Negro é um mar fechado, porque quem tem a chave é a Turquia. Do outro lado na Euroásia, o Mar de Okhotsk também é um mar fechado. Depois resta o Ártico, que está fechado pelos EUA e do outro lado pela Islândia, Gronelândia e Noruega". Mas, como explica Agostinho Costa - e à semelhança do que está a fazer Pequim -, a Rússia está a reforçar a capacidade e o número dos navios quebra-gelo que vão permitir que se formem novas rotas comerciais afastadas dos poderes ocidentais.

Navio quebra-gelo russo a desencalhar cargueiro aprisionado no gelo, no Golfo da Finlândia, a 40 quilómetros de São Petersburgo foto AP

"Não é tácito que os resultados sejam favoráveis ao Ocidente"

Depois de 80 anos de paz, desde o fim da II Guerra Mundial, o mundo está agora novamente num estado de pré-guerra. "A I Guerra Mundial foi uma catástrofe, mas a II Guerra Mundial foi muito pior, uma absoluta calamidade e isso não podia continuar. Passadas oito décadas, quem está a colocar isto em causa? É a Rússia. Começou pela Crimeia, depois o Donbass e agora estamos aqui", diz.

"Antes de se pensar se esta é uma situação perigosa ou não na Gotlândia, há que ter em conta que esta é uma questão de princípio: porque é que a Suécia há de abdicar da ilha? Só porque a Rússia quer? A ilha de Gotlândia é da Suécia, é território sueco e ponto final, parágrafo. Era como se agora Porto Santo passasse a ser um objetivo de Marrocos ou da Mauritânia", justifica o major-general Isidro Morais Pereira, acrescentando que este é um caso grave e para o qual a Rússia teria de recuar muito atrás na História para justificar a invasão, talvez "até à batalha de Pedro Grande e Carlos XII".

Isidro Morais Pereira destaca que "a zona do Báltico é fundamental" em caso de uma guerra alargada - e “aquele que controla a Gotlândia controla o Mar Báltico", como lembrou o chefe máximo das Forças Armadas da Suécia. Do ponto de vista geoestratégico, "o Báltico é um dos mares fundamentais" porque "se houver um confronto entre NATO e Rússia é por ali que vão navegar os navios logísticos que apoiem quaisquer batalhas que ocorram na Suécia, Finlândia ou Dinamarca", explica uma especialista militar ouvida pela CNN Portugal. A logística foi aliás o que atrasou a invasão russa nos primeiros meses de invasão da Ucrânia - sem uma sustentada cadeia de abastecimento de água, alimentos, armamento ou combustível é impossível travar-se qualquer batalha.

"Numa guerra com a NATO, o Báltico não será um ponto central", discorda Agostinho Costa, realçando que "a Rússia é uma força essencialmente terrestre" e que, "em caso de confronto entre a NATO e a Rússia, Moscovo não teria qualquer hipótese naquela região". Um resultado que seria diferente num conflito aero-terrestre entre as duas potências, aponta Agostinho Costa.

Isidro Morais Pereira realça que este cenário de instabilidade global "pode ficar muito pior" e, para isso, basta "o Ocidente fraquejar e a Ucrânia perder a contenda para a Rússia". "Aí abre-se a caixa de Pandora", refere Isidro Morais Pereira. E "não é tácito que os resultados sejam favoráveis ao Ocidente", conclui Agostinho Costa.

Europa

Mais Europa

Patrocinados